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Internacional
Sexta - 24 de Agosto de 2007 às 23:59

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O enxuto volume será publicado oficialmente na sexta-feira na França, mas já é a sensação desta temporada literária em Paris: o drama da corrida de Nicolas Sarkozy à presidência na visão de Yasmina Reza, a dramaturga mais célebre da França

Reza, vencedora do Tony cuja peça de sucesso ininterrupto "Art" foi adaptada em mais de 30 idiomas, teve acesso exclusivo ao alvo de suas narrativas. Ela o acompanhou em viagens durante a campanha e chegou até a participar de algumas reuniões particulares durante um ano, até ele vencer as eleições e se instalar no Palácio do Eliseu em maio.

O resultado do trabalho é o livro "L'aube le soir ou la nuit" (A Madrugada, a tarde ou a noite, em tradução livre), obra escrita com elegância retratando um encontro profundamente pessoal entre a dramaturga e o político, com foco não em sua vitória eleitoral, mas naquilo que ela considera uma sede obsessiva por poder.

Com a primeira edição de 100 mil cópias, o livro de 190 páginas foi recebido com frenesi pela imprensa.

O jornal "Le Parisien" o definiu como um "retrato fabuloso de um homem extraordinário" e o Le Monde o interpretou como "cáustico, por vezes cruel, mais do que picante". Uma matéria de capa da edição desta semana da revista Le Nouvel Observateur afirma que o livro é repleto de diálogos "que causariam inveja ao teatro".

Para Reza, Sarkozy é um ator talentoso com uma compulsão para controlar seu próprio universo em uma batalha grandiosa contra a passagem do tempo. "Criei meu personagem", ele confessa a ela.

Ela demonstra encantamento, admiração, impaciência, mas nunca demonstra irritação com seu tema enquanto vagueia pela narrativa, usando a caneta como bisturi.

De acordo com os relatos da escritora, Sarkozy admite que se sente lisonjeado por uma personalidade tão famosa escrever sobre ele. Ela contou em uma entrevista exclusiva à Le Nouvel Observateur que ele disse a ela, "Ainda que você me derrube, estará me elevando".

Sarkozy não leu o livro, disse o porta-voz do Eliseu, David Martinon, na quinta-feira, embora tenha acrescentado, "Imagino que o que ela escreva seja o retrato fiel da realidade".

Talvez. Reza distingue seu trabalho do de um jornalista, que "caça a verdade". Por sua vez, ela declara à Le Nouvel Observateur, "Não busco a verdade, que não existe em meu trabalho".

Talvez isso explique por que o livro não traz nenhum debate mais fundamental, como por exemplo, a incerteza econômica da França e seus problemas com desemprego e imigração. Cecília, a esposa de Sarkozy, tão presente nas manchetes, também ficou de fora. É porque ela nunca estava na trilha da campanha, insiste Reza, e não, como alguns comentaristas da empresa alegam, que Cecilia Sarkozy tivesse sido barrada.

Bush conversa com Sarkozy, presidente francês, na AlemanhaReza descreve o consumo de cigarros de Sarkozy como o faria em relação a um animal exótico, e narra, por meio de anedotas, sobre um homem que é ao mesmo tempo convencido e inseguro, inteligente e maçante, movido pelo instinto e pela sedução do poder.

Ele está tão acostumado a "ser aquele que fala e aquele que é ouvido" que não lhe ocorre que seu "cotidiano é tão comum quanto o de qualquer outro homem", escreve ela.

Em um dos dias da trilha da campanha, o que salta aos olhos dele não é nem a matéria forte de capa do Le Figaro sobre o Irã, nem mesmo as manchetes sobre ele, mas sim uma propaganda no final da página. "Que Rolex lindo", exclama ele.

A estatura baixa de Sarkozy, associada ao seu constante vai-e-vem, foram os elementos que contribuíram para a definição de Reza do "jeito crianção" do político. Seu terno e suas gravatas, como ela escreve, "nunca são de sua época", sua risada "também não".

A autora descreve a necessidade constate de comer manifestada por Sarkozy e, em seguida, do nada, conta que ele manca um pouco. "Ele está sempre beliscando", afirma ela. "Belisca e mastiga muito rápido. Eu já havia observado que ele come rápido, e que ele manca também".

(O fato de Sarkozy, 52, lutar para manter o peso já foi mencionado por muita gente, embora mesmo nesse assunto, a verdade possa ser relativa. A revista "Paris Match" admitiu nesta semana que retocou uma fotografia de Sarkozy, de peito nu durante suas férias recentes nos Estados Unidos, para fazê-lo parecer mais magro; a confissão veio depois que a revista L'Express publicou a versão original e a retocada).

Reza descreve um homem, mesmo antes de sua vitória, cheio de bravatas. Saindo de um almoço em Londres com Tony Blair, na época ainda primeiro-ministro britânico, Sarkozy anuncia aos seus assessores: "Tony e eu acabamos de tomar uma decisão. Vamos conquistar a Europa".

Pouco antes das eleições, ele se gabava das instalações oficiais de que poderia usufruir depois de assumir o cargo: "Terei um palácio em Paris, um chateau em Rambouillet e um castelo em Bregancon".

De pavio curto, ele profere vulgaridades impublicáveis contra assessores e inimigos políticos. Pressionado a fazer uma visita a uma zona de radares na Bretanha, ele se rebela: "Não dou a mínima para os bretões. Vou ficar cercado por 10 imbecis olhando para um mapa! Meia hora para chegar ao Centro Operacional e mais meia hora para chegar ao Centro Alzheimer! Últimos dias de campanha e eu dentro de uma sala olhando para um mapa! Que grande tino político, francamente".

Em um café da manhã com especialistas franceses na Rússia e na Chechênia, ele chama o Ministério das Relações Exteriores de inútil, dizendo: "Está ficando mais urgente nos livrarmos de Quai d'Orsay", como o ministério é conhecido. Estigmatizando o antigo embaixador francês na Rússia como um "imbecil" e o embaixador no Líbano como "um cretino abjeto", ele acrescenta, "Desprezo esses homens. São covardes".

Em outra ocasião, ele se pergunta se Segolene Royal, sua opositora socialista na corrida, estaria ajudando suas chances de vencer, e responde, "Não se sabe ao certo se não ter pulso é necessariamente uma desvantagem na França".

Reza disse à Le Nouvel Observateur, porém, que acabou desenvolvendo "alguma afeição" por Sarkozy, referindo-se a ele como uma pessoa de "atitude".

Perguntada se ele chegou a tentar seduzi-la, ela respondeu, "Não, ele queria seduzir a França". Depois, ela acrescentou uma fala que ficaria ótima em uma de suas peças: "É quase uma afronta passar um ano inteiro com um homem sem que ele tente te seduzir".




Fonte: NYT

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