Brasil passa do ataque à defesa em discurso sobre etanol
O governo brasileiro parece ter passado do ataque à defesa em sua posição mundial diante do tema dos biocombustíveis, sugerem as últimas declarações dadas por líderes, como o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante esta viagem à Holanda.
O tema do etanol nem sequer estava entre os principais da visita – o ponto forte é a atração de investimentos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), segundo o próprio entorno do presidente – mas acabou dominando a atenção dos líderes no primeiro dia do giro.
Ao responder a uma pergunta sobre a aceleração da inflação no mundo – em especial no Brasil – foi o próprio presidente quem introduziu o tema: "Não me venham dizer que (o culpado pela inflação) é o etanol", disse Lula.
A intenção do governo é defender o etanol não apenas da acusação de que contribui para a alta dos preços agrícolas, mas também da sugestão de que incentiva a exploração predatória do meio ambiente e da mão-de-obra dos trabalhadores.
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, disse que foi uma sugestão de Lula a criação de um grupo de trabalho formado pelos ministérios ligados ao etanol para estabelecer uma "estratégia de comunicação permanente" em defesa do biocombustível brasileiro.
Um indicativo desta defesa já foi dado aqui com Lula argumentando, segundo Miguel Jorge, aos presidentes das Câmaras alta e baixa do Parlamento holandês que o produto verde-amarelo tem menos contra-indicações do que, por exemplo, o americano.
Pé atrás
Nesta quinta-feira, Lula disse que as áreas de etanol podem ocupar pastos degradados que um dia serviram à pecuária e que, somados, têm uma área de 60 milhões de hectares – "mais do que muitos países têm em toda sua totalidade", enfatizou o presidente.
Na quarta-feira, Miguel Jorge afirmou a jornalistas que as áreas de plantio de cana-de-açúcar estão "longe da fronteira agrícola, inclusive longe da Amazônia".
A tese é contestada por grupos ambientalistas, que afirmam que a produção de cana-de-açúcar no Sudeste e Centro-Oeste toma espaço da produção de alimentos e empurra, sim, essas culturas para áreas próximas da Amazônia.
O desafio do governo é contornar a cautela demonstrada por líderes europeus, preocupados principalmente em não endossar diante de seu eleitorado uma solução para o aquecimento global que contribua para o problema ambiental.
O próprio primeiro-ministro holandês, Jan Peter Balkenende, reconheceu a jornalistas que é preciso um "planejamento cuidadoso" para chegar a um equilíbrio entre a necessidade de produzir energia e manter a sustentabilidade.
Entretanto, em entrevista ao lado do presidente Lula, ele também observou que o etanol pode ajudar a amenizar os custos crescentes de energia, que, no fim das contas, também eleva as pressões inflacionárias – inclusive sobre alimentos.
Etanol ‘limpo’
É aqui que entra a importância das discussões para chegar a um etanol produzido não a partir da matéria-prima em si, e sim dos restos da colheita. O chamado biocombustível de segunda geração foi recentemente a menina dos olhos das parcerias firmadas por Lula em uma viagem aos países nórdicos há seis meses.
À época, em uma entrevista à BBC Brasil, a ministra dinamarquesa do meio-ambiente afirmou que o etanol da maneira como é produzido hoje "não é necessariamente bom".
A estratégia brasileira em defesa do etanol quer provar o contrário, pelo menos para o etanol brasileiro. Os instrumentos seriam a "comunicação permanente" e iniciativas como a publicação de "livros brancos sobre o etanol", segundo adiantou aqui na Holanda o ministro Miguel Jorge.
Mesmo que se mostre eficiente, o discurso brasileiro indica uma postura mais cautelosa em relação ao etanol. Sutilmente diferente daquela manifestada por Lula até a pouco, como durante sua viagem à Índia, quando Lula declarou: "Se depender do meu entusiasmo, o mundo inteiro vai entrar na era do biocombustível."
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