Capital privado força entrada em saneamento básico
Com um convite para a festa mas sem conseguir entrar, a iniciativa privada busca ansiosamente espaço no setor de saneamento básico, mercado que tem o tamanho do Brasil e que ganhou novo marco regulatório este ano, trazendo a estabilidade jurídica cobrada pelos investidores.
Serviço essencial em que o país apresenta os mais pobres indicadores de desenvolvimento, o saneamento básico é dominado por companhias estaduais e autarquias ou departamentos municipais. A iniciativa privada detém modestíssimos 4 por cento da receita anual de 23 bilhões de reais do setor, mostram dados compilados pela Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Essa fatia pode chegar a 30 por cento em cinco anos, na avaliação do vice-presidente da Abdib, Newton Azevedo, mas o capital privado ainda não tem uma equação que assegure o equilíbrio econômico do negócio sem a prática do subsídio. E, muitas vezes, isso é um impeditivo.
Segundo Azevedo, a abertura para o capital privado é um "processo facilmente ideologizado". Os municípios, que têm o poder de concessão sobre o saneamento, resistem --em consonância com o sentimento que prevalece entre os eleitores-- a eventual aumento do preço do serviço: mesmo que os recursos sejam destinados à expansão da rede de coleta e tratamento de esgoto, o mais pesado investimento para uma empresa do setor.
Em todo o Brasil, apenas 10 por cento do esgoto é tratado, segundo a Abdib. No Estado de São Paulo, o mais rico do país, a taxa é de 35 por cento. Na área da Sabesp, que engloba 367 dos 645 municípios paulistas, o tratamento alcança 63 por cento da população. A meta é atingir 82 por cento em 2010, segundo o presidente da empresa, Gesner Oliveira.
As estaduais foram criadas a partir da Política Nacional de Saneamento (Planasa), da década de 1970, com a meta de atender a 50 por cento da população com coleta e tratamento de esgoto já nos dez anos seguintes. É grande até hoje o poder de fogo das 24 empresas estaduais, com contratos de concessão que se estendem por até 30 anos. Acre, Amazonas e Mato Grosso não têm companhias estaduais.
A Sabesp, por exemplo, tem a expectativa de conseguir renovar com os municípios as 273 concessões que vencem até 2010. Com a nova lei, a empresa admite novas formas societárias, incluindo investimentos compartilhados, informou Gesner, sem dar detalhes.
"Nos próximos dez anos a cadeia de saneamento vai mudar de maneira muito mais rápida que na última década", disse recentemente. A disputa pelo mercado paulista é forte, o que provoca reações.
Para o vice-presidente da Abdib, sócio de uma empresa privada em busca de oportunidades no setor, a Sabesp está fazendo renovações de forma pouco sustentável. "Os privados têm custo de operação mais barato e se pautam pelo conceito de sustentabilidade. O que pode não ser rentável para Sabesp, para um privado pode ser", disse. "Não podemos confundir estratégia política com empresarial."
O presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Paulo Ruy Valim Carnelli, que também preside a companhia do Espírito Santo (Cesan), reconhece que apenas 700 dos 3.400 municípios atendidos pelas estaduais têm viabilidade econômica.
"É um modelo que defendo: o da empresa regional que abrange grande número de municípios e que possa fazer uso do subsídio cruzado e atender bem", afirmou à Reuters. Esse modelo não se restringe a estatais. "Particularmente, eu sou favorável à maior participação do capital privado no saneamento."
Mas ele mesmo salientou que será preciso tempo para mudar mentalidades. Carnelli acredita que 2008, Ano Internacional do Saneamento fixado pela ONU, ainda será de colocar a casa em ordem.
"Já conversei com empresários que têm esse desejo de investir, mas como convencer Câmara por Câmara a fazer a licitação? O desenho para que o capital privado tenha participação crescente não está dado. Cada investidor terá que fazer convencimento de cada prefeito, de cada Câmara", disse.
MUITOS BILHÕES
A campanha está em campo. Por meio de associações e até uma organização não-governamental, a iniciativa privada tem martelado sobre a necessidade de investimentos de muitos bilhões para resgatar o Brasil para uma colocação mais honrosa na coleta e tratamento de esgoto. Segundo a ONG Instituto Trata Brasil, o investimento atual em saneamento equivale a 0,22 por cento do PIB e seria preciso chegar a 0,63 por cento.
A Abdib argumenta que são necessários 10 bilhões de reais por ano para a universalização dos serviços de saneamento até 2020, e que o governo só tem como dispor de 3 a 4 bilhões de reais anualmente, o que seria um chamamento à participação da iniciativa privada.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê, no entanto, 40 bilhões de reais para o período 2007-2010: metade por meio de financiamentos com recursos do FAT e FGTS, por exemplo; 12 bilhões de reais do Orçamento da União, portanto, a fundo perdido; e 8 bilhões de reais como contrapartida de Estados e municípios.
Quando o Brasil alcançar a chamada "universalização" ou 85 por cento da população atendida com coleta e tratamento de esgoto, o setor de saneamento terá receita de 30 bilhões de reais ao ano, na projeção da Abdib. Um mercado atraente para investidores nacionais e estrangeiros.
O advogado Renato Poltronieri, especialista da área de Direito Administrativo e Regulatório do escritório Demarest e Almeida Advogados, tem participado de possíveis projetos de concessão e recebido consultas de clientes interessados nessas licitações. Ele aponta que, em todos os casos, a grande barreira é econômica: equacionar a necessidade do município e o aporte de capital necessário.
"O grande gargalo está nos municípios que não têm capacidade de contribuição própria. A solução seria um programa de ordem federal para municípios que não têm sustentação", sugeriu.
Apesar da sanção da lei 11.445, em janeiro, o mercado não se movimentou muito, na avaliação de Poltronieri, que cobra ação do poder público. Este ano, ele prestou consultas a dois municípios paulistas, em que autarquias municipais são responsáveis pelo saneamento, e que planejam fazer licitações. Ambos projetos são viáveis economicamente.
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