Mercado brasileiro se distancia de vizinhos sul-americanos
Apesar do discurso de integração comercial, nos últimos dez anos os exportadores dos demais países sul-americanos vêm perdendo participação no mercado brasileiro – o maior do continente.
As importações brasileiras dos países da América do Sul como um todo caíram de 19,8% do total em 1997 para 15,4% no ano passado.
As vendas brasileiras para países dentro e fora do Mercosul estão indo no sentido oposto, em alguns casos dando saltos de dois dígitos.
O desequilíbrio provoca críticas dos parceiros comerciais na região, que acusam o Brasil de excesso de protecionismo.
Mas economistas brasileiros ouvidos pela BBC Brasil atribuem o fenômeno à falta de competitividade das economias da região.
"Barreiras"
Ecoando reclamações de exportadores de países vizinhos, o presidente da Associação de Exportadores Peruanos, José Luís Silva Martinot, diz que o Brasil é um país fechado, que muitas vezes dificulta a entrada de produtos da região.
“(Às vezes) barreiras técnicas ou leis estaduais fazem com que seja quase impossível comercializar com o Brasil”, afirma ele.
O desequilíbrio em favor do Brasil e a queda relativa das importações dos vizinhos se acentuaram a partir de 2003, justamente quando ganhou novo impulso o discurso do governo brasileiro pela integração sul-americana.
Em 2002, as exportações e importações brasileiras na região estavam quase equilibradas, com exportações de US$ 7,5 bilhões contra importações de US$ 7,6 bilhões.
No ano passado, as exportações haviam quadruplicado, para US$ 31,9 bilhões, enquanto as importações cresceram uma vez e meia, para US$ 18,5 bilhões. Ou seja, o superávit brasileiro pulou para US$ 13,3 bilhões.
Com essas mudanças nos números, não é de estranhar que as reclamações se acumulem.
Argentina
"Há muitas coisas que podem melhorar (na relação comercial)", diz Eduardo Sigal, subsecretário argentino de integração econômica para as Américas e o Mercosul.
"(Ainda) há travas legislativas, constitucionais e burocráticas que dificultam que o comércio seja maior."
A Argentina é um dos países que viram umas das maiores viradas na balança. Em 1997, tinha um superávit de mais de US$ 1,1 bilhão com o Brasil. Em 2007, teve um déficit de mais de US$ 4 bilhões.
De maneira geral, o Brasil passou a comprar mais de outras partes do mundo e a vender mais para os vizinhos.
Olhados em conjunto, os países sul-americanos receberam em 1990 o equivalente a 8,5% de todas as exportações brasileiras.
No ano passado, foram o destino de 19,9% das vendas das empresas brasileiras para o exterior.
A participação da região nas exportações já foi maior – chegou a 24,2% em 1997 – mas caiu no início desta década até chegar a 12,4% em 2002, após a crise que atingiu mercados importantes, como Argentina e Venezuela.
O analista do Ministério do Planejamento Leandro Freitas Couto, que analisou os dados de comércio de todos os países, destaca que entre 1990 e 2004 aumentou o comércio – tanto importações quando exportações – entre todos os países sul-americanos.
A exceção foi o Brasil e o Uruguai, que passou a exportar mais para fora da região neste período.
"A estrutura produtiva é o maior entrave a uma integração maior", afirma Couto.
Competitividade
Um levantamento do economista Chau Kuo Hue, consultor da LCA Consultores, mostra que o comércio na região aumentou com o aumento da concentração entre os quatro maiores da região – Brasil, Argentina, Chile e Venezuela.
Em 1990, as vendas para estes três países representavam 51,5% da exportação brasileira para a região.
No ano passado, a participação de Argentina, Chile e Venezuela nas exportações brasileiras passou para 73,8%.
"Isso mostra não uma integração maior entre todos os países, mas uma concentração do comércio entre os grandes", diz Hue, para quem isso é sinal da falta de complementaridade entre os países da região de um modo geral.
O economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV do Rio de Janeiro, acha que esta situação não vai mudar e que a assimetria pode até aumentar.
"Ela reflete basicamente a diferença de estrutura econômica do Brasil em relação à maioria dos países da região", afirma.
Ele diz que o atual momento, com o real valorizado, seria o ideal para aumentar as importações dos países da região, que também entram no Brasil com tarifas baixas.
"Se com essas condições não for possível mudar o perfil das importações brasileiras na região, eu acho difícil que isso aconteça depois", afirmou.
Para Carlos Langoni "é bom lembrar que a economia brasileira é liderada pelo setor privado (…). E o setor privado compra de onde for mais barato, onde for mais eficiente, onde tiver mais controle tecnológico".
O cientista político Amaury de Souza, sócio das consultorias MCM Consultores Associados e Techne Informática e Recursos Humanos, também acha que o limite está justamente na diferença de tamanho e diversidade dessas economias.
"Nós produzimos de tudo. E temos que ver o que eles têm a nos oferecer", diz ele.
Um maior equilíbrio, afirma, pode vir no futuro, quando as empresas brasileiras que estão se estabelecendo no exterior aumentarem a integração produtiva e o comércio intrafirmas, exportando para o Brasil a partir dos países vizinhos.
Busca de equilíbrio
Em diferentes países há o reconhecimento de que o Brasil não pode ser completamente responsabilizado pela situação e que muitos países precisam sofisticar a sua oferta para entrar no mercado brasileiro.
"Do ponto de vista da Venezuela essa relação está sendo menos aproveitada (do que pelo Brasil)", diz Nelson Quijadas, presidente da Câmara de Comércio Venezuela-Brasil.
"Nós deveríamos aproveitar a possibilidade de transferência de tecnologia do Brasil para cá."
O governo brasileiro reconhece que o desequilíbrio comercial é um problema para a integração regional e diz estar tentando tomar medidas para mudar o rumo.
"Há um esforço brasileiro para buscar o equilíbrio, mas o comércio não é um jogo de soma zero", afirma o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral.
Ele diz que foram criadas comissões para monitorar o comércio e discutir a eliminação de barreiras que dificultam as importações dos vizinhos.
"A maior parte dos setores ainda tem um enorme potencial de substituição de importações competitivas e de integração da cadeia", diz o secretário.
*Com reportagem de Andrea Wellbaum (Argentina e Uruguai), Denize Bacoccina (Brasília) e Márcia Freitas (Peru)
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