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Cidades/Geral
Segunda - 10 de Março de 2008 às 09:08
Por: Eduardo Mahon

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Em tempos de espetáculos processuais ao sabor das ansiedades da mídia, o Desembargador Díocles de Figueiredo deu uma lição relevante para a sociedade mato-grossense. Estendeu os efeitos da concessão da ordem de habeas corpus no TJMT para outros acusados de tráfico na denominada Operação Overlord, gerando questões na opinião pública, dada a pressão das autoridades para a manutenção da segregação daqueles cidadãos. O presidente da 3ª Turma do TJ numa nota muito breve explicou suas razões e sepultou em definitivo a impressão de que o Judiciário rege-se pela batuta de pressões externas.

Deveras, o julgador quando alça os planaltos dos tribunais não pode ficar refém da opinião pública típica das planícies intelectuais. Deve ostentar tão-somente a visão essencialmente constitucional e mirar a legalidade antes da repercussão de sua decisão. Ainda que o julgado gere polêmica e atinja valores que, para o senso-comum, ferem a segurança pública, o magistrado não pode esperar platéia para suas decisões. Já cansamos da toga banhada na luz e os tribunais têm rechaçado esse procedimento circense.

Recentemente, o Ministro do STF, Celso de Mello, garantiu a Fernandinho Beira-Mar o direito de ser interrogado pessoalmente diante de um juiz de direito e não à distância. Trata-se de um dos maiores criminosos da atualidade. E daí? O direito precisa ser observado para todos, sobretudo para os que a opinião pública já condenou.

A sociedade exige das autoridades policiais a resolução quase instantânea de crimes, da promotoria que oficie com presteza e do Judiciário que decida com a mesma brevidade, formando assim uma tríade contra a impunidade. Todavia, a segurança jurídica precisa ser respeitada, ainda que a demanda pela celeridade seja reclamada com contundência pelos veículos de comunicação.

Ora, se a sociedade não pode esperar, o acusado de um crime também não! Num mundo onde a tecnologia efetiva o encurtamento das distâncias e o achatamento do tempo, um investigado estar preso mais do que 81 dias é um completo descalabro. Estudando o problema da burocracia judiciária, das alternativas de defesa, do amparo tecnológico contemporâneo, nossa conclusão é que cumprindo o Código de Processo Penal o cidadão será respeitado e a sociedade terá garantida a segurança.

O delegado deve relatar o inquérito em menos de 10 dias, o promotor deve denunciar em menos de 5 dias, o juiz deve interrogar em menos de 8 dias, a defesa deve apresentar seus argumentos em menos de 3 dias, todas as testemunhas devem ser ouvidas em menos 20 dias para cada parte e o juiz deve apresentar a sua sentença em menos de 20 dias! Se a lentidão for imputada à defesa, pior para o acusado que embarcou uma canoa furada com estratégias complexas que mantém na prisão alguém que já poderia ter sido julgado. Todavia, não é isso que ocorre na esmagadora maioria das vezes.

O problema do tempo está intrinsecamente ligado às carências do aparato estatal, deixando à míngua a estrutura judiciária, ministerial e investigativa. O cidadão encarcerado nada tem a ver com isso e deve ser sempre colocado em liberdade, caso haja excesso de prazo de dias, de horas, de meses.

É muito cinismo ouvir expressões como “excesso de prazo razoável”. Essa locução pertence àqueles que enxergam o processo penal como o “problema do outro” e não o inerente às liberdades civis. Excesso de uma hora, de um dia, de uma semana é odioso, e tão inaceitável para uma família de classe alta como para uma família pobre, sem recursos para reclamar seus direitos diante de tribunais superiores. Ademais, o Supremo Tribunal Federal já decidiu tantas vezes que não é a gravidade do crime que leva o cidadão acusado à cadeira ou nela é mantido. Noutras palavras – as suscetibilidades de ordem emocional não podem compor o quadro decisório na mente do julgador. A prisão provisória de um cidadão é um problema de toda a sociedade e não apenas da defesa do acusado. Por isso mesmo, segue o reconhecimento pela decisão do Desembargador Díocles de Figueiredo, servindo de inspiração aos demais pares do TJMT.

Eduardo Mahon é advogado em MT e Brasília.





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