Pobres pagam cinco vezes mais caro por remédio
O governo paulista e o gaúcho gastarão até o final deste ano praticamente o mesmo valor de R$ 5,5 milhões para comprar o micofenolato mofetil para seus pacientes, mas São Paulo atenderá 2.603 transplantados. O Rio Grande do Sul, apenas 1.850.
Essas diferenças foram constatadas por um levantamento feito pelo Estado nas Secretarias Estaduais de Saúde. Das 27 secretarias, 14 informaram quanto pagam aos fabricantes ou aos distribuidores (AC, TO, CE, RN, PI, SE, BA, MT, MG, SP, ES, PR, SC e RS). As diferenças variam de 23,5% a 414%.
A atorvastatina cálcica, indicada para o tratamento do colesterol, custa R$ 5,49 para o Acre e R$ 3,05 para Mato Grosso. O mesmo comprimido de 10 mg cai para R$ 2,54 quando o comprador é a Bahia e para R$ 2,47 quando é São Paulo.
Há vários motivos para a brutal diferença. Paga menos quem compra diretamente dos fabricantes, e não por intermédio de distribuidores. O preço também cai quando a compra é feita por pregões online (leilões em que o valor dos lances, em vez de aumentar, diminui). “É mais fácil quando você não entra em negociação pessoal com cada um dos vendedores”, diz o secretário de Saúde do Paraná, Gilberto Martin.
O motivo mais forte, concordam as Secretarias de Saúde e as indústrias farmacêuticas, é a lei do mercado: paga menos quem compra mais. O Acre, por exemplo, fornece ribavirina para 119 pacientes de hepatite. São Paulo, para 3.641. Por isso, para cada comprimido, o Acre desembolsa o dobro do valor pago por São Paulo.
“Esse é um problema grave, porque quem paga mais são os Estados mais pobres do Brasil”, diz Jurandi Frutuoso, ex-secretário de Saúde do Ceará e atual secretário-executivo do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).
Como agravante, há o fato de que a lista de pacientes atendidos pelas farmácias públicas não pára de crescer. Em 2002, o governo de São Paulo fornecia regularmente remédios a 55 mil pacientes cadastrados. Neste ano, já são 220 mil.
Os medicamentos podem ser obtidos gratuitamente nas farmácias públicas porque, de acordo com a Constituição, a saúde é “direito de todos” e “dever do Estado”. Alguns são dados pelas prefeituras (para problemas simples, como febre e inflamações), outros pelos Estados (para doenças graves, como câncer e esclerose múltipla) e outros pelo Ministério da Saúde (quando estão incluídos em políticas nacionais, como aids e hanseníase).
Os remédios entregues pelos governos estaduais custarão aos cofres públicos, até o final deste ano, R$ 2,7 bilhões - vindo R$ 1 bilhão dos próprios Estados e R$ 1,7 bilhão do Ministério da Saúde.
COMPRA CENTRALIZADA
Para acabar com as diferenças de preço, os governadores defendem que o Ministério da Saúde use o seu poder de barganha e tome para si o papel de comprador único dos remédios, para depois distribuí-los entre os Estados. Foi o que começou a ser feito neste ano com o interferon peguilado, uma droga para hepatite. “Enquanto São Paulo pagava R$ 590 por uma ampola, alguns secretários da região Norte chegavam a pagar R$ 1.700. Quando o Ministério da Saúde decidiu comprar o interferon para o País inteiro, conseguiu baixar o preço para R$ 570”, diz o secretário de Saúde de São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata.
O Ministério da Saúde diz que a centralização só pode valer para casos excepcionais, em que os remédios são caros demais e produzidos por uma ou duas empresas. “Essa não deve ser a regra”, afirma o diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica do ministério, Dirceu Barbano. “Às vezes, tem-se um parâmetro melhor de preços quando há mais compradores (os Estados), e não um só (o ministério).”
Como alternativa, Estados têm se associado a outros na hora de negociar com fabricantes e distribuidores. São Paulo, que quase sempre consegue os melhores preços, já fez compras para outras Secretarias de Saúde.
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