Gene pode explicar dependência de cocaína
Parte da população mundial pode ser mais vulnerável ao vício de cocaína devido a uma variação genética, de acordo com uma nova pesquisa feita por cientistas de diversos países.
Os pesquisadores descobriram uma proteína que diminui a resistência à droga e aumenta a dependência.
A pesquisa, publicada esta semana na revista americana Proceedings of the National Academy of Sciences, foi feita inicialmente com ratos de laboratório na Europa e, depois, com consumidores de cocaína em São Paulo.
Segundo o cientista espanhol Fernando Rodríguez de Fonseca, diretor de Neuropsicofarmacologia da espanhola Fundação Imabis (Instituto Mediterrâneo para o Avanço da Biotecnologia e Investigação Sanitária), a descoberta do gene "é o primeiro passo para se conhecer mais peças moleculares dos efeitos da cocaína e desenvolver ferramentas para diagnóstico e terapias".
"(A pesquisa) nos abre um caminho para se considerar os usuários de cocaína doentes, em vez de viciados, já que o transtorno tem base genética. Não é meramente de conduta", disse ele à BBC Brasil.
Resposta estimulante
O estudo descobriu que o gene CaMKIV é o responsável por controlar a resposta da cocaína no organismo.
Sem ele, os circuitos cerebrais ficam mais vulneráveis e a cocaína tem impacto maior e efeitos mais longos.
"Este circuito cerebral é chamado de circuito da recompensa: um sistema que nas pessoas normais serve para incentivar as condutas que proporcionam a sobrevivência: comer, descansar, reproduzir-se, adquirir um papel social relevante", disse Fonseca.
"Mas, quando ativado por drogas de abuso, leva ao vício, perda de controle e persistência do consumo, porque que o usuário está sob vulnerabilidade. Por isso, podemos dizer que este é o gene protetor contra a cocaína."
Foram pesquisados 670 consumidores freqüentes de cocaína e outros 726 indivíduos saudáveis no Brasil. A conclusão foi de "clara associação entre o gene e a dependência".
Segundo o cientista espanhol, a segunda parte da pesquisa, feita na Universidade Federal de São Paulo, foi coordenada através de entrevistas e exames de urina para controlar a resposta cerebral aos estímulos.
A amostra foi composta por voluntários do sexo masculino, em sua maioria entre 20 e 40 anos, "porque (esta população) reflete o perfil dos consumidores habituais de cocaína nos países ocidentais e serviu para confirmar que porcentagem de indivíduos responde à existência dessa proteína".
"Com este resultado, sabemos que a porcentagem de confirmação é alta. Entre 40% e 50% dos seres humanos que possuem esta variação genética estão mais expostos aos estímulos da cocaína."
Doença
Fonseca disse ainda que a pesquisa terá continuidade em outras linhas: um estudo para saber se a proteína está relacionada com outras drogas e se também se manifesta em outras áreas do cérebro.
Também será investigado se o fato de possuir esta variação genética é suficiente para que uma pessoa saudável se transforme em potencial consumidor de cocaína.
"Queremos saber em que momento um indivíduo passa a ser viciado. Se basta ter a variação polimórfica ou há outros condicionantes, como problemas familiares, estresse e situações de isolamento."
"Estes fatores são básicos para definir se o consumo é uma doença e como tratá-lo. Porque pode ser que estejamos vendo consumidores de cocaína de forma errada, como antes eram os diabéticos. Se uma pessoa ingere açúcar inadequadamente e não sabe que tem uma disfunção, pode passar a vida inteira fazendo o que não deve sem saber. Daí a grande importância dessa pesquisa do CaMKIV."
O estudo foi coordenado pelos cientistas Jan Rodríguez Parkitna (espanhol) e Rainer Spanagel e Günter Schütz (alemães), do Centro Alemão de Investigação de Câncer de Heildelberg. A pesquisa também contou com a colaboração do Imabis (Málaga, Espanha), do Instituto de Psiquiatria do King's College, de Londres, e da Universidade Federal de São Paulo.
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