A presidente da República não incorre em ato de omissão por deixar de avocar processo administrativo depois que três instâncias governamentais decidiram da mesma forma sobre o objeto em discussão no processo. Mesmo que a chefe do Executivo tenha sido provocada por um pedido de avocação extraordinária, ainda assim não pode ser considerada omissa mesmo que sequer responda ao pedido.
É a conclusão da Procuradoria-Geral da República sobre o Mandado de Segurança impetrado no Supremo Tribunal Federal pelo Instituto de Advocacia Racial (Iara) contra pareceres do Ministério da Educação (MEC), orgãos da área e a própria presidente da República. O Iara questiona decisões dos órgãos governamentais que recomendaram a manutenção do livro As Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, como obra de leitura obrigatória em escolas públicas. A entidade entende que a obra escrita por Monteiro Lobato tem “elementos racistas”. Já a presidente, por não avocar — isto é, trazer ao seu juízo o processo administrativo que questionava a decisão do MEC e dos demais órgãos —, foi acusada pelo instituto de ato omissivo.
O parecer assinado pela vice-procuradora-Geral da República, Deborah Duprat, recomenda o não conhecimento do Mandado de Segurança, que tem por objetivo a anulação do ato homologatório da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE). O CNE decidiu por manter a adoção da obra de Monteiro Lobato nas escolas, depois de cassar seu primeiro posicionamento, favorável à exclusão do livro publicado em 1933, ou então que a obra trouxesse uma nota explicativa sobre a “presença de estereótipos raciais na literatura”.
Depois da segunda decisão do CEB pela adoção da obra, o técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto, da Universidade de Brasília (UnB), entrou com recurso administrativo junto ao Plenário do CNE, que confirmou o parecer anterior. Indeferido o pleito, o impetrante foi ao Ministério da Educação, que também homologou o parecer que indeferiu o recurso. Por fim, foi pedido à presidente da República que avocasse o processo para fins de efeito suspensivo do parecer do CNE, o que sequer teve resposta.
A vice-procuradora afirma que nem mesmo as preliminares para o conhecimento da ação pelo STF podem ser acolhidas, mas que se a corte suprema vier a conhecer o processo, então que o tribunal decida pelo indefermento do pedido liminar. Duprat observa que não foi justificada a urgência da pretensão cautelar e da plausabilidade jurídica do pedido.
“Para ensejar a impetração de Mandado de Segurança, deve estar patente na avocação a manifesta ilegalidade ou o abuso de poder da omissão, o que não ocorre no presente caso”, afirma o parecer da vice-procuradora, publicado no dia 16 de maio.
Ainda de acordo com a PGR, além da ausência de direito líquido, é compreensível o desinteresse de agir da chefe do Executivo dada a “inadequação da via eleita” pelos impetrantes. Dessa forma, excluída a tese da omissão da presidente, o Supremo perderia a competência originária sobre a ação, indica o parecer.
Em relação ao mérito, a Procuradoria-Geral da República observa que a “avocação” de um processo é uma medida excepcional, que “não deve ser usada em profusão”, já que “excepciona as regras normais de competência administrativa”. De acordo com o parecer, mesmo que se verificasse a legimidade da avocação pela presidente, ainda assim esta deveria, “com maior cautela”, se dar por meio de imposição judicial, mas não por liminar.
“No presente caso, o fato de a questão de fundo ter sido analisada e decidida no mesmo sentido por três instâncias administrativas é elemento suficiente para afastar a plausabilidade jurídica do pedido, vez que atendido o disposto no art. 57 da Lei 9.784/1999”, diz o parecer do PGR. “De mais a mais , ressalte-se que a preocupação externada pela impetração em relação à educação e conscientização, no âmbito da educação básica, acerca das questões étnico-raciais, parece ser também compartilhada pelo Conselho Nacional da Educação, que fez constar no Parecer 6/2011 [...]”, conclui.
A vice-procuradora observa também que o simples fato de os requerentes discordarem das políticas públicas eleitas pela Administração referentes à educação básica “não constitui direito subjetivo apto a ser discutido na via mandamental.”
Em novembro de 2012, o relator do Mandado de Segurança, ministro Luiz Fux, chegou a convocar audiência com finalidade de estabelecer uma conciliação entre representantes do Ministério da Educação e do Instituto de Advocacia Racial. Depois de quase três horas de debate, não houve acordo.
MS 30.952
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