Reeducandos fazem cadeiras de rodas em Sorriso
Em poucos minutos, a madeira começa a ganhar forma diferenciada nas mãos de Claudinei Macena da Silva. Ele prepara uma série de objetos - como enfeites e porta-jóias - que são regularmente vendidos por seus familiares. Além do benefício financeiro que contribui para o sustento de sua família, o reeducando aprendeu uma grande lição no Centro de Ressocialização de Sorriso (localizado a 420 quilômetros ao Norte de Cuiabá). "Hoje me sinto muito satisfeito por poder reparar os erros cometidos no passado. Me sinto muito orgulhoso em fazer esse trabalho", revelou o reeducando.
Além do trabalho na oficina de artesanato, Claudinei é um dos 33 reeducandos da Comarca de Sorriso que hoje atuam no projeto "Liberdade sobre Rodas", uma iniciativa desenvolvida no município por meio da parceria entre Poder Judiciário, Prefeitura Municipal e Conselho da Comunidade. Pelas mãos dos detentos, velhas bicicletas doadas pela Delegacia Regional da Polícia se transformam em cadeiras de rodas, macas e cadeiras fisiológicas, que são doadas a instituições e pessoas necessitadas. "Posso assegurar que o resgate da dignidade da pessoa humana é possível por meio do trabalho", afirmou a juíza Débora Roberta Pain Caldas, titular da 5ª Vara da Comarca local (Vara Criminal) e corregedora do Centro de Ressocialização de Sorriso.
Para ela, uma das melhores formas de promover esse resgate é oferecer oportunidade de trabalho aos reeducandos. "Aqui em Sorriso busca-se não só a função de reprimenda, mas principalmente a função ressocializadora da pena, para que quando o detento volte à sociedade ele esteja melhor. Aqui no Brasil não há prisão perpétua, então é preciso ressocializar o reeducando porque uma hora ele vai voltar ao convívio em sociedade. Pela experiência que temos aqui, posso afirmar que o trabalho social funciona enquanto resgate da dignidade", destacou a magistrada. Além da ocupação diária, o reeducando que trabalha nos projetos oferecidos no Centro tem direito à diminuição de pena, ou seja, a cada três dias trabalhados é descontado um dia na pena a ser cumprida.
No caso do projeto "Liberdade sobre Rodas", que teve início em setembro do ano passado, a escolha dos participantes é feita com base, principalmente, no comportamento apresentado pelo reeducando. De acordo com o diretor do Centro, Adomires Soares Sampaio, é nítida a mudança no comportamento deles depois que começaram a trabalhar. "Diminuiu o número de brigas entre eles. As condições ficaram mais favoráveis, tanto é que estamos há mais de dois anos sem motim aqui e vários outros reeducandos têm interesse em participar do projeto", assinalou o diretor do Centro, onde estão abrigados cerca de 110 pessoas.
O jovem Vanderlei dos Santos Matias é um dos reeducandos que se sente gratificado em participar das atividades oferecidas no Centro de Ressocialização. "Poder trabalhar foi a melhor coisa que aconteceu aqui para mim. Essa oficina é um motivo a mais para crescer e me recuperar. Só tenho a agradecer a oportunidade. O ‘Liberdade sobre Rodas’ é outra coisa muito boa, porque a gente pode ajudar as pessoas humildes, que não têm dinheiro para comprar. Fico gratificado em poder colaborar", disse o reeducando.
A meta do projeto é que sejam produzidas 10 cadeiras de rodas por mês. Já foram feitas aproximadamente 50 peças. De acordo com a assistente social Lucinei Baretta, presidente do Conselho da Comunidade local, o projeto produz resultado bastante positivo. "Os reeducandos estão aprendendo uma nova profissão e não estão na ociosidade. Notamos que eles estão muito interessados em participar do projeto", contou a presidente. "Além de ter a função ressocializadora, a oficina reduz a quantidade de entulho que seria jogada no meio ambiente", acrescentou a juíza Débora Caldas.
Uma das primeiras instituições a ser beneficiada com os produtos feitos pelos reeducados em Sorriso foi a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), que recebeu uma cadeira de rodas, uma maca e uma cadeira fisiológica. De acordo com a diretora da Associação, Cibele Medeiros, a iniciativa desenvolvida pelos reeducandos veio a somar com as necessidades da instituição. "É um projeto importante porque demonstra que eles estão se preocupando com quem tem limitações. A doação veio para valorizar nossa instituição, de acordo com nossas necessidades, e para ampliar o conforto de nossos alunos". No local são atendidas 118 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos.
Educação
Ainda segundo a juíza Débora Caldas, o Poder Judiciário local tem também a preocupação de propiciar oportunidade de estudo aos reeducandos. E dezembro de 2007, 42 detentos tiveram a chance de fazer o provão do supletivo (Ensino Fundamental e Médio). Além disso, uma universidade local vai permitir que já em 2008 um reeducando se matricule, gratuitamente, na faculdade de Direito. "O sonho da maior parte deles é fazer faculdade de Direito", contou a magistrada. No Centro de Ressocialização foi criada uma biblioteca, que possui mais de mil publicações, para que os detentos tenham oportunidade de leitura diária.
Recuperação
Para os reeducandos que gostam de cultivar a terra, existe ainda a opção de trabalhar na horta, cultivada em frente ao Centro, obter direito à remição de pena e, ainda, têm direito aos lucros obtidos com a venda dos produtos. Já os detentos com problemas relacionados ao uso de drogas participam, diariamente, do projeto de desintoxicação realizado em parceria com uma clínica local. "Enquanto cumprem a pena, eles têm a chance de passar pelo processo de desintoxicação para saírem daqui, como eles mesmos dizem, ‘limpos’. As reuniões ocorrem todos os dias".
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