Clínica em São Paulo trata idosos portadores de HIV
Médicos da clínica para idosos do hospital Emílio Ribas, em São Paulo, vêm diagnosticando por mês entre 10 a 15 novos casos de infecção pelo vírus HIV entre idosos.
Pesquisas feitas no hospital indicam que das mulheres com mais de 60 anos de idade, 75% contraíram o vírus através do marido.
Entre os homens, 80% foram infectados através de relações sexuais fora do casamento.
Os médicos dizem que o governo deve começar a direcionar suas campanhas de conscientização também aos idosos.
Lúcia, uma avó de 71 anos, contraiu o vírus HIV do marido.
Ela descobriu que tinha o vírus em 1999, quatro anos após a morte do marido, vítima de um ataque cardíaco.
"Eu quase fiquei louca. Até tentei cometer suicídio", diz Lúcia. "Não podia acreditar".
"Apareceram umas marcas na minha pele e fui ao médico. Ele me pediu para fazer alguns testes e foi confirmado".
"Peguei (o vírus) do meu marido. Por causa do trabalho, ele ficou quatro meses fora de casa e eu acho que foi nesse período que ele foi infectado".
Lúcia é uma entre os muitos idosos que recebem tratamento para o HIV no Emílio Ribas, um dos mais importantes hospitais para doenças infecciosas da América Latina.
Ela se recusa a culpar o marido pelo que aconteceu, e chega a tentar assumir um pouco da responsabilidade pelo problema.
"Ele era muito bom para mim, um marido excelente. Não senti raiva dele".
"Nunca usamos camisinha porque nunca achamos que poderíamos pegar esta doença. Não acho que ele sabia que tinha o vírus".
Culpa
Cerca de cem portadores do HIV são atendidos por mês na clínica para idosos do Emílio Ribas - entre dez a 15% destes são novos casos.
O especialista em doenças infecciosas Jean Gorinchteyn, responsável pelo trabalho de pesquisa feito na clínica, diz que é comum entre os homens sentir culpa por ter infectado a esposa, enquanto as esposas tendem a perdoar seus maridos.
"Estes homens simbolizam um papel na família, de pai, de avô, de figura que traz segurança. De repente, descobrem que têm o HIV", diz Gorinchteyn.
"Isso é um problema porque revela outras coisas, por exemplo, que ele tem vigor sexual e que teve sexo fora do ambiente da família".
Luciene, de 65 anos de idade, também contraiu o vírus HIV do marido.
Diabético, ele começou a perder peso e cabelo. Após vários testes, foi diagnosticado.
Luciene diz que o marido ficou chocado e assustado ao observar o efeito da doença em outros pacientes quando foi admitido no hospital, em 1998.
"Ele ficou tão triste, tão triste, que parou de falar. É como se ele tivesse ficado paralisado".
Após a morte do marido, Luciene teve de encarar outra realidade.
"Fiz testes em segredo. Estava com vergonha. Meu marido era muito conhecido e eu nunca contei para ninguém".
Ela também foi diagnosticada como portadora do HIV, mas como Lúcia, não culpa o marido.
"Nunca tive coragem de discutir (o assunto) com ele", ela diz.
"Até pedi à minha filha para não dizer a ninguém que ele tinha o vírus e que morreu por causa disso. Ele teria ficado envergonhado na frente dos amigos".
Educação
Pedro, de 73 anos, é um dos pacientes mais idosos da clínica. Ele caminha com a ajuda de uma bengala.
"Tive um problema de tontura e fui ao médico. Descobri que era HIV positivo depois de fazer alguns testes."
Sua mulher morreu há anos e ele diz que não sabe como contraiu o vírus, mas conta que nunca usou camisinha.
"Nunca pensei em usar camisinha", ele diz. "Eu era casado."
"Acho que as pessoas hoje estão bem informadas."
Gorinchteyn diz que cuidar de idosos com HIV e até perceber que eles podem ser portadores do vírus representa um grande desafio. E o diagnóstico tardio também traz problemas.
"Quando você tem um paciente jovem sendo hospitalizado com uma pneumonia séria, a primeira coisa que se pergunta é se ele já fez um teste para o HIV", diz o médico.
"Quando uma pessoa idosa tem uma pneumonia séria, você imagina que pode ser porque seu sistema imunológico está fraco".
Gorinchteyn observa, no entanto, que pacientes mais velhos seguem o tratamento muito mais cuidadosamente do que os mais jovens.
É como se eles de repente percebessem que a morte está mais perto do que imaginavam, diz o médico.
Muitos dos que foram diagnosticados com o HIV aos 60 anos foram infectados uma década antes, e o médico diz que é importante incluir pessoas mais velhas em campanhas que promovem o sexo saudável.
"Hoje, uma pessoa com 60 ou 70 anos ainda está em boas condições físicas. Se estão bem fisicamente, vão querer ter uma vida sexual ativa. Se vão ter relações sexuais, ficarão expostos (ao vírus)", diz Gorinchteyn.
"O problema é que pacientes mais velhos são negligenciados e não são alvo de campanhas do governo", diz.
Para Luciene, o que importa é tocar a vida da melhor forma possível.
"Minha vida continua bem porque tenho uma família amorosa. Não me falta nada. Os médicos aqui são melhores do que na rede particular", ela diz.
"A pior coisa é a tristeza que sentimos. Porque nos sentimos humilhados".
Os nomes dos pacientes foram alterados para proteger suas identidades.
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