A força de um minúsculo gesto vital
Recordo-me das palavras do meu pai: “Nós não devemos fazer nada em vão na vida”. Mas quando não estamos na consciência plena dos nossos atos, quantas coisas fazemos em vão, não é mesmo? E quantas outras deixamos de fazer que assim jamais seriam, que exigiriam tão pouco de nós, às vezes, só estender a mão a alguém que necessita de uma pequena ajuda da nossa parte e que estaria ao nosso pleno e fácil alcance. Mas sem o coração aberto e a boa vontade para com o outro, muitos atos e gestos que fazem do homem um ser humano, não são idealizados na mente das pessoas e muito menos acalentados no coração daqueles que se dizem “humanos”.
Não precisamos ir muito longe nem tampouco de grandes exemplos para constatarmos essa realidade. Comecemos pelos pequenos gestos do cotidiano. Um grande número de pessoas inicia o dia com cumprimentos que dão e recebem sem nenhuma gota de vitalidade ou afeto. Um bom-dia, boa-tarde ou boa-noite dados de forma mecânica, “robotizada”, sem sequer olhar nos olhos de quem se cumprimenta. No decorrer do dia, deparamos com pequenas e altas doses de grosserias, arrogância, prepotência, estupidez, indiferença e insensibilidade nas relações familiares, sociais e profissionais que maltratam, dificultam e ferem a vida uns dos outros.
Reclamamos das incontáveis agressões para com a vida neste planeta, mas dificilmente abrimos os olhos para enxergar as inúmeras agressões que normalmente fazemos, em maior ou menor grau, à nossa própria vida e à das pessoas que nos rodeiam.
O tempo todo estamos transmitindo vida ou inibindo-a, mesmo através de um único olhar. Gestos simples, como o jeito de olhar ou de falar com alguém pode se transformar num carinho ou em agressão.
Quando abrimos o coração para acolher e compreender uma pessoa que está à nossa frente, reforçamos sua auto-estima, bem como sua conexão com a vida. Nesse caso, vemos a vida ser renovada e reforçada em cada encontro permeado por essa aceitação e acolhida recíprocas. O contrário acontece se julgamos, menosprezamos e rejeitamos alguém - cortamos o outro em pedacinhos, muitas vezes, quase que imperceptíveis. Lamentavelmente, a segunda opção é a mais comum no mundo em que vivemos, o qual colocou os valores que reafirmam a vida de cabeça para baixo.
Todavia, o homem não é uma ilha. O Mestre indiano Osho diz: “Somos todos parte de uma única força vital – parte de uma única existência oceânica. Nas profundezas de nossas raízes somos um só. Não importa quem você esteja ferindo, no final das contas você está ferindo a si mesmo...A não violência resulta desta compreensão.”
Não temos aprendido a ser amigos de nós mesmos, que dirá amigos dos outros e da vida...Essa lição básica, as escolas não nos ensinam nem as religiões. As palavras de Jesus “Amai ao Próximo Como a Ti Mesmo” são repetidas com freqüência pelos sacerdotes e por muitas outras pessoas, porém, sem que haja uma compreensão da raiz do mal-entendido que impede a humanidade de colocar em prática esse grande ensinamento.
Uma amizade com a vida é construída por pessoas que tiveram a abertura, a disposição, a força, a coragem de olhar para dentro de si, procuraram se compreender profundamente e conseguiram estabelecer uma real amizade consigo próprias em primeiro lugar. Essa relação de intimidade e amizade conosco passa, necessariamente, por aceitarmos a nossa expressão por inteiro - em nível corporal, mental, emocional e espiritual. Olhar e aceitar sem fazer escolhas - o nosso lado forte e o frágil -, o que gostamos e o que não gostamos em nós mesmos. A internalização e a prática deste entendimento nos possibilita manter o estado de harmonia.
Se estamos reconciliados internamente com as diversas faces da nossa expressão, quer seja a “bela” ou a “fera”, o relacionamento externo refletirá esse estado de harmonia. Se por outro lado, estamos em guerra conosco, em contínua não aceitação de nós mesmos, com constantes julgamentos e cobranças, freqüentemente, totalmente descabidos, em nível tanto do corpo como do ser, iremos projetar esse conflito lá fora também. Dessa forma, dificuldades, rejeições e incompreensões surgirão nas relações em qualquer âmbito.
Aqui cabe uma mensagem de Kiran Kanakia.: “Esteja na vida como um estudante e não como um juiz”. Como sabemos, o juiz julga, enquanto o estudante não está interessado em julgamentos, quer apenas aprender com tudo e com todos.
É adotando a postura de estudante que podemos aprender a nos compreender, a nos acolher, a nos valorizar e, finalmente, a nos amar. A partir daí ficará bem mais fácil conviver pacificamente com as demais pessoas.
Então, uma mudança qualitativa nas atitudes ocorre, passando a ser perceptível desde a expressão facial. O nosso cumprimento, por exemplo, fica carregado de energia vital e preenchido pela intenção real de que a pessoa a quem nos dirigimos vivencie de fato o que as palavras expressam.
Pessoas de bem consigo mesmas ficam de bem com a vida e espalham bem estar e alegria ao seu redor. Tornam-se criativas, amorosas, compassivas, acertivas. São tomadas por um desejo de que a humanidade inteira seja feliz. O contrário também é verdadeiro; pessoas infelizes e que se rejeitam tem o impulso de destruir.
Finalizo com as palavras do Osho: “Um homem sério é incapaz de rir, é incapaz de dançar, é incapaz de brincar. Ele está sempre controlando-se, tornou-se o seu próprio carcereiro. Deveríamos aprender a transformar nossas energias para que não fiquem reprimidas, para que sejam expressas através do nosso amor, da nossa risada, da nossa alegria.”
BENEDITA ENILDES DE CAMPOS CORRÊA – Administradora e Terapeuta Corporal Ayurveda. Ministra cursos e seminários na área de Qualidade de Vida no Trabalho para organizações governamentais e privadas. E-mail: omsaraas@terra.com.br
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