A lógica do esquema
Na verdade, já deveria ter abandonado o paladar amargo desse tipo de curiosidade mórbida, porque os estudos nunca foram focos do sucesso profissional brasileiro e sim um maneirismo criminoso que, por estas bandas, se chama de “jeitinho”. Portanto, ao empresário de grande porte ou, pior, ao cidadão comum é impossível crescer sem esposas com a corrupção, mesmo evitando-se andar de braços dados com corruptos. Para uma mentalidade dessa natureza, importa os fins, sejam lá quais forem os meios – trata-se apenas de um recurso, um degrau, uma mera inconveniência transitória.
Nossa formação brasileira é bastante equivocada, assumindo os pais ricos os destinos da prole que faz dos estudos apenas um passa-tempo, uma diversão a tornar a vida com algum sentido. Dão casa, comida e roupa lavada até o dia do casório, na certa com outra cria da nobreza ilustrada, onde uma profissão registrada de advogado, administrador, médico ou engenheiro, é meramente uma desculpa para não se confessar inapto para a carga de trabalho duro exigida pelo quotidiano. É que dificilmente o filhinho-de-papai vai fazer uso adequado daquilo que deveria ter aprendido nas faculdades e que, por um cacoete patético, até lá aprendeu a fraudar. A riqueza, o estudo, o diploma – tudo é uma fraude. Então, o diploma é mais um artigo que foi comprado por um preço barato.
Naturalmente, esse indivíduo enxerga em tudo a sua própria fraude e o bebê nascido no berço de ouro que gosta de fazer a manha costumeira, choramingando falta de oportunidades, é sustentado pelas empresas paternas até assumir o comando da mamata. O fato é que falta não só lustro, mas brilho próprio para essa criança que cresceu, estourou a adolescência com algumas drogas e muito álcool nos cordões de carnaval ou nos clubes privados de bacanas, praticou pequenos crimes e os rachas habituais, ou ainda violências contra mulheres, encheu a cara de bolachas em brigas homéricas achando tudo muito divertido e, já na aurora da maturidade, quer se redimir aparecendo como empreendedor nas colunas sociais. Aí estão as figuras do playboy reformado ou da dondoca redimida, agora pai e mãe exemplares, abandonando ambos o passado dissoluto. Não convence ninguém, todavia. O passado sempre cobra dívidas.
Daí é um passo para se concluir que aquele coleguinha mais apático, chamado com justa razão de “CDF”, o sujeito que enxergava no estudo a única possibilidade de redenção de si e de sua própria família, ser considerado “esquemado” para ter tudo o que tem. Num país como o Brasil, repleto de pequenas e grandes negociatas de senhores altamente recomendados, figurões da sociedade que no passado roubaram, mataram e fraudaram os cofres públicos, estudo é para quem quer também um cargo público que vise a estabilidade e não para quem almeje a própria riqueza. Por que, para aquele acostumado com o “esquema”, nada é viável sem um pequeno acerto daqui ou um ajuste de contas, acolá.
É certa a distorção de uma criação educacional moldada para a mediocridade nos rendimentos escolares – questiona-se o professor, a escola, o sistema de avaliação, o vestibular – enquanto despontam exemplos de riquezas consideráveis originadas da simulação, fraudes, corrupções e outras amostras do fatídico jeitinho tupiniquim. Postos lado a lado, o esforço individual pela honestidade por meio da aplicação nos estudos e a facilidade quase gratuita do patrimônio surrupiado e de uma boa estampa social, provavelmente o jovem seja tentado a adotar uma das vias heterodoxas. Para que tanto esforço?
De forma que não pode haver empresário honesto e bem-sucedido que, no passado, não tenha sido ladrão, ou advogado afamado com banca substancial sem o esquema tradicional de negociação de sentenças e, finalmente, qualquer outro profissional que empreendeu e deu certo, sem um rastro de crime atrás de si. Esse raciocínio canhestro não pode ser de todo condenado, justamente pela formação nacional, mescla a um só tempo, dor-de-cotovelo e corrupção. De um lado, o fel maledicente a minar capacidades profissionais que, sozinhas, podem sobressair-se e, de outro, o defeito de caráter já viciado do enriquecimento ilícito e sem culpa.
Enfim, feitas tais considerações, passando em revista pela extensa ficha corrida do empreendedor-herdeiro, não se espante o leitor ao perceber dilapidado todo o patrimônio amealhado ao longo dos anos, pelo despreparo absurdo dos filhotes paralíticos acostumados com o leite no pires. A fortuna muda de mãos com uma velocidade estonteante a mingua da estruturação sólida da personalidade e da educação que foi tratada, até então, como mais um artigo de luxo, num supermercado de produtos e pessoas, prontas para serem compradas ou vendidas. Há coisas melhores a herdar do que a perversão de crer ser a educação mais uma mercadoria e a profissão, um passatempo.
Eduardo Mahon é advogado em MT e Brasília.
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