Socióloga é contra a Lei Maria da Penha
A socióloga Heleieth Iara Bongiovani Saffiati pesquisa há 46 anos as relações de gêneros e 30 anos a violência doméstica. Ela é contrária a Lei Maria da Penha, que prevê penas mais severas aos agressores. Para a pesquisadora, a saída para o fim da violência entre maridos e esposas ou namoradas é a reeducação. Heleieth argumenta que apenas o encarceramento do agressor não põe fim à violência. Já os trabalhos educativos por meio de palestras, leituras dirigidas e ouvir o que o homem tem a dizer oferecem resultados positivos. Modelos semelhantes ao que ela propõe já são utilizados na França, Estados Unidos, Costa Rica, México e de forma pontual nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.
A socióloga esteve em Cuiabá ontem onde proferiu palestra sobre as "Controvérsias entre Feminismo e Masculinismo". Antes de entrar no teatro da UFMT ela deu a seguinte entrevista.
A Gazeta - Porque a senhora é contrária a Lei Maria da Penha?
Heleieth - Me aponte um prisioneiro que tenha saído melhor da cadeia do que quando entrou. A cadeia é uma escola de pós-graduação para o crime. Não queremos a igualdade social com os homens? Nós não queremos mandar nos homens, e tampouco que o mando masculino continue. Se eu proponho a reeducação da vítima e do agressor estou muito mais no caminho da igualdade do que se eu botar o cidadão na cadeia. Essa minha idéia de ressocializar a mulher e o homem é muito mais antiga que a Lei Maria da Penha e me incomodava demais ter serviço de atendimento apenas para as mulheres e não para os homens e aí eu falava muito nisso e escrevia.
A Gazeta - A senhora acha que penas mais duras não coibem a prática de crimes?
Heleieth - Se fosse assim nos Estados Unidos, os estados que têm a pena de morte seriam os que apresentariam os índices de criminalidade mais baixos, entretanto não é assim. E não há uma correlação positiva entre maior criminalidade e penas mais duras, como não há o inverso também.
A Gazeta - Tem muito homem que reclama que mulheres abusam da Lei Maria da Penha?
Heleieth - Não é só mulheres que abusam da lei, tem muitos intelectuais achando que ela é a salvação. Não é. Está mostrado que em Cuiabá não é. Em São Paulo está sendo pessimamente implementada, ninguém gosta da lei. Em primeiro lugar, ela não atende o interesse das vítimas. A mulher vítima da violência não quer ver os pais dos seus filhos na cadeia. Não consulta o interesse das vítimas.
A Gazeta - Há 46 anos a senhora pesquisa o tema. A violência contra a mulher era menor?
Heleieth - Antes da mulher se calava. Meus estudos me mostraram o oposto do que se diz que o patriarcado que era da história remota e estaria morrendo. Nós tivemos sociedades igualitárias. O patriarcado surgiu há 6 mil anos. É um bebezinho quando a gente compara na história.
A Gazeta - Quando a mulher passou a denunciar o agressor. Se antes ficava quieta o que a motivou partir para a denúncia?
Heleieth - Mas se ela ficava quieta era por causa da família. Se ela dizia "Eu vou me separar porque ele me bate", a família dizia "ruim com ele, pior sem ele". Até hoje se diz isso. A família segurava, os vizinhos, os amigos, a igreja. É uma coisa socialmente construída, mas que pode ser desconstruída e reconstruída em direção a igualdade entre homens e mulheres.
A Gazeta - Como deconstruir se ainda o machismo é grande?
Heleieth - Como visibilizou o fenômeno da violência doméstica? Foi por meio das delegacias especializadas. Nós temos conseguido que o governo tome medidas a partir de pesquisas que visibilizem a violência doméstica em torno dessas sociedades patriarcais. É possível construir a igualdade. Até 1962, a mulher quando se casava perdia uma série de direitos civis. Quando solteira ou enviuvava ela tinha liberdades civis. Ela só poderia trabalhar fora com a permissão do marido. Em 27 de agosto do mesmo ano, saiu uma lei o Estatuto da Mulher Casada que arrebentou alguns grilhões.
A Gazeta - É possível chegar a sociedade igualitária por meio da Lei Maria da Penha?
Heleieth - Se não matarem todas as mulheres.... (risos). Violência não se combate com violência. Ás vezes a Lei Maria da Penha é uma violência maior ainda que as cometidas pelos agressores.
A Gazeta - O que seria o modelo ideal para que a violência doméstica não seja tratada nas delegacias?
Heleieth - O papel das mulheres é conhecer os seus direitos e conhecer o caminho para obter o cumprimento dos direitos quando violados e divulgar isso na comunidade. Existem cursos para isso, orientação jurídica, há as casas abrigos. No caso dos homens eu passaria filmes para discutir o tema, daria um texto curto de jornais para esses homens contando casos de assassinatos de mulheres. A partir disso, discutir a estrutura social da sociedade brasileira, mostrar historicamente.
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