Inversão do ônus da prova é prerrogativa do consumidor
Provas unilaterais não têm o condão de substanciar a responsabilidade do consumidor frente às irregularidades apontadas pela empresa. Além disso, a inversão do ônus da prova constitui-se em prerrogativa legal das relações de consumo, estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com base nesse entendimento, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por unanimidade, deu provimento parcial ao recurso interposto por uma madeireira e julgou improcedente a ação movida pelas Centrais Elétricas Mato-grossenses S/A - Cemat (recurso de apelação cível nº. 82704/2007), que apontou irregularidades em um medido de energia elétrica.
Em síntese, a madeireira alegou cerceamento de defesa (pela acusação de furto de energia elétrica) porque a perícia realizada para constatar a fraude no medidor de energia ocorreu unilateralmente e na sede da Cemat. A decisão em Segunda Instância determinou a inversão do ônus da prova para que a distribuidora de energia elétrica comprove a acusação feita à madeireira.
Segundo o relator do recurso, juiz substituto de 2º grau Carlos Alberto Alves da Rocha, em relação à inversão do ônus da prova, a vulnerabilidade do consumidor é latente aos moldes do artigo 6º, inciso VIII do CDC. Esse artigo dispõe que ‘a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência’.
Em relação à perícia produzida para constatar a irregularidade do medidor de energia elétrica eletro-mecânica, o magistrado afirmou que não resta dúvidas de que ela não pode ser considerada, para cumprir o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. “Vários são os enfoques que levam a imprestabilidade do laudo para este caso específico. Primeiramente, de modo unilateral, a empresa constatou a possibilidade da ocorrência de furto de energia e ao seu modo procedeu ao que entende ser procedimento correto. Ora se há furto, a questão é policial, competindo à autoridade da Polícia proceder a apuração, inclusive com a prisão em flagrante, se for o caso”, ressaltou.
O juiz Carlos Rocha frisou ainda que o medidor do imóvel foi retirado coercitivamente, sem resguardar o mínimo direito do consumidor. “A perícia, apesar de ser efetuada por peritos da Coordenadoria de Perícias e Identificação de Sinop, foi realizada no próprio Laboratório de Medição da apelada. Todos esses fatos ressaltam ainda mais o desequilíbrio da relação entre fornecedor e consumidor. Dessa forma, não há como apreciar uma prova que não primou pelo contraditório e ampla defesa, vedando a participação do apelante na aludida perícia”, acrescentou.
Ele explicou ainda que não existe sustentação jurídica para a emissão de fatura referente aos valores retroativos ao período das irregularidades. Segundo o magistrado, não seria plausível a Cemat cobrar valores estabelecidos por ela, de forma unilateral, ainda mais quando não foi comprovado que a madeireira praticou a irregularidade, numa suposta ação fraudulenta.
“Se o medidor estava ou não violado, não seria plausível a empresa apelada cobrar pelo que deixou de arrecadar, ainda mais se baseando em laudos unilaterais de cunho administrativo interno, cabendo ao caso, se argüir quanto os riscos de sua própria atividade empresarial, e muito menos seria cabível a interrupção dos serviços prestados, qualificados como essenciais”, afirmou.
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