Vulnerabilidades e soluções para o processo eletrônico
Sempre fui um otimista. Sobretudo quando saio em defesa das causas que defendo. Por mais de uma década, no período entre 1999 a 2010, participei ativamente na Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, chegando inclusive a representar durante três anos a entidade no CNJ, junto a recém criada Comissão de Regulamentação do Processo Eletrônico. Uma das nossas principais atribuições era acompanhar a criação de padrões técnicos e normas hierárquicas emanadas pelos tribunais para instituir as práticas processuais por meio eletrônico nos 92 tribunais brasileiros.
Esta missão havia se iniciado em 1992, quando participei de várias negociações durante a discussão do Projeto de Lei que iria se converter na Lei 11.419, a Lei do Processo Eletrônico. Além disso, paralelamente, tivemos a missão de evangelizar os advogados quanto à mudança causada pela desmaterialização do papel no cotidiano da advocacia, que, juntamente com a certificação digital, foram impulsionadas em todo território nacional, após a vigência da lei em março de 2007.
O fortalecimento de um diálogo para a defesa das prerrogativas dos advogados junto aos tribunais nesta pauta sempre foi uma tarefa muito árdua. Sobretudo porque percebo que ainda falta para os tribunais a efetiva vontade de estabelecer, de forma profícua e efetiva, uma pauta permanente sobre o tema, para a construção do modelo ideal de sistema de tramitação de autos digitais — ainda muito distante das atuais versões que vem sendo utilizadas.
O modelo ideal de processo eletrônico só será alcançado se houver interesse dos tribunais de criar meios para coletar e reparar os atuais sistemas a partir dos erros ou falhas de procedimentos sistêmicos apresentados, bem como adotar sugestões de aprimoramento contínuo que também possam advir de todos os atores processuais.
Esta carência de diálogo construtivo infelizmente ainda prepondera. Existe uma grande dificuldade dos tribunais em estabelecer um debate permanente que possam disciplinar estas contribuições advindas dos clientes da Justiça. Estas medidas são necessárias para reparar e aprimorar as soluções sistêmicas, buscando propiciar o conforto e a segurança da tecnologia da informação é capaz de proporcionar no contínuo desenvolvimento do projeto de implantação do processo eletrônico.
É sempre bom lembrar que o processo eletrônico no Brasil se desenvolve sem nenhuma referência externa exitosa na implantação de projeto similar pelo Judiciário em qualquer país no mundo. Esta é uma razão ainda mais significante para colocarmos em prática o desenvolvimento colaborativo sistêmico a partir da implantação de rotinas que ainda não foram suficientemente maturadas em escala de uso.
O inexpressivo aproveitamento de subsídios advindos dos principais usuários para aprimoramento sistêmico é o principal motivo que leva ao descontentamento, dificuldades e a descrença de muitos quanto ao sucesso futuro das práticas processuais por meio eletrônico. Ainda há tempo de consertar o avião que já decolou há seis anos e que necessita urgentemente de reparos em pleno vôo.
Nenhum programa de computador se aperfeiçoa sem que haja uma estratégia disciplinada de desenvolvimento que propicie a efetiva coleta constante de sugestões de seus principais usuários. Programa de computador deve ser encarado como um produto inacabado que deriva da inteligência humana que é inesgotável. Como se sabe, o cliente sempre tem razão, é necessário ouvi-lo para aprimorar um produto ou serviço. Esta lição ainda não foi totalmente colocada em prática pelos tribunais.
Neste sentido, vejo que o Conselho Federal da OAB continua debatendo e buscando articulações junto ao CNJ, em companhia de outras instituições de classe para pontuar e efetivar soluções práticas a partir de tentativas de diálogo, embora não conte de fato com grande expectativa se tais sugestões serão implementadas.
Após estudos efetuados em várias Comissões de Tecnologia da Informação das Seccionais e da Comissão correlata no Conselho Federal, representando os anseios e agruras da advocacia brasileira sobre o tema, foram apontadas as necessárias melhorias nas práticas processuais por meio do PJe (Processo Judicial Eletrônico), sistema de titularidade daquele tribunal, que vem sendo propagado como a solução ideal para unificação do processo eletrônico a partir da harmonização das diferentes práticas processuais pelo meio eletrônico que já se encontram em uso.
Estes alertas foram inseridos na Carta de Porto Alegre, elaborada durante o I Encontro Nacional de Comissões de Tecnologia da Informação da OAB. No encontro, foram discutidos os maiores obstáculos encontrados pelos advogados na utilização do PJe, que já haviam sido pontuados durante reunião em Brasília, na sede do Conselho Federal, no último dia 28 de fevereiro, a partir das experiências relatadas por cada Seccional.
Os problemas de maior destaque são:
1. Amplo acesso ao Judiciário: Os sistemas de processo eletrônico devem ser meios facilitadores do acesso à Justiça e, portanto, atender aos princípios de transparência, eficiência, defesa da cidadania, legalidade e garantias fundamentais asseguradas na Constituição Federal;
2. Processo eletrônico como rito: Os sistemas de processo eletrônico não podem ser regulamentados por atos administrativos que importem em alteração das regras processuais;
3. Unificação dos vários regulamentos: O Judiciário deve adotar regras padronizadas de regulamentação dos sistemas, ressalvada a autonomia legal, de forma a proporcionar uma utilização uniforme e eficiente;
4. Implantação planejada: A implantação de sistemas de processo eletrônico deverá ser precedida de um planejamento de impacto, de forma a minimizar os efeitos das inovações em todos os setores da administração da Justiça, da sociedade e, inclusive, prevendo as futuras alterações legislativas, pontualmente quanto às modificações das regras processuais;
5. Inclusão digital e papel da OAB: O Conselho Federal e as Seccionais da OAB de todo o Brasil têm demandado esforços no sentido de proporcionar condições favoráveis para a inclusão digital de todos os advogados. Todavia, diante dos grandes problemas e dificuldades encontrados nos sistemas informatizados e infraestrutura básica, já reconhecidos pelo Comitê Gestor do CNJ, faz-se necessária a instituição de um período de transição, para a exigência da sua obrigatoriedade;
6. Unificação de sistemas: A OAB defende a unificação dos sistemas de processo eletrônico, dentro das regras republicanas, observados os princípios da eficiência, transparência e acesso à Justiça;
7. Suspensão de implantação: Diante do reconhecimento pelo Comitê Gestor do CNJ de que o sistema PJe é instável, falho, e que esse órgão não possui estrutura para gerir um projeto de abrangência nacional de modo eficiente e seguro, tampouco os tribunais dispõem de pessoal apto a operá-lo e desenvolvê-lo,faz-se necessária a suspensão de novas implantações em varas e tribunais, até que tais problemas sejam superados;
8. Necessidade de testes de vulnerabilidade: Diante das constantes falhas e erros nos sistemas relatados por advogados, procuradores, servidores, juízes e demais usuários, a OAB entende por imperiosa a realização de testes públicos de vulnerabilidade e estabilidade dos sistemas, por meios de órgãos independentes, com vista a preservar os direitos e garantias fundamentais, o devido processo legal e a segurança jurídica.
Na próxima semana, continuarei tratando deste assunto, comentando de forma detalhada cada sugestão pontuada bem como ilustrando como estas vulnerabilidades precisam ser reparadas urgentemente, para que não prepondere uma perda de confiabilidade dos advogados com a implantação do processo eletrônico, que é um caminho sem volta e, ao meu sentir, a verdadeira reforma do Judiciário.
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