Mais inconsistências contra os transgênicos
Os dados foram apresentados pela primeira vez em outubro de 2005 em uma conferência na Rússia. Nem a própria cientista tinha certeza de suas conclusões, como ela mesma reconheceu depois. Mesmo assim, Irina levou adiante a divulgação do estudo na imprensa e em diversos eventos e simpósios. Contudo, até o momento, a pesquisa nunca foi publicada em um periódico científico.
Só há poucos meses, Irina aceitou submeter seu trabalho a um processo de revisão comum em revistas científicas, conhecido como “peer review” – revisão por pares, feita por especialistas na área. A renomada revista Nature Biotechnology, do grupo Nature, convidou quatro especialistas para avaliar o estudo: Bruce Chassy, da Universidade de Illinois; Val Giddings, ex-membro da Organização da Indústria de Biotecnologia; Alan McHughen, da Universidade da Califórnia; e Vivian Moses, da Universidade de Londres. Após análise minuciosa, os especialistas publicaram suas conclusões na edição de setembro de 2007 e foram bastante críticos, apontando falhas grosseiras em diferentes aspectos da pesquisa.
Em primeiro lugar, Irina alega ter comprado a proteína de soja GM de um fornecedor holandês da companhia norte-americana ADM. Contudo, tal empresa nunca comercializou compostos com 100% de soja transgênica. No máximo, Irina usou como soja transgênica um misto de grãos convencionais e GM, em uma proporção que não pôde definir.
Além disso, os cientistas que revisaram esta pesquisa russa também concluíram haver muitos indícios de cuidados precários com os ratos usados como cobaias. A taxa de mortalidade nos animais do grupo de controle – que não foram alimentados com soja transgênica, mas sim com uma ração preparada em laboratório – foi alta demais para se tirar qualquer conclusão do estudo. Simples assim: os resultados deveriam ter sido sumariamente ignorados, e os testes, refeitos.
A seqüência de problemas não termina aí. O número de cobaias usadas em cada um dos cinco grupos de pesquisa ficou bem abaixo dos padrões internacionais. Enquanto a comunidade científica considera razoável um universo de 20 a 25 cobaias por grupo, Irina usou em média cinco animais por grupo em cada bateria de testes. Sem contar que, de acordo com os dados apresentados, não houve sequer a padronização dos animais em relação a tamanho e vitalidade; tampouco foram apresentadas informações relevantes quanto às variáveis externas a que os animais foram submetidos, como luz e umidade, entre outros fatores que podem afetar fortemente o comportamento das cobaias.
Mas o que intriga a comunidade científica, muito além do porquê de todos esses aparentes erros e descuidos no processo do estudo, é o motivo que levou Irina Ermakova a divulgar suas conclusões por diversos meios sem antes ter procurado uma publicação científica para validar seu trabalho. Apesar da ampla divulgação de resultados científicos ser um procedimento aceito e justificável em casos como o de grandes descobertas, obviamente é imprescindível que o pesquisador tenha concluído o seu estudo e esteja absolutamente convencido de seus resultados.
De toda forma, o caso de Irina Ermakova deve ser exemplar e servir de alerta para que a mídia e a sociedade redobrem a cautela ao avaliar a credibilidade de estudos científicos que não passarem pelo processo de revisão das publicações científicas. Essa revisão é fundamental, pois permite ao pesquisador ser alertado por outros especialistas sobre qualquer deficiência de sua pesquisa. Cientistas e sociedade devem ter claro que erros podem ocorrer principalmente em atividades que envolvam observação e experimentação. O importante é que se busque insistentemente a exatidão antes de divulgar suas pesquisas, para não alarmar erroneamente a população.
*Marcelo Menossi é biólogo, PhD em Genética Molecular do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia.
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