Juros altos do País atraem investidores e "derrubam" o dólar
Apesar da alta de 1,72% na última semana, o dólar ainda acumula, do início do ano para cá, desvalorização de 3,8% em relação ao real - percentual acima do verificado em outros mercados pelo mundo. Segundo analistas, a principal causa para a maior queda no Brasil é a alta taxa básica de juros cobrada no País, que atrai investidores em busca de bons ganhos com risco relativamente baixo.
Na sexta-feira, a moeda americana terminou o dia cotada a R$ 1,713, com alta de 1,24% no dia, impulsionada pela incerteza dos mercados internacionais em relação à crise de crédito americana.
No dia anterior, o Comitê de Política Monetária (Copom) divulgou a ata de sua última reunião. No documento, o órgão afirmou que cogitou uma elevação da taxa básica de juros do Brasil, que hoje está em 11,25%, mas que a possibilidade não foi concretizada. De acordo com o ranking da UpTrend Consultoria Econômica, a taxa real do juro brasileiro é de 6,73%, o maior do mundo - a da Turquia, com 6,69%, vem logo em seguida.
A valorização do real ante o dólar foi evidenciada nos últimos dias pelo homem mais rico do mundo, o megainvestidor Warren Buffett. O bilionário aproveitou a fraqueza da moeda americana para lucrar, desde 2001, US$ 2,3 bilhões com investimentos em moedas estrangeiras, como o dólar canadense, australiano e até também com a divisa brasileira.
Outro ponto que evidenciou a desvalorização da moeda americana foi quando, no ano passado, a modelo brasileira Gisele Bündchen declarou que estava assinando seus contratos em euro, abdicando da divisa de referência do mundo, até então: o dólar.
Para o professor de Finanças da PUC-SP Fábio Gallo, mesmo com o movimento mundial, é "improvável" que o BC e o governo brasileiro queiram manter a moeda americana tão desvalorizada em relação ao real. "Não é algo forçado, até porque, se fosse, o BC daria uma segurada para conter essa queda do dólar".
Segundo ele, o governo sabe que, com o câmbio depreciado, o País está exportando também empregos. "O balanço de importações e exportações é muito importante para o País. Esse equilíbrio é saudável para a economia. Não interessa para o BC e nem para o governo ficar apanhando do setor exportador", afirmou.
A tese do "derretimento" do dólar ao redor do mundo como causa para explicar o comportamento da divisa no Brasil é contestada pelo diretor da corretora NGO, Sidnei Nehme.
Segundo ele, a velocidade da queda no Brasil está acima da verificada em outros mercados. "Isso acontece porque aqui há um descompasso enorme entre a taxa real de juros e o nível de risco que o País oferece ao investidor", disse.
Para ele, o governo não tem instrumentos para evitar a queda do dólar no momento. "Ele criou essa situação com a taxa de juros alta e agora não consegue baixá-la."
De acordo com Nehme, esse "descompasso" entre juros e risco atrai o capital especulativo, que vê aqui uma oportunidade de realizar bons lucros sem riscos. "Mas isso não acontece com dinheiro real, mas, sim, na bolsa de derivativos (projeções futuras de ativos reais, como, por exemplo, o dólar). Esses indicadores apostam na queda do dólar e isso acaba irradiando para os mercados reais", explicou.
O diretor disse ainda que a obtenção do chamado investment grade (grau de investimento, a nota mais alta de recomendação dada pelas agências de classificação de risco) é que vai causar a queda na cotação do dólar "pra valer", com a entrada de altas somas da moeda no País.
"Essa classificação vai atrair os grandes fundos de investimento e aumentar o fluxo da moeda que entra no País", afirmou.
Indústria
Ao contrário de Gallo e Nehme, Antonio Corrêa de Lacerda, membro do conselho superior de economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), disse acreditar que o fenômeno é, em parte, fruto de uma política do governo brasileiro. "Nos últimos três anos, o BC, com o respaldo do governo, vem utilizando o câmbio como um instrumento para combate da inflação."
De acordo com ele, a entrada de produtos importados com preços competitivos desestimula os reajustes de preços programados pelos fabricantes nacionais, o que segura os índices de inflação.
Apesar da discordância com relação à atuação do BC, Lacerda concorda que as altas taxas de juros são o principal fator que "puxa" a cotação do dólar para baixo. "Enquanto um título americano rende de 3% a 4% ao ano, os brasileiros rendem 11,25%", disse.
Segundo ele, o uso da cotação do dólar como instrumento para conter a inflação gera uma série de problemas na economia do País.
"Essa política causa inúmeros impactos no sistema produtivo, porque desestimula as exportações e estimula as importações. Os fabricantes desmobilizam suas fábricas e substituem a produção por componentes trazidos do exterior", completou.
Comentários