O governo da presidente Dilma Rousseff montou várias frentes no Congresso Nacional para tirar do papel a promessa de destinar 100% dos royalties do petróleo para a educação. Considerada prioritária pelo Palácio do Planalto, a proposta já tramita em regime de urgência na Câmara, por meio de um projeto de lei encaminhado no início do mês passado. Desde a última semana, entretanto, o tema passou a constar também do projeto do Plano Nacional da Educação (PNE) , em análise no Senado.
A inclusão foi feita na forma de uma emenda aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. A estratégia dá ao governo duas linhas distintas de ação no Congresso para tentar aprovar a matéria. Ao incluir a destinação exclusiva dos royalties para educação no PNE, a comissão do Senado utilizou-se justamente de trechos do projeto que tramita na Câmara. Por enquanto, não há uma orientação para que líderes priorizem um ou outro projeto. A ordem é sentir o terreno para ver qual dos dois tem mais chance de assegurar a mudança na regra.
O projeto de lei, de número 5.500, já representava a segunda tentativa do governo de aprovar a destinação integral dos recursos para a educação na Câmara. A primeira era uma medida provisória, a 592, que acabou sendo abandonada após a lei que trata da redistribuição dos royalties virar centro de um embate no Supremo Tribunal Federal (STF). No novo projeto que destina essas receitas para a educação, Dilma procurou justamente eliminar os elementos que atrelavam a medida provisória à disputa em curso na Justiça. Ou seja, retirou menções à nova lei dos royalties e ao destino das receitas oriundas da exploração dos contratos que já estão em execução.
“Dessa forma, temos um projeto tramitando na Câmara, em regime de urgência, e outro correndo no Senado. Ou seja, a aposta é que, de uma forma ou de outra, será possível dar andamento à proposta”, explica o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que foi relator da medida provisória na Câmara. Ele reconhece que o governo enfrentou alguns sobressaltos nessa estratégia até agora. Mas insiste que a ideia é dar impulso ao projeto nas próximas semanas. “Isso só não avançou mais porque o governo teve de lidar com problemas no Congresso, como a votação da MP dos Portos”, acrescentou.
Municípios |
Estados |
União |
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25% da receita | 25% da receita | 18% da receita | >> É o que a educação recebe hoje |
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+ |
+ |
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Royalties petróleo | Royalties petróleo | Royalties petróleo + 50% do Fundo Social* |
>> Recurso que será acrescentado ao orçamento da educação |
*Poupança dos juros da aplicação do dinheiro pago pelas empresas para arrematar blocos de petróleo
Os royalties são uma espécie de compensação pelo impacto ambiental e econômico decorrente da extração do petróleo. Quem faz esses pagamentos são as empresas que lucram com a exploração desses recursos naturais. Pela regra anterior, União, Estados e municípios produtores recebiam a maior fatia desse bolo. Mas, com base no início da exploração de petróleo no pré-sal e da perspectiva de um aumento drástico dessas receitas, aprovou-se no Congresso uma lei que redistribui esses recursos de forma mais igualitária.
Grande parte da polêmica referia-se à aplicação da nova distribuição em contratos que já estão em execução. Assim, a insatisfação de entes federativos que perdem receita com as novas regras acabou levando o assunto ao STF. Pelas contas do governo, a receita proveniente dos royalties do petróleo pode chegar a R$ 50 bilhões em 2020.
Os Estados produtores queriam manter a fatia atual de 26% sobre os royalties, valor que, pela nova lei, vai ficar em 20% em 2020. Já os não-produtores brigaram para aumentar sua fatia dos atuais 1,5% para 27%. Municípios produtores tentaram, sem sucesso, segurar os 26,25% de royalties que recebem hoje. Pela nova regra, em 2020, receberão apenas 4%. As cidades não-produtoras ficarão, em 2020, com 27% de royalties – na lei que vigorou até 2012, elas recebiam 7%. A União, por sua vez, verá sua fatia cair dos atuais 30% para 20%.
Municípios não-produtores | Estados não-produtores | Estados produtores | Municípios Produtores | União | |
Até 2012 | 7% | 1,5% | 26% | 26,5% | 30% |
De 2013 a 2019 | 21% | 21% | 20% | 15% | 20% |
A partir de 2020 | 27% | 27% | 20% | 4% | 20% |
Municípios não-produtores | Estados não-produtores | Estados produtores | Municípios produtores | União | |
Até 2012 | 0 | 0 | 40% | 10% | 50% |
De 2013 a 2019 | 10% | 10% | 32% | 5% | 43% |
A partir de 2020 | 15% | 15% | 20% | 4% | 46% |
Articulação
No Senado, a decisão de incluir os 100% dos royalties do petróleo para a educação no PNE coube ao relator do projeto, José Pimentel (PT-CE). “Com essas modificações, que contemplam diversas demandas da sociedade, acreditamos contribuir para o aperfeiçoamento do projeto e para a celeridade na sua tramitação nesta Casa Legislativa”, afirmou o senador, no parecer. O projeto ainda terá de passar por duas comissões para que o texto seja então votado no plenário do Senado. Como o projeto veio originalmente da Câmara, também será necessária uma nova apreciação do texto na Casa.
Na articulação da proposta junto a setores da oposição, até o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tomou parte. Há alguns meses, o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira, sentou-se com o petista para discutir o assunto. Aloysio é autor de um projeto elaborado em conjunto com o colega Cristovam Buarque (PDT-DF) que cria um fundo com recursos dos royalties oriundos da exploração do petróleo no pré-sal, cujo rendimento serviria integralmente para financiar a educação básica e políticas de inovação. O projeto chegou à Comissão de Assuntos Econômicos há algumas semanas e, assim como o PNE, será relatado por José Pimentel.
“Nós somos favoráveis a que o dinheiro dos royalties seja usado para financiar a educação. Mas queremos que a nossa proposta seja incorporada a essa discussão de alguma forma”, afirma Aloysio, acrescentando que Mercadante chegou a endossar um projeto semelhante apresentado por Buarque e pelo também tucano Tasso Jereissati (PSDB-CE), na época em que era senador. “O ministro Mercadante tem simpatia pelo projeto, conhece bem nossas ideias”, acrescenta o tucano.
Agilidade
Na Câmara, um dos desafios é dar agilidade à proposta. Quando o novo projeto de lei chegou à Casa, em meio à tensa votação da MP dos Portos, o líder do PT na Casa, José Guimarães (CE), vinculou a proposta ao projeto de lei 323 de 2007 – que dispõe sobre a política energética nacional – e pediu que este tramite na Comissão de Educação. A vinculação (apensamento, no jargão técnico) colocou o projeto na comissão permanente da Câmara na qual seria avaliado. Como nenhum projeto pode tramitar em quatro comissões, foi automaticamente criado um grupo de trabalho especial para fazer uma apreciação acelerada do 5.500.
No entanto, o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), autorizou a criação da comissão especial somente no dia 14 de maio e ainda não designou seus membros. Caso o projeto não seja aprovado em 45 dias, contando de 2 de maio, quando o 5.500 entrou com carimbo de urgência, ele travará a pauta de votação da Câmara.
Embora o Planalto insista em manter os 100% dos royalties para a educação, o texto do projeto de lei 5.500 já recebeu 33 emendas de deputados, várias delas com o objetivo de destinar parte do dinheiro a outros setores. Na avaliação do Planalto, esse é um ponto vital da discussão. Caso alguma dessas sugestões entrem no relatório final da comissão especial criada para debater o projeto 5.500, a presidente Dilma pode vetá-las. Esses vetos, então, voltarão a ser analisados pelos parlamentares.
O deputado Júlio César (PDT), por exemplo, propõe 50% para educação e o restante para saúde (30%) e mobilidade urbana (20%). Já Onyx Lorenzoni (DEM-RS) propõe que cidades que já aplicam o mínimo constitucional exigido para a educação possam colocar parte do dinheiro em saúde (25%) e infraestrutura (25%). O deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) pede 50% para educação e ciência e tecnologia e os 50% restantes para saúde e infraestrutura. E Sarney Filho (PV-MA) deseja colocar parte em meio ambiente.
Algumas das emendas são iguais às recebidas por Zarattini nas discussões da medida provisória 592. O deputado, na época, aceitou incluir algumas propostas dos colegas no relatório. Zarattini trabalha agora para assumir novamente a relatoria, seguindo irrestritamente a orientação de destinar 100% para educação. “A intenção do governo é aprovar os 100% e a bancada do PT está coesa para esse objetivo”, afirma.
Outro ponto que será debatido é o destino dos recursos que formarão um fundo social sob controle da União. Criado pela lei 12.351 de 2010, esse fundo é uma espécie de poupança formada com o repasse do valor pago pelas empresas para arrematar um bloco de petróleo em rodadas de licitação – o chamado bônus de assinatura. O fundo será constituído também com parte do bônus recebido pela União sobre a exploração de blocos especiais. A cada ano, o fundo social deve repassar os juros da aplicação desse dinheiro para a educação. A dúvida se refere a quanto desse valor irá para educação. A União quer que 50% do rendimento tenha esse destino. O percentual apresentado no projeto de lei 5.500 é o mesmo da medida provisória 592.
Série
Esta reportagem inicia uma série do iG sobre as mudanças que poderão ser concretizadas na qualidade da educação do País a partir do investimento dos royalties do petróleo na área. Para entender o contexto, conheça a história dos royalties no Brasil e as 20 metas do Plano Nacional de Educação . Nesta terça, uma nova reportagem mostrará como a vida das pessoas vai mudar se o PNE for cumprido. E na quarta, exemplos de outros países que fizeram alto investimento em educação e que podem servir de inspiração ao Brasil serão apresentados.
*Com informações de Nivaldo Souza, iG Brasília
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