Só cadastrar os pedófilos não resolve o problema, diz psiquiatra
Há 13 anos, Danilo Baltieri trata e ensina a respeito da pedofilia. Professor da Faculdade de Medicina do ABC e pesquisador sobre abuso de álcool e drogas do Instituto de Psiquiatria do HC, o médico diz que a recém anunciada criação de um cadastro de pedófilos pela Polícia Civil paulista é uma "medida interessante", mas não resolve o problema.
"Pedofilia deve ser tratada, e aos portadores deve ser ofertado tratamento adequado."
Segundo ele, para cada nove homens pedófilos, há uma mulher. E há vários graus da doença: daquele que só fantasia com crianças até aos que chegam às vias de fato, causando até a morte da vítima.
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Folha - Como o sr. vê a criação de um cadastro de pedófilos pela Polícia Civil de SP?
Danilo Baltieri - É interessante do ponto de vista investigativo. No entanto, o termo pedofilia se refere a uma doença. Assim, é possível que este cadastro englobe também pessoas que não padecem desse transtorno.
Só de 20% a 40% dos que cometem crime sexual contra crianças padecem de fato de pedofilia. Os demais podem ter outros problemas médicos. Uma diferenciação especializada dessas pessoas contribuiria na abordagem de cada tipo de agressor.
O que são os outros 60%?
Eles podem ter outros problemas, como abuso e dependência de álcool e outras drogas, transtornos de impulsividade e/ou humor etc.
Existe algo parecido [ao cadastro] em outros países?
Sim. Legisladores norte-americanos tentam, através de estratégias jurídicas (muitas, carentes de efetividade) promover a redução da reincidência entre condenados por agressões sexuais.
Em alguns Estados essas pessoas são obrigadas a informar seus dados na comunidade onde vivem e [se submeterem] ao monitoramento através de um sistema de GPS, além de restrições de acesso à internet, entre muitas outras.
SP tem uma delegacia específica. Mas, como pedofilia é doença, não deveria ser uma delegacia multidisciplinar?
A pedofilia deve ser tratada. Deve ser ofertado o tratamento adequado, como um direito humano básico.
A parceria entre as ciências jurídica, política e médica deveriam ocorrer de forma ampla, saudável e amistosa.
* A "delegacia antipedofilia" diz que o cadastro não será divulgado à sociedade. Em tempos de hackers, não acha que existe uma chance grande desse cadastro "vazar"?*
Não sei responder. Se houvesse "vazamento, seria muito nocivo e pernicioso.
Na sua opinião, quais seriam os principais riscos caso esse cadastro vazasse?
Em locais onde o registro é público, há o risco de vida ao agressor. Dado o caráter hediondo do crime sexual, a população poderia tentar fazer "justiça" pelas próprias mãos.
Existe cura?
Não podemos falar em cura no momento. No entanto, podemos falar em tratamento e controle dos sintomas.
O uso de hormônios --castração química, nome que o sr. não aprova-- é a forma mais eficaz de tratamento ou há outros medicamentos em estudo?
Existem diretrizes médicas internacionais que justificam o uso de diferentes tipos de abordagens para diferentes tipos de portadores da doença.
Assim, não é verdade que as medicações hormonais são a forma mais eficaz de tratamento. São uma das formas, reservadas para aqueles que não respondem a outras formas de abordagem médica e psicossocial.
É possível estabelecer um "grau de pedofilia"? Qual a relação/porcentagem entre homens ou mulheres pedófilos?
Há diferentes níveis de gravidade. Existem os portadores que apenas fantasiam sexualmente com crianças, mas nunca atuam.
Do lado oposto, existem aqueles que atuam recorrentemente contra crianças, com diferentes padrões de comportamento e agressividade.
A proporção é de nove homens para cada mulher.
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