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Internacional
Sexta - 20 de Julho de 2007 às 14:43

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- Às vésperas das eleições gerais deste domingo na Turquia, a correspondente da BBC Sarah Rainsford viajou às cidades de Kayseri e Izmir para mostrar como o sistema secular e a democracia do país estão sendo testados por uma mudança no poder em direção a governantes com inclinação religiosa.

Quase todas as manhãs, por volta das 5h, a elite de Kayseri já está acordada e se exercitando. Muitos moradores de Kayseri costumam começar o dia com uma caminhada de duas horas nas montanhas que cercam a cidade.

"Nós sempre começamos bem cedo", diz um dos moradores. Ao seu lado estão o prefeito da cidade, líderes empresariais e o chefe de polícia. "Esse é o povo da Anatólia. Temos muita energia", diz o homem.

Kayseri é uma cidade religiosa. Na Turquia de hoje, são lugares como este que estão em ascensão.

Nos arredores dessa cidade limpa e organizada, Ahmet Hasyuncu comanda um parque industrial que dobrou de tamanho em quatro anos e abriga atualmente mais de 700 empresas, a maioria de pequeno porte.

No centro, há uma grande mesquita. Cada fábrica tem pelo menos uma sala de orações para seus funcionários.

"Kayseri é conhecida como uma cidade conservadora, mas também é empreendedora", diz Hasyuncu. "Nossos empresários são reformistas, abertos a mudanças, e nós mantemos nossa religião separada dos nossos negócios."

A maior parte do comércio de Hasyuncu é com o Ocidente.

A Turquia central, ou Anatólia, já foi um lugar atrasado, mas conseguiu aproveitar a abertura econômica dos anos 1980 para se transformar em uma força propulsora da economia nacional.

Os empresários locais ficaram conhecidos como "Tigres da Anatólia".

A região onde se localiza Kayseri sempre foi religiosa. Mas agora que pessoas como Hasyuncu estão prosperando, elas estão formando uma nova classe média conservadora e se tornando mais proeminentes.

Em uma Turquia secular, isso deixa algumas pessoas apreensivas.

"Será que somos mesmo uma ameaça ao sistema?", pergunta Hasyuncu, rindo. "Os turcos seculares estão tentando nos rotular como algo que não somos."

Se há um símbolo de tudo o que preocupa a Turquia secular, esse símbolo é o véu islâmico. E na conservadora Kayseri, mulheres cobertas pelo véu são uma visão comum.

Em uma sala de um centro administrado pelo conselho municipal, três garotas estudam arte islâmica.

Elas dizem que cobrem a cabeça como uma maneira de expressar sua fé.

Mas longe daqui, turcos menos religiosos estão convencidos de que o véu representa uma agenda da polícia islâmica.

"Nós vemos esse tipo de atitude freqüentemente e isso nos deixa muito desconfortáveis", diz uma das garotas, Emine. "Eu não acho que meu véu seja uma ameaça para alguém. Mas o que nós podemos fazer? É preciso um milagre para mudar as coisas aqui."

Nas últimas eleições, 54% dos moradores ajudaram a eleger o partido AK. O ministro do Exterior, Abdullah Gul, é natural da cidade.

Kayseri gosta de se promover como uma prova de que é possível ser muçulmano devoto e, ao mesmo tempo, secular e moderno.

Mas o fato de conservadores religiosos estarem no poder preocupa muitas pessoas em outros pontos do país.

Essa preocupação é sentida com força em Izmir, na costa oeste do país. Uma cidade onde, no verão, os moradores lotam clubes e boates, as mulheres usam minissaias sem se preocupar e as bebidas alcoólicas são liberadas.

Os moradores de Izmir também se consideram muçulmanos modernos e, para eles, é o secularismo que é sagrado - como determinado pelo líder Mustafa Kemal Ataturk, que baniu a religião da política e fundou a República turca como um Estado secular.

"Nós precisamos proteger nosso estilo de vida moderno. Não queremos pessoas muito religiosas ou conservadoras nos governando", diz Ali Korur, gerente de um clube na praia aberto 24 horas e sempre com música alta.

Korur acredita que o sistema secular garante a sua liberdade. O partido político mais popular em Izmir é o republicano CHP, de oposição.

"Nós precisamos de um líder que nos leve para o Ocidente, não para o Oriente", diz Korur.

Hanri Benazus, outro morador de Izmir, mostra uma fotografia do líder que voltou a Turquia para o Ocidente.

"Ataturk foi realmente um grande homem. Devemos a ele tudo o que há de moderno na Turquia", diz Benazus.

"Algumas pessoas temem que sua revolução esteja em perigo, mas eu acho que as pessoas que estão acostumadas com a vida moderna nunca vão voltar à idade da ignorância."

Esse medo, no entanto, é real para alguns.

Quando o partido AK tentou colocar um homem religioso na presidência, milhares de turcos foram às ruas para protestar, carregando enormes bandeiras. Uma das maiores manifestações foi realizada em Izmir.

Diante dos protestos, o governo foi forçado a recuar. Mas alguns acreditam que a crise provocada pela eleição presidencial expôs uma divisão mais profunda.

"É possível que existam duas Turquias em termos de estilos de vida", diz o professor Tanju Tosun, da universidade de Ege, em Izmir. "Mas, passo a passo, nós estamos assimilando os valores democráticos e aprendendo a viver juntos."

É um equilíbrio delicado. As duas Turquias viveram lado a lado por oito décadas. Mas agora que o poder está mudando para as mãos de turcos com inclinação mais religiosa, o secularismo e a democracia do país estão sendo testados.




Fonte: BBC Brasil

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