Briga judicial por 'pílulas de farinha' já dura uma década
No primeiro semestre de 1998, pílulas sem princípio ativo (o chamado placebo) que seriam usadas em testes de um novo equipamento de embalagem chegaram ao mercado. O laboratório alega que nunca comercializou o lote. E que algumas unidades foram furtadas.
A Schering não tem informações precisas sobre quantas mulheres ficaram grávidas ao tomar o anticoncepcional Microvlar nem sobre quanto já precisou desembolsar por causa do episódio. Mas informou que há cerca de 250 ações correndo nos tribunais do país desde que o caso veio à tona.
Segundo o laboratório, já houve decisão final em outros 15 processos. A Schering foi obrigada a pagar pensão mensal para as crianças, de cerca de dois salários mínimos, até que elas completem 18 anos. Nestes casos, a Justiça também determinou o pagamento de indenizações por danos morais de, em média, R$ 38 mil, além de arcar com despesas com partos e enxovais.
Na maioria dos casos, no entanto, a Schering e as consumidoras ainda travam uma queda-de-braço na Justiça. Só o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entrou com quatro ações contra o laboratório, em nome de um grupo de 10 mulheres carentes.
Segundo a entidade, duas destas ações foram negadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A entidade recorreu. Em outros três processos, segundo o Idec, a Schering foi condenada. A quarta ação ainda não foi julgada.
STJ
Na última segunda-feira (24), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que condena a Schering a pagar indenização coletiva de R$ 1 milhão para mulheres que ficaram grávidas após usar as pílulas.
A decisão reacendeu a esperança de muitas delas. No entanto, o laboratório recorreu no mesmo dia, adiando novamente o fim da discussão. Não há prazo para o novo julgamento.
A ação civil pública foi proposta em 1998 pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) e pelo Estado de São Paulo. Desde a primeira decisão judicial, em 1999, uma batalha de recursos passou a ser travada na Justiça até que o caso chegou ao STJ.
Segundo o advogado do laboratório, Cid Flaquer Scartezzini Filho, o recurso tem caráter técnico. O objetivo é provar que o STJ tem decisões divergentes em julgamentos semelhantes. "Estamos apontando uma divergência para que o STJ aprecie novamente essa divergência", disse.
"É uma grande vitória, o reconhecimento que o laboratório tem responsabilidade pela colocação do produto no mercado sem o princípio ativo. Acho difícil que essa decisão seja alterada", disse a assessora técnica do Procon, Patrícia Caldeira, ao comentar o novo recurso.
Caso a caso
Se a decisão final for desfavorável à empresa neste caso, informou a assessora do Procon, as mulheres que engravidaram terão que entrar com ações individuais no município em que moram para provar que usaram Microvlar. O juiz, então, vai analisar caso a caso e calcular o quanto cada uma terá direito a receber.
"Elas terão que entrar com uma ação para demonstrar o valor do dano. A responsabilidade da empresa já foi reconhecida pelo Judiciário. Mas essa não é uma conta pronta. Fatores econômicos e sociais serão levados em conta", explicou Patrícia.
Segundo ela, além de contratar um advogado, as interessadas precisarão juntar todas as provas que tiverem para demonstrar que tomaram a "pílula de farinha" – receita ou declaração médica e a cartela do remédio, por exemplo.
Depoimentos também serão considerados. "Pode ser até que seja ouvido o médico que indicou a pílula. Tudo vai ser levado em conta pelo magistrado. É preciso estabelecer nexo entre o fato e o dano sofrido", informou a assessora do Procon.
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