Repórter News - reporternews.com.br
Cidades/Geral
Domingo - 19 de Agosto de 2007 às 10:47

    Imprimir


Às nove horas da manhã o tinir do sino dourado, balançando feito chocalho nas mãos do coordenador da faculdade, indica que é hora dos futuros padres de Mato Grosso voltarem para a sala de aula. Os cursos de Filosofia e Teologia formam a base da grade curricular dos seminaristas. Ainda no início da juventude, eles sonham em cuidar da igreja e auxiliar milhares de fiéis que buscam na religião, inspiração para praticar o bem e respostas para as mais insanas ações praticadas pela espécie humana.

Segundo a igreja, só a fé pode afastar os desejos mais sombrios do coração do homem, responder as incertezas da vida e dar sentido à missão de cada um na Terra.

Quem chega na 'Studium Eclesiástico Dom Aquino Corrêa' pela primeira vez, considerado instituto de pesquisa, pode se surpreender. No local funciona a faculdade que forma os novos padres mato-grossenses. Homens de batina, longos períodos de oração e ausência de computadores, internet e televisão - vícios da vida moderna - são apenas fruto da imaginação. A faculdade é como outra qualquer, aberta a toda a comunidade. Na sala de aula também há mulheres. São alunas que buscam ampliar o conhecimento com as faculdades de Teologia e Filosofia, cursos que duram seis anos. A faculdade também recebe freiras interessadas nas ciências que ajudam no entendimento das teorias religiosas.

Os seminários do século XXI também são equipados com os mais modernos recursos da tecnologia. Padre tem e-mail e gosta de um bom cinema. A sexta-feira é sagrada no internato. Este dia é dedicado à sessão de cinema. A sala da casa onde moram os padres não é tão moderna como aquelas instaladas nos shoppings, mas não faltam pipoca, guaraná e bons filmes para divertir os futuros padres. É claro que há exceções: literatura e cinema pornográfico, por exemplo, não entram no seminário.

A escolha do caminho

Os jovens seminaristas precisam entender muito das profecias bíblicas e das teorias da salvação, mas padre também deve conhecer pessoas, entender seus gostos, preferências e como a vida acontece fora de mosteiros, conventos e seminários. Por isso, bons filmes, esportes, férias, viagens, retiros e relacionamento com familiares e amigos fazem parte da rotina da formação de um padre. "Ele precisa escolher o caminho espontaneamente. O jovem é muito vulnerável. Não podemos forçá-lo a ser um padre. Ele tem que olhar o caminho, observar o que a vida oferece para um jovem, e escolher. Ele pode se dedicar integralmente a Jesus e à igreja, ou apenas à vida comum, ocupada com os prazeres da carne", explica o arcebispo de Cuiabá, Dom Milton Santos. O religioso esclarece que nem todos os seminaristas são ordenados padres. O estudo e o internato são uma fase de preparação e reflexão. Quem não resistir às privações da carreira pode desistir.

Os números são testemunhas dos obstáculos existentes do celibato. Em Cuiabá, 150 jovens tentam entrar no seminário todos os anos. A escolha é rigorosa e os principais critérios são dedicação religiosa, saúde e inteligência intelectual. Só 30 deles conseguem ser aprovados. Porém, o mais surpreendente é que, em média, a igreja só consegue ordenar três padres por ano. O perfil desses jovens é de muita ligação com a igreja. Em geral, são de famílias devotas, freqüentam missas e participam das atividades litúrgicas desde a infância. Estão em uma fase que marca o fim da adolescência e início da vida adulta, têm idade entre 16 e 22 anos. O ano de 2008 pode ser especial para a igreja católica de Cuiabá. Dom Milton Santos deve ordenar cinco padres no final do próximo ano.

A formação de um padre, que pode durar de sete a dez anos, tem um baixo índice de conclusão. O desafio não está no aprendizado teórico, mas sim na resistência psicológica e no controle emocional. A abstinência de sexo, de qualquer material pornográfico, do relacionamento amoroso e das festas jovens, conhecidas como baladas, tem se mostrado uma barreira quase intransponível, que poucos jovens determinados têm conseguido superar.

A família

O momento da despedida quando o jovem troca a casa da família pelo seminário pode ser um duro golpe para os pais, quando eles discordam da escolha do filho. Mas também pode ser uma data inesquecível para uma família devota. São situações opostas que foram vivenciadas pelas famílias de George da Silva e de Alex dos Reis de Moraes.

Os dois meninos, hoje dedicados ao seminário, moravam no bairro CPA, em Cuiabá. Alex pensava em ser militar. O pai é militar e preparava o filho único para seguir a mesma carreira. Nascido em uma família católica, Alex gostava da religião, mas nunca tinha mostrado o interesse em se transformar em um sacerdote. O desejo de ser padre surgiu após participar de um grande evento da igreja Católica, realizado todos os anos em Cuiabá. "Senti o chamado no meu coração. Entendi que deveria servir a Jesus. Cheguei em casa e falei para minha mãe. Houve muita resistência, meus pais não aprovaram, ficaram tristes. Mas hoje minha família entendeu a escolha que fiz e a casa está mais tranqüila", contou o jovem seminarista à reportagem do site da TV Centro América.

De noivo a padre

Na casa de George Silva as reações foram diferentes. Apesar de um pouco de tristeza do pai, que preferia ver o filho casado e sonhava até com os netinhos, a mãe deu todo apoio desde o início. "Minha irmã já dizia desde quando George era pequeno: olha Iracema, seu filho não será pai de família. Esse menino gosta muito da igreja e para mim ele será um padre", conta Iracema Garcia da Silva, mãe de George. Aos 10 anos o menino chegou para a mãe e disse que gostaria de ser um padre quando crescesse. "Me sinto uma mãe realizada. Continuo dando todo o apoio para George. As irmãs dele também aprovam a decisão do irmão. Desde pequeno ele sempre queria participar de todas as reuniões da igreja. Ajudava até as professoras da catequese e o padre durante as missas", disse.

Após trabalhar vários anos em uma das maiores redes de supermercados de Cuiabá e terminar um noivado com data prevista para o casamento, George foi para o seminário realizar o sonho de criança. Atualmente está com 23 anos e será ordenado padre daqui a quatro anos.

O preconceito dos amigos é mais um obstáculo a ser superado. O círculo de amizade de um seminarista vai se alterando com o decorrer dos estudos. Grande parte dos amigos não aprova a idéia de que um jovem tenha que abandonar as festas em boates, consumo de álcool, cigarro e principalmente as namoradas. Para escolher o seminário é preciso resistir ao deboches e selecionar os amigos.

Disciplina

Ao chegar em um seminário, o que se torna mais evidente no ambiente é a determinação e a dedicação dos seminaristas pelas atividades diárias. Eles raramente atrasam alguma tarefa. Os horários são seguidos à risca. Há tempo para levantar, hora para a primeira missa, às 6h, momento para o café da manhã e, às 7h, eles já estão na faculdade. O intervalo é às 9h e costuma ser divertido. Sempre tem um violão no pátio. A turma se junta e canta de tudo um pouco, músicas sacras e populares.

Fora da faculdade, durante o período vespertino, todos têm tarefas a cumprir. O refeitório tem que ficar sempre limpo e organizado, o jardim exige cuidado especial, a saúde é mantida com muitos exercícios físicos e futebol. Em uma pequena chácara eles desenvolvem serviço braçal e têm ainda o momento específico para os estudos complementares.

Um seminarista tem que realizar estudos extracurriculares. Podem optar por língua estrangeira, matemática, arquitetura, música, geografia, história, entre outras. Além das provas teóricas da faculdade, tem também as provas práticas. "É preciso muita sabedoria para entender as complexidades do mundo moderno", diz o arcebispo da capital. Ele freqüenta o seminário todas as semanas. Nos finais de semana eles se espalham pelas paróquias de Cuiabá e Várzea Grande para ajudar os padres durante as missas e outras atividades religiosas, além de se envolverem em ações de solidariedade.

A carreira

Para a igreja não há carreira. O que existe é uma dedicação constante sem preocupação com cargos e hierarquia. As obras e as atitudes de um padre são as credenciais que o qualifica para ocupar um cargo de bispo, arcebispo, cardeal e até papa. Mas não há uma escala demarcada por tempo ou níveis de estudo. Os superiores da igreja são os responsáveis pela escolha de um novo bispo, arcebispo e sucessivamente. A escolha passa por uma pesquisa minuciosa sobre a vida do padre escolhido e após uma profunda avaliação ele pode ser ordenado em um cargo superior.

Atualmente a igreja encontra dificuldades para nomear substitutos nos cargos mais altos da igreja. Com o pequeno número de padres ordenados, diminuem também as opções da igreja para as substituições na hierarquia católica. Hoje, Cuiabá e Várzea Grande, que juntas contam com uma população de aproximadamente 800 mil pessoas, têm apenas 74 padres, número considerado insuficiente pela igreja. O número de católicos pode chegar a 500 mil, segundo estimativas.

A igreja conta hoje com 10 dioceses em todo o estado. Cada diocese do interior do Estado tem um seminário instalado em Várzea Grande, no bairro Cristo Rei. São 10 seminários, um próximo do outro, mas na hora de estudar, todos os seminaristas freqüenta a mesma faculdade, já que Mato Grosso tem um único curso para a formação de padres. Os padres formados no Estado são da Ordem dos Diocesanos e geralmente trabalham nas sedes das dioceses, junto aos bispos. Somente com algumas exceções é que eles são enviados para comunidades mais distantes da sede.

Nos últimos quatro anos foram ordenados 11 padres em Cuiabá. Já em todo o Estado, contando com este ano, foram ordenados 40 padres, uma média de 10 por ano.




Fonte: TVCA

Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/211010/visualizar/