A credibilidade do Judiciário
A resposta é muito simples. Ocorre que o magistrado que se deixa envolver pela questão suscitada geralmente compromete a sua imparcialidade para dar mensagens de cunho subjetivo nas decisões proferidas. E, então, extravasam uma série de conceitos e preconceitos pelos quais vitima o acusado que nada tem com as impressões pessoais do julgador. As entrelinhas são claras – “não estamos aqui para fazer papel de bobos, vocês advogados e acusados, precisam nos respeitar”. Em apertada síntese, é esse o conteúdo dos despachos responsáveis por levar à cadeia cada vez mais gente, ou seja, infligir medo, impor respeito, patrocinar um temor reverencial pela toga. Equívoco puro.
Felizmente, essas prisões não prevalecem e rapidamente são debeladas por instâncias superiores. É que a credibilidade do Judiciário nada tem a ver com segregação. Prisão, portanto, não torna ninguém mais ou menos crível. Evidente estarem toda a sociedade voltada para a mídia, uma mídia cada vez mais competente, esclarecida e ágil. Talvez por isso mesmo, jamais um processo foi alvo de tamanho interesse da população que vê na liberdade de acusados um sintoma de descrédito, de morosidade, de leniência e de injustiça. Não por outra razão, é que os jornais passaram a ser explorados estrategicamente pela acusação e por alguns juízes a legitimarem ações e decisões.
Está redondamente errado o raciocínio da garantia da credibilidade, entretanto. Não é antecipando uma condenação, lançando despachos abruptos, decidindo com o fígado, na base das emoções tórridas que atormentam o julgador que este fará de sua instituição algo mais confiável, seguro e ágil. Comunicação com as partes, conciliação expedita, mandados eficazes, acesso facilitado – isso sim torna um poder mais forte.
As justificativas das prisões são as mais inverossímeis. Vejamos: o acusado, por ter à disposição, meios financeiros invejáveis pode lançar mão de fuga ou de outros subterfúgios (trata-se de uma ponta de frustração); o acusado, por meio de seus advogados, promovendo uma balbúrdia processual, recorrem seguidamente contra as decisões (trata-se de ignorância: os recursos são previstos em lei, a demora no julgamento, não); o acusado foi denunciado por um crime brutal e que tenha causado enorme repercussão, estando a sociedade a clamar rápida resposta jurisdicional (trata-se de forma sofisticada de vingança de uma ultrapassada inquisição: se o crime causou distúrbio ou foi de grandes proporções, o aparelho preventivo estatal não funcionou).
E, finalmente, prende-se para assegurar a garantia da credibilidade, hipótese inexistente na lei processual, mas que virou moda nos decretos prisionais da atualidade. Afinal, “ninguém aqui é palhaço”, pensam os juízes vingadores. Misturam-se, nesse exato momento doses cavalares de frustração pelos rendimentos mensais, pelo montante acumulado nos delitos investigados, pela situação social de desigualdade, pelo péssimo sistema de fiscalização do dinheiro público, pela larga escala de impunidade, pelo sistema representativo viciado, enfim, juntam-se ao turbilhão conceitual do julgador enorme quantidade de conceitos que, juridicamente, não justificam uma prisão.
O STJ tem um slogan bem acertado: o tribunal da cidadania . O Tribunal de Justiça de Mato Grosso ostenta a máxima: importante para a cidadania, importante para você . Se o Judiciário puser em prática tais conceitos, salvaguardando direitos, ganhará e conservará a sua credibilidade. Basta isso e não mais prisões que superlotam cadeias.
Noutras palavras, a credibilidade do Judiciário não está em jogo. O que está é a incompetência, a lentidão processual, os erros consecutivos, os desencontros jurídicos, o sucateamento tecnológico etc. Se a credibilidade policial está na prisão, se a credibilidade ministerial, na acusação hígida, e a credibilidade do advogado, na competência , definitivamente credibilidade judiciária se ganha ao garantir direitos e não ao sonegá-los para agradar ao público. Ser modelo de honestidade, vivendo no padrão de vida consentâneo aos rendimentos auferidos, julgando consoante a causa, as provas encartadas no processo e não confundindo o juiz com o justiceiro na caça às bruxas que freqüentemente ocorre. E quando passar um juiz pela rua, ouvir: “aí vai um juiz, pessoa honesta, séria, direita”. Aí sim estamos diante da verdadeira credibilidade.
Eduardo Mahon é advogado em MT e Brasília.
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