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Nacional
Quinta - 19 de Julho de 2007 às 18:59

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São Paulo - O médico Roberto Stefanelli, que trabalha há 15 anos com o salvamento de vidas, teve de se contentar na última terça-feira com a tarefa de proteger os funcionários das equipes de resgate dos perigos de novas explosões e desabamentos no local do acidente com o Airbus do vôo 3054 da TAM.

"É frustrante porque a gente está com uma grande equipe lá tentando montar tudo necessário para salvar vidas e a gente vê passar corpo, passar corpo, passar corpo. Você fala: ''gente, não dá''. A gente está aqui, mas a gente vai ficar só para a preservação do pessoal que está atendendo", contou Stefanelli em depoimento à BBC Brasil.

Chefe de uma das equipes de resgate da Secretaria de Saúde de São Paulo, Stefanelli disse que desastres aéreos geralmente oferecem poucas chances de atuação aos socorristas profissionais pelo grande número de mortes que costumam gerar.

"Cada minuto que passa, a chance de ter alguém com vida lá dentro é menor. É frustrante ver passar uma quantidade enorme de corpos e saber que provavelmente não vai passar nenhum com vida para que a gente possa atuar e tentar ajudar."

O médico conta que geralmente os bombeiros, primeiros a entrar no local do acidente, classificam as vítimas em cores de acordo com a gravidade do seu estado: de verdes, para ferimentos mais leves, a vermelhas, quando estão em situação mais grave. No caso do acidente da TAM, a maioria estava na categoria preta, reservada às vítimas fatais.

Stefanelli, que já foi coordenador de todo o trabalho de resgate da Secretaria, estava a caminho de uma reunião quando ouviu pelo rádio as primeiras informações sobre o acidente. Por volta de 20h30, cerca de uma hora e 40 minutos após o acidente, ele estava no local.

Acompanhe a seguir trechos do depoimento de Stefanelli, que também falou à BBC Brasil sobre o custo emocional de uma operação de resgate com grande número de vítimas:

"Eu estava indo para a reunião dos chefes de equipe de resgate quando ouvi no rádio a informação do acidente. Liguei para a central para saber se precisavam de apoio. Eles disseram que não tinham informações ainda e eu fui seguindo o meu caminho. Mais para frente, eu liguei de novo e daí disseram que um avião provavelmente tinha batido num posto de gasolina e explodido. Daí a gente acionou o plano de catástrofe. Fui para a Secretaria, acionamos os hospitais, as equipes, e fomos para o local para montar um posto médico avançado e toda a estrutura que precisa para o atendimento de catástrofe."

"Normalmente a montagem é rápida: dependendo da região, 15 a 20 minutos. Para montar lá, levou quase uma hora pra gente ter o número de pessoas suficiente por causa da dificuldade de acesso à área do acidente, que estava isolada. Mas a montagem do posto avançado foi rápida. Em uma hora, a gente tinha 30 médicos da nossa equipe, que tem 50 no total."

"Quando tem um acidente desses, nós chamamos o centro dele de zona quente, que é a área onde aconteceu o acidente, de altíssimo risco, onde pode haver novas explosões, desabamentos etc. Ali, geralmente é o bombeiro que atua. Ele entra no local, faz uma triagem rápida e classifica as vítimas por cores, que indicam a gravidade da situação. A equipe médica fica na zona morna, próxima ao local do acidente, mas que já tem uma segurança maior. Depois disso, tem a zona fria, que está ao redor e que é a zona de segurança."

"A gente divide grupos pelas cores das gravidade das vítimas: vítimas verdes são vítimas leves que estão andando, as vítimas amarelas, que são de uma gravidade intermediária, e as vítimas vermelhas, que são as mais graves. A gente estabiliza esses pacientes e transfere para os hospitais. Então a gente monta toda uma estrutura de atendimento hospitalar que já existe na cidade no local, desde o posto de comando, o posto médico avançado, um local que vai designar para quais hospitais vão as vítimas."

"No caso do acidente da TAM, a zona quente era extensa e a grande maioria das vítimas estava na categoria preta, dos mortos."

"Os acidente aéreos com freqüência geram muito poucas vítimas sobreviventes. É muito comum ter um grande número de óbitos pela velocidade, quantidade de combustível, impacto, aceleração. Então, do ponto de vista do atendimento, não geram muita dificuldade técnica porque a grande maioria infelizmente acaba falecendo no local. O que eles geram de dificuldade é controlar o número de pessoas que vão para o local. Tem muita gente que não sabe onde pode entrar. Gente que tem pouca experiência com o atendimento na rua, que nunca entrou em uma área de escombros, nunca atendeu vítima no chão, o que gera até perigo para as pessoas."

"Por exemplo, o (desabamento do) Shopping de Osasco (em 1996), a Igreja de Osasco (em 1998), essas situações geram uma quantidade muito maior de vítimas vivas."

"Outra coisa é a emoção. É um tipo de acidente que gera muita comoção pelo número de mortos, pelo estado das vítimas, então isso também tem de ser controlado no pessoal que está lá porque a gente pode ter sobreviventes e a gente pode ter vítimas das equipes de atendimento. Então a gente tem de estar com o posto montado, em condições de atender, porque a qualquer momento pode ocorrer um novo acidente e a gente pode ter novas vítimas. A gente tem de estar constantemente em alerta, mesmo imaginando que a maioria das vítimas seja de óbitos."

"A gente sempre tem um lado que a emoção acaba pegando. Eu falo muito para o pessoal novo no treinamento que, na hora, durante o atendimento, a gente tem de tentar ser o mais técnico possível porque a nossa função lá é manter a vida do paciente em condições de ser operado, de chegar até o hospital. Se você ficar emocionado, se envolver emocionalmente com o atendimento, a chance que esse paciente teria de sobreviver, que é você dar esse atendimento, ele perde. Então deixar a emoção controlar a gente numa hora dessas é fazer diminuir a chance de sobrevivência da vítima. Depois que acabou, depois que passou o paciente para outro colega ou para o hospital, aí vale tudo. Pode chorar, pode se emocionar, fazer qualquer coisa.

"Nós temos de saber que o nosso objetivo lá é salvar o maior número de pessoas possível. Depois que acabou, aí a gente vai fazer terapia de grupo, o que for necessário. Inclusive tem equipes de psicólogos que trabalham com o estresse pós-traumático das equipes de emergência porque realmente é um grande investimento emocional para se manter controlado."

"É frustrante porque a gente está com uma grande equipe lá tentando montar tudo necessário para salvar vidas e a gente vê passar corpo, passar corpo, passar corpo. Você fala: ''gente, não dá''. A gente tá aqui, mas a gente vai ficar só para preservação do pessoal que está atendendo. Cada minuto que passa, a chance de ter alguém com vida lá dentro é menor. É frustrante ver passar uma quantidade enorme de corpos e saber que provavelmente não vai passar nenhum com vida para que a gente possa atuar e tentar ajudar."

"Todo ano a gente faz um grande treinamento de catástrofe no final do ano. Por ironia do destino, o último foi com um avião caindo numa favela. E na frente da favela tinha um posto de gasolina. O simulado foi muito parecido com o que aconteceu na realidade." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.





Fonte: BBC

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