Bolsa Família não deve impor condições, diz economista
Programas de transferência de renda que impõem condições aos seus beneficiários, como o brasileiro Bolsa Família, são em geral paternalistas, desiguais e ineficientes, afirma um estudo divulgado pelo Centro Internacional de Pobreza da ONU (IPC, na sigla em inglês).
O autor, o economista e ex-consultor da ONU Guy Standing, ataca a visão - que ele próprio reconhece como predominante - de que dar dinheiro sem exigir uma contrapartida dos beneficiários incentiva a acomodação e a dependência.
"Guia este estudo a asserção de que o crescente interesse em transferências de renda como um instrumento de desenvolvimento levará à consciência de que a maior parte das formas de seletividade e condicionalidade são conveniências, na melhor das hipóteses, caras, injustas, ineficientes e ofensivas a príncípios básicos de igualdade", afirma Standing, no estudo "Como Transferências de Renda Podem Alavancar o Trabalho e a Segurança Econômica".
"Nós vamos voltar a transferências de renda universais, incondicionais, no final", completa o autor.
O trabalho de Standing foi inicialmente divulgado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU. Suas conclusões foram apresentadas em um artigo publicado em português nesta semana pelo Centro Internacional de Pobreza da ONU, que, no entanto, não faz referência direta ao Bolsa Família.
Professor de Segurança Econômica na Universidade de Bath, na Grã-Bretanha, Standing já dirigiu o Programa de Segurança Socioeconômica na Organização Internacional do Trabalho e atuou com consultor do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (2006-2007).
Bolsa Família
O economista trata como positiva a transformação do Bolsa Escola e outros três programas de transferência de renda criados no governo Fernando Henrique, aos quais se refere como "mais paternalistas e mais seletivos", no Bolsa Família, no governo Lula.
Mas deixa claro que ainda considera o programa brasileiro, que atende a famílias com renda mensal de até R$ 120 por pessoa, paternalista. Para Standing, ao selecionar e colocar condições aos beneficiários, no caso famílias com crianças em idade escolar, o Bolsa Família exclui famílias que não se encaixam nessa categoria. A exigência de cadastro também é criticada.
"A autonomia (no Bolsa Família) é assegurada no sentido de que os recipientes podem escolher como gastar o dinheiro, mas as condicionalidades são restritivas, e incluem freqüência escolar de crianças entre 5 e 15 anos, aulas pré-natal para mulheres grávidas e vacinas para crianças menores de sete anos", afirma Standing no estudo.
O principal alvo das críticas do autor, entretanto, são os programas que distribuem comida ou outras commodities. Ele argumenta que as famílias são obrigadas a aceitar o que se presume ser bom para elas, além de poder distorcer os preços desses produtos no mercado local. "Ademais, tais programas reforçam a idéia de caridade mais do que de direitos econômicos."
Para o especialista, programas que impõem condições aos beneficiários, ou de "focalização", são freqüentemente implementados para ganhar o apoio político do resto da sociedade, criando a "dúbia distinção entre pobre merecedor e pobre não merecedor".
O economista lembra que "o mecanismo político de associar uma condição formal como forma de legitimar uma transferência, que caso contrário teria a oposição da classe média", foi bastante usado no Brasil no debate sobre os programas Bolsa Escola e Renda Mínima, que têm essa contrapartida.
Programas universais
Um programa de transferência direta a agriculores na Etiópia durante quebra de colheitas é citado por Standing como prova de que "transferências simples de dinheiro permitiram que os beneficiários fizessem escolhas estratégicas por si próprios".
"Sua avaliação mostrou que as remessas de fundos foram usadas para pagamento de débitos, restauração da produtividade da terra e para ajudar a recomposição do padrão de vida", diz o artigo publicado no IPC. "Em contraste, a ajuda em alimentos poderia ter promovido apenas o consumo corrente."
Segundo Standing, além de dar autonomia às pessoas em como gastar o dinheiro, esses programas não são estigmatizantes nem paternalistas, como seriam os de focalização. "Mais importante, eles ajudariam a fortalecer a solidariedade social, contribuiriam para a liberdade de escolha das famílias e para seu sustento e trabalho digno", conclui o artigo.
As transferências universais também teriam custo mais baixo e seriam mais fáceis de administrar por não exigirem o que Standing considera um sistema complexo e dispendioso de fiscalização do cumprimento das condicionalidades.
"Elas podem ser distribuídas mais rapidamente, seus custos administrativos tendem a ser menores, a seleção de beneficiários pode ser transparente e elas possibilitam liberdade de escolher como o dinheiro pode ser gasto."
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