Filhos do coração
Resolvi iniciar com as palavras do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, justamente porque se encaixam perfeitamente com o tema deste artigo. Neste domingo, dia 13 de julho, comemora-se os 18 anos do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. É um momento de discussão, onde podemos contribuir com a criação e o aprimoramento de iniciativas voltadas à garantia dos direitos humanos desta parcela da população. A discussão deve envolver o desenvolvimento da criança e do adolescente, além do combate a atividades que usurpam a perspectiva de futuro de nossas crianças como o trabalho infantil ou a exploração sexual.
Está previsto no ECA, no Capítulo III, artigos 19 e 20, “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”
É sobre isto que quero aprofundar um pouco mais neste artigo. A importância da família. É a partir dela que o “homem” adquire os primeiros conceitos que formarão, ao longo do tempo, as pilastras do seu caráter, servindo de orientação para os inúmeros caminhos que a vida imporá durante sua trajetória.
Quando assumi a gestão do Lar da Criança chorei durante seis meses consecutivos em ver a situação na qual viviam os meninos e meninas na instituição. Decidi que algo tinha que ser feito e foi aí que iniciamos um trabalho de revitalização da casa, com reformas e melhorias na infra-estrutura, aquisições de móveis e equipamentos, investimento no corpo técnico. Hoje podemos dizer que o Lar da Criança é uma referência em termos de abrigo. Temos 219 profissionais trabalhando 24 horas. Porque elas não têm hora para chegar e vêem com todo tipo de problema, vítimas de todo tipo de violência, negligência ou abandono. O trabalho dispensado a 20 crianças é o mesmo que para 100.
Mesmo buscando todos os programas e incentivos governamentais que estavam ao meu alcance para minimizar os problemas destas crianças, mesmo com toda a infra-estrutura ofertada, elas ainda não estavam felizes. Abrigo não é lugar de criar uma criança. Ouvia incessantemente o pedido das crianças que moram há anos na instituição: “Tia Terezinha, quando é que eu terei uma mãezinha? Eu também já vou poder ir pra casa?”. Eram pedidos que vinham de rostinhos tristes e que me inquietaram.
Foi aí que iniciamos um trabalho intenso e com um só objetivo: reintegrar estas crianças em uma família, seja ela biológica ou substituta. Busquei a sociedade, firmei parcerias com órgãos governamentais e não-governamentais, convidei amigos para conhecer o Lar e assim doar um pouco de amor a estes pequenos cidadãos. Disto nasceu a campanha do apadrinhamento e da adoção, que está em andamento em todo o Estado, realizada em parceria com o Tribunal de Justiça, por meio da Comissão Estadual Judiciária de Adoção – Ceja, Ministério Público e outras instituições.
Vocês já devem ter visto na televisão, nos jornais e estampados em placas nas ruas da cidade vários daqueles rostinhos que eu citei, pedindo uma chance para amar, uma oportunidade de mostrar quem realmente elas são, e não apenas constar como estatística, como números de crianças à espera de uma família, vivendo em abrigos.
Muitas mulheres se lamentam que não podem ter filhos biológicos. Com isso elas se fecham para outra forma de ter filhos: aqueles que são gerados dentro do coração. Veja a quantidade de crianças que estão á espera de uma oportunidade de serem amados, de serem filhos do coração. Ao invés da lamentação, é preciso abrir os olhos para isto.
Muitas vezes, ouço preconceitos, sobre filhos adotivos. Meu sonho é que toda essa mentalidade e cultura sobre a adoção mude. Muita coisa mudou no decorrer desses anos, antigamente a adoção era tida como um "segredo", algo "obscuro", que falavam bem baixinho no ouvido de alguém. Hoje em dia, o assunto é discutido mais abertamente e, se depender de mim, será falada aos quatro ventos, de peito aberto, com muito orgulho e muito amor.
Uma coisa que eu sempre digo, tem de ser privilegiado o direito da criança em ter uma família e não, o interesse do adulto em ter um filho, porque aí acontecem muitos daqueles casos que conhecemos de devolução da criança ao abrigo.
Mas sabemos o quanto é complexo todo o processo entorno da adoção, e pensando nisso, o projeto “Padrinhos - Pais Solidários” foi instituído justamente para aqueles que querem ajudar, mas sem, necessariamente, ter a guarda da criança. São três formas de apadrinhamento: padrinhos provedor, afetivo ou prestador de serviço. O apadrinhamento, em qualquer uma de suas formas, tem o objetivo de despertar um sentimento nessas crianças, para que se sintam menos excluídas, tornando-se assim adultos preparados para a vida. Outros estados que possuem o projeto já comprovaram que a iniciativa pode reverter o processo negativo da institucionalização.
O Lar da Criança está de braços abertos à espera de interessados em participar deste projeto. A instituição está preparara para cadastrar os futuros padrinhos e despertar o sentimento de amor que existe dentro de todos nós.
O drama da criança sem família é um problema de todos e, se este não for enfrentado, o país não terá futuro. Vamos aproveitar o momento, quando o ECA entra na sua maioridade, para trabalharmos esta questão e incentivar a adoção ou o apadrinhamento de crianças e adolescentes abandonados. Eles só querem uma chance para amar você!
*Secretária de Estado de Trabalho, Emprego, Cidadania e Assistência Social
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