Juiz que anulou sentença de adoção irregular na Bahia é afastado Fantástico
Ano passado, o Fantástico fez uma série de reportagens sobre suspeitas de irregularidades em processos de adoção no interior da Bahia. A investigação era do juiz Luís Roberto Cappio, que chegou a anular a sentença em que cinco filhos foram tirados da mãe. O juiz Cappio acabou sendo afastado de suas funções. No último sábado (04), ele recebeu o repórter José Raimundo.
José Raimundo: O senhor esperava que fosse afastado?
Cappio: Não, não esperava.
O juiz Cappio é aquele que anulou sentenças de adoção consideradas por ele irregulares no sertão da Bahia. Cappio chegou a afirmar que havia uma quadrilha envolvida nessas adoções.
Cappio: Que há uma associação, não há mais dúvidas.
José Raimundo: Associação criminosa?
Cappio: Associação criminosa voltada para agenciamento e tráfico de crianças.
Em nenhum momento, o juiz Cappio incluiu as mães adotivas na acusação de quadrilha - tanto que elas nunca foram investigadas. A acusação se restringe aos agentes da lei que tornaram as adoções possíveis. O caso que mais chamou a atenção do juiz aconteceu em maio de 2011. Os cinco filhos de Silvânia Mota Silva foram retirados de casa na cidade de Monte Santo. De um dia para o outro, a guarda provisória das crianças foi concedida a quatro famílias do interior de São Paulo. A alegação era de maus-tratos por parte da mãe.
Silvânia, que tinha a guarda dos filhos, não pode se defender. Gerôncio, o pai de quatro das cinco crianças, já era separado de Silvânia, não morava mais com ela e as crianças, mas, mesmo assim, teria de ser ouvido e não foi. Os avós, o Ministério Público, ninguém participou da decisão assinada pelo juiz Vítor Bizerra, que na época respondia pela comarca da cidade.
As irregularidades apontadas por Cappio, que sucedeu Bizerra, chamaram na época a atenção do Governo Federal, como o Fantástico mostrou.
“A Secretaria de Direitos Humanos acompanhou todo o processo desde que a gente identificou irregularidades absurdas no processo que retirou as crianças de sua casa”, afirma Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos.
Procurado diversas vezes pelo Fantástico, o juiz Vítor Bizerra se recusou a explicar sua sentença.
Convencido das irregularidades, o juiz Cappio ordenou, em dezembro do ano passado, que as famílias paulistas devolvessem as crianças para Silvânia.
O primeiro estágio da volta pra casa foi ainda em São Paulo, em uma instituição especializada em readaptação familiar.
“As crianças tiveram uma ruptura em Monte Santo há um ano e oito meses atrás e agora novamente outra ruptura, porque os adultos que adotaram essas crianças se tornaram também referências pra eles” avalia a pedagoga Sandra Greco.
Quinze dias depois, Silvânia e os filhos chegaram a Monte Santo. E voltaram a viver juntos, sem o pai, Gerôncio, que desde antes da adoção é separado de Silvânia.
As adoções feitas na região passaram a ser investigadas também pela CPI da Câmara Federal que apura o tráfico de pessoas.
“Os processos de adoção conduzidos pelo juiz Vítor Bizerra são totalmente irregulares, atípicos. São atrocidades contra famílias pobres, que não têm condição de ter um advogado, e que por isso merece uma revisão. E quem tinha que estar sendo afastado agora era o senhor Vítor Bizerra”, declara Fernando Francischini, vice-presidente da CPI do Tráfico de Pessoas.
O juiz Vitor Bizerra, responsável pelos processos de adoção, está hoje na comarca de Barra, no oeste baiano. E o juiz Cappio, que cancelou os processos, foi suspenso por 90 dias pelo Tribunal de Justiça da Bahia, a pedido do Ministério Público.
“Não tem nada a ver com adoção. Adoção tá lá, afastamento tá cá”, explica Antônio Pessoa, corregedor do Tribunal de Justiça da Bahia.
São dois os motivos alegados pelo Ministério Público da Bahia e o Tribunal de Justiça para o afastamento do juiz Luis Roberto Cappio. Ele teria se desentendido, sido grosseiro com promotores, advogados e funcionários das comarcas de Euclides da Cunha e Monte Santo. Além disso, o juiz teria apresentado nos últimos anos baixa produtividade no trabalho.
“A produtividade do juiz chega a ser irrelevante numa comarca da dimensão de Euclides da Cunha. Na comarca que nós temos problemas muito sérios, de fôlego, de porte, no estado de Bahia, e ele produziu três sentenças em três anos”, observa o promotor Cristiano Chaves.
O juiz Cappio dá outra versão:
José Raimundo: O senhor tem uma idéia de quantas sentenças produziu nesse período?
Cappio: Mais de 700.
José Raimundo: Nas duas comarcas?
Cappio: É. Eu produzi mais de 700 por uma série de questões estruturais que me impediram de produzir muito mais.
O Tribunal de Justiça determinou também uma investigação sobre a sanidade mental do juiz Cappio por causa de atitudes que ele teria tomado.
“Chega ao ponto de, numa audiência, chamar o promotor de burro. Jogar spray, jogar processo. Pegar o processo e jogar contra o servidor”, afirma o corregedor da Bahia.
José Raimundo: Jogou spray em advogado?
Cappio: Nunca, jamais...
José Raimundo: Processos?
Cappio: Nada, nada, nada do que me foi atribuído procede.
Nesta semana, o Fantástico voltou a Monte Santo e reencontrou Silvânia, a mãe biológica das cinco crianças. Ela afirmou que está assustada. E decidida.
“Estou decidida, vou embora daqui”, disse Silvânia.
Silvânia estaria sofrendo assédio por parte de duas das mulheres de São Paulo que foram obrigadas a devolver as crianças. Em março passado, uma delas, acompanhada de um homem que se dizia corretor, passou duas semanas em Monte Santo. O homem teria entrado na casa de Silvânia.
“Ele chegou me tapeando, dando uma de comprador do terreno. Ele se aproximou da minha menor. Pegando na mão, conversando com a minha menina menor, e eu lá dentro, sem saber de nada”, conta Silvânia.
Silvânia registrou a ocorrência na delegacia de Monte Santo, onde Gerôncio, o pai, responde a quatro inquéritos policiais por crimes como roubo e tentativa de estupro. Esses inquéritos não foram considerados na anulação dos processos, porque Gerôncio não vive com os filhos. Apenas os visita ocasionalmente.
Os processos irregulares causaram dor a várias mães. À Silvânia, que teve seus filhos levados, e às mães em São Paulo, que tiveram que devolver essas crianças. O Fantástico nunca revelou as identidades delas, porque elas não são acusadas de nada.
Uma dessas mães postou na internet críticas ao juiz Cappio e às reportagens do Fantástico. Tentamos entrevistá-la, mas ela não aceitou.
O Fantástico entende a sua dor, mas deixa claro que em suas reportagens se limitou a noticiar as irregularidades reveladas pelo juiz Luís Roberto Cappio e que estão sendo investigadas pelo Conselho Nacional de Justiça, que já esteve em Monte Santo.
“Os fatos são graves. Estão sendo investigados com muito rigor pela Corregedoria Nacional de Justiça. E nos próximos dias essa matéria será submetida à consideração do plenário do Conselho Nacional de Justiça, que, comprovados os fatos, tomará as medidas necessárias para, se for o caso e comprovado, o afastamento dos investigados”, diz Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça.
Nesta entrevista ao repórter Vladimir Neto na manhã deste sábado em Brasília, o corregedor nacional de justiça Francisco Falcão criticou a rapidez com que os filhos de Silvânia foram tirados de casa.
“A celeridade com que as adoções foram feitas. Um processo que leva de três a seis meses, às vezes um ano, e que foi deferido num prazo recorde de dois dias. Nesses casos, o juiz, primeiro, consulta o cadastro de adoção, ouve o Ministério Público, procura ouvir os familiares mais próximos para que a adoção seja feita e as crianças fiquem no próprio seio familiar, que é o que está previsto na lei de adoções. E isso não foi observado neste caso”.
O corregedor diz que nova equipe do CNJ irá à região para aprofundar as investigações.
“Nós vamos aprofundar as investigações, porque nós temos prováveis notícias de que esses fatos poderiam ter ocorrido em outras comarcas do interior da Bahia”.
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