Repórter News - reporternews.com.br
´China vai dominar indústrias´, diz economista chinês
RIO - Quando esteve no Brasil em maio de 2005, o economista chinês Dong Tao, do Credit Suisse em Hong Kong, disse em entrevista exclusiva ao Estado que “com oferta de trabalho ilimitada e capital em excesso, a China vai dominar indústrias, uma atrás da outra”. Cultor das frases de efeito, Tao, afirmava que “o mercado de trabalho na China é o mercado mais capitalista do mundo”, com jornadas de 14 horas, 7 dias por semana, nenhuma restrição a contratar e demitir e zero de proteção trabalhista.
Dois anos depois, em mais uma visita ao Brasil, Tao, um dos maiores especialistas do mundo na economia chinesa, deixa claro que o seu país está mudando em grande velocidade. Agora, a demanda por trabalho está elevando os salários, o governo começou a se preocupar com os direitos trabalhistas, os preços da comida e dos imóveis estão disparando, e a China já não é uma força deflacionária global.
Otimista em relação à economia chinesa, ele prevê a continuidade do crescimento entre 9% e 11% nos próximos anos, mas enxerga riscos na supervalorização das bolsas, nas eleições em Taiwan e na forma como os bancos são geridos. Para Tao, a fabulosa acumulação de reservas pela China vai continuar, o gigantesco superávit comercial não vai diminuir, e o governo Bush “vai ladrar, mas não morder” na arena das disputas comerciais. A razão é que o consumidor e as multinacionais americanas seriam os maiores prejudicados por sanções comerciais.
Para o Brasil, o economista tem ótimas notícias. A China vai aumentar suas importações de cereais, o que elevará ainda mais os preços das commodities agrícolas que o Brasil exporta. Ele prevê também um crescimento dos investimentos diretos chineses no Brasil.
Já em relação ao mundo, há uma má notícia: a China continuará uma campeã da poluição. A seguir, a entrevista concedida na última sexta-feira, no Copacabana Palace, no Rio, em meio a uma maratona de contatos com investidores e clientes do Credit Suisse.
Estado - Há uma bolha nas bolsas chinesas?
Parece haver uma forte valorização das bolsas chinesas, com um PL (relação entre o preço da ação e o lucro por cada ação) de 43, comparado a uma média global de 17. Mas eu acho que há um superaquecimento, e não uma bolha. E por quê? Porque a comparação com o PL do resto do mundo é irrelevante para o investidor chinês médio. A China tem uma conta de capitais fechada. Os chineses não podem comprar ações americanas, não podem comprar bônus britânicos, não podem comprar futuros de petróleo ou de milho. Por outro lado, a China tem uma taxa de poupança de 50% e taxas reais de juros negativas. É isto que garante uma valorização muito alta. Se a Microsoft fosse negociada na Bolsa chinesa, seria negociada num PL muito mais alto do que sendo negociada na Nasdaq.
Estado - Mas os fundamentos justificam a alta?
Temos que levar em consideração é que a China passou por muitas mudanças estruturais, o que não é comum para a média dos mercados acionários globais. A China aderiu à Organização Mundial do Comércio (OMC), a reforma bancária chinesa foi muito profunda. O imposto corporativo foi cortado de 33% para 25%. Os executivos das empresas começaram a receber opções de ações como pagamento. Todas estas coisas se traduzem em produtividade, em crescimento de lucros. O lucro das empresas chinesas no primeiro trimestre de 2007 cresceu 130% em termos anualizados. É um crescimento extraordinário, que eu não vejo acontecer em nenhum outro lugar no mundo.
Estado - Mas o governo chinês tem tomado medidas para conter a alta.
O governo está nervoso. É claro que os PLs estão muito altos. E outro problema é que há muito dinheiro inocente de chineses que nunca negociaram ações antes, e que não entendem os riscos das bolsas. Há aposentados levando a poupança de toda uma vida para o mercado de ações, sem nem ao menos saber como ler cotações. Há pessoas vendendo os seus apartamentos para apostar nas bolsas. Estas coisas são perigosas. Se houver uma reversão de tendência no mercado acionário, muita gente vai se machucar. E isto poderia levar à instabilidade social. É isto que está preocupando o governo em Pequim. E é por isto que Pequim vem tomando uma medida atrás da outra para tentar esfriar as bolsas. A minha interpretação disto é a de que o governo chinês não se importa que o preço das ações suba ainda mais, mas eles querem controlar o ritmo e a magnitude do aumento total de preço.
Estado - Qual será o impacto das Olimpíadas na economia chinesa?
As Olimpíadas não terão uma enorme influência. Os investimentos em Pequim representam menos de 2% do investimento chinês total em ativo fixo. Mesmo que Pequim duplique os seus investimentos, não é grande o suficiente para afetar o panorama.
Estado - Qual a sua visão das perspectivas econômicas da China?
A economia chinesa em geral está indo bastante bem, embora haja alguns sinais de super-aquecimento. A atividade acelerou em relação ao início deste ano e os investimentos em ativo fixo parecem muito fortes. Mas o governo tomou algumas medidas administrativas, cuja conseqüência foi uma desaceleração significativa dos novos empréstimos em maio. Eu acho que a economia chinesa nos próximos anos provavelmente manterá um intervalo de crescimento entre 9% e 11%. O nível de 11% é um exagerado, e pode trazer sinais de super-aquecimento.
Estado - E o setor externo?
O superávit comercial chinês é um tema explosivo. O setor exportador é extremamente competitivo, e continua a penetrar em novos mercados. Com a demanda doméstica acelerando, você imaginaria que o saldo comercial deveria diminuir, mas ele está aumentando. O que acontece é que parte da expansão da capacidade nos últimos três anos foi para a substituição de importações. Em 2004, cerca de 5% das importações de aço da China foram usadas para construir novas usinas siderúrgicas, e de outros tipos de metal. Agora, a nova capacidade instalada está entrando em operação. A China está se transformando de uma importadora para uma exportadora de aço. E isto amplia o superávit comercial. A China precisa de um crescimento das importações que seja o dobro do das exportações para que o superávit comece a diminuir. Eu não acho que isto vá acontecer.
Estado - A gigantesca acumulação de reservas pela China não pode se tornar um problema?
A experiência há alguns anos das crises no Brasil e nos países asiáticos mostra que ter muitas reservas é um problema relativamente bom, e não desagradável. Mas reservas excessivas podem ser prejudiciais, por criar muita liquidez nos mercados domésticos. A China continuará muito relutante em deixar a sua moeda se valorizar, a intervenção do governo no mercado cambial vai se manter pesada, e em conseqüência a acumulação de reservas prosseguirá. Nós prevemos US$ 2 trilhões em reservas em 2011.
Estado - E a questão da rentabilidade das reservas?
O retorno médio das reservas chinesas no ano passado foi de menos de 4%, uma rentabilidade muito baixa, com aplicações em bônus, especialmente em títulos do tesouro americano. Se a China puder duplicar o retorno para 8%, o que é não difícil para a maioria dos gestores profissionais de fundos, o dinheiro extra obtido em cima de US$ 1,3 trilhão em reservas será equivalente a uma vez e meia o orçamento nacional de educação da China. Então a oportunidade perdida, ao se colocar dinheiro nos títulos do Tesouro americano, é tremenda.
Estado - A China pode sair bruscamente da sua posição de títulos americanos?
Não. A China quer melhorar o retorno das reservas, mas levará tempo para reduzir as aplicações em papéis do Tesouro dos EUA. A razão número um é que este é um tema muito sensível do ponto de vista político. Se a China sair vendendo os títulos do Tesouro, outros bancos centrais da Ásia farão o mesmo, países com petrodólares também, e isto vai elevar os juros e as taxas das hipotecas americanas. Isto prejudicaria de verdade a economia americana, e prejudicaria as exportações chinesas. Além disso, haveria o risco de uma guerra econômica com os Estados Unidos. Eu não acho que Pequim queira este cenário.
Estado - E quais são as outras razões?
A segunda é que não há liquidez. É muito diferente comprar US$ 1.000 em ações, ou comprar US$ 1 bilhão em ações. É impossível comprar US$ 1 bilhão em ouro no mercado à vista. São volumes grandes demais para que a China simplesmente entre nos diversos mercados comprando. A terceira razão está ligada à capacitação dos chineses. A capacitação da China para gestão de recursos ainda é muito incipiente. Há 200 profissionais gerindo US$ 1,3 trilhão em reservas, US$ 6 bilhões por pessoa. E eles são muito mais especializados em bônus do que em ações. Então é uma mudança que toma tempo.
Estado - A China permanece como uma força deflacionária global?
Há um índice de preços de importações chinesas nos Estados Unidos, que mostra que em maio, pela primeira vez desde que existe esta série, a China exportou inflação para os Estados Unidos. Isto é muito importante porque a China tem sido a causa básica da desvinculação global entre a inflação ao produtor e ao consumidor. Os preços do petróleo e das commodities subiram, mas o índice global de preços ao consumidor não se moveu. Isto acontece porque a produção dos países mudou-se para a China, e então quem tem que pagar por aquela alta são os exportadores chineses e não o bolso dos consumidores mundo afora. Mas isto provavelmente está deixando de acontecer. O aumento do preço da comida na China é fenomenal, os aumentos nos aluguéis são fenomenais, os salários estão subindo. E isto terá implicações globais. O fator China provavelmente representará mais um choque para o quadro global da inflação nos próximos meses. A alta das taxas de juros pode ser maior do que a que os mercados prevêem.
Estado - A China continua tendo uma oferta quase ilimitada de trabalho?
Ainda há muita oferta de trabalho, mas para que ela seja usada agora, os salários têm de subir. Os salários no setor de manufaturas tiveram taxas de crescimento de dois dígitos nos últimos três anos, e neste ano elas parecem estar acelerando. Além disso, a China acaba de introduzir uma nova lei trabalhista. Não prevejo efeitos de curto prazo, porque o salário mínimo foi fixado num nível muito baixo, mas é algo importante a médio prazo. A China não tinha nenhum tipo de proteção trabalhista, o que é espantoso para um país socialista. Mas isto está mudando, e no médio prazo deve elevar o custo do trabalho.
Estado - Como o sr. vê as pressões americanas contra o superávit comercial chinês?
Eu espero muito barulho do Congresso americano. Nós estimamos que há 21 projetos de leis com sanções contra a China no Senado americano, e 19 na Câmara dos Deputados. A China atrai mais atenção dos protecionistas nos Estados Unidos do que todo o resto do mundo combinado. À medida que as eleições nos Estados Unidos vão se aproximando, a China torna-se o alvo que os políticos americanos adoram detestar. Mas eu prevejo que apenas pequenas sanções seja aprovadas, e que o governo Bush prossiga em sua estratégia de ladrar muito, mas não morder.
Estado - Por quê?
Se realmente houvesse grandes sanções, não seriam apenas os exportadores chineses os prejudicados, mas também os consumidores americanos, que veriam aumentos no Wal-Mart, na Dell, na Motorola, na Toy-R-Us (rede americana de lojas de brinquedo). Uma parcela de 70% das exportações chinesas são iniciadas pelas multinacionais americanas. Eles são os que mais estão fazendo dinheiro. Uma boneca Barbie feita na China tem um custo de produção é de US$ 1,50, e os produtores chineses ganham US$ 0,50. Mas o preço de venda nos Estados Unidos é de US$ 19,99. Se qualquer tipo de sanção comercial materializar-se, as corporações americanas e os consumidores americanos vão ser prejudicados tanto quanto os exportadores chineses. A relação econômica entre a China e os Estados Unidos é muito mais imbricada do que o eleitor médio americano ou os políticos acreditam.
Estado - A política cambial chinesa pode mudar?
Eu acho que a valorização da taxa de câmbio chinesa pode mover-se ligeiramente mais rápido. Eu projeto uma valorização anual de 5% a 7% contra o dólar, que, por sua vez está perdendo valor. Então, de fato, é uma valorização até menor, em relação a uma cesta de moedas.
Estado - Por que o governo chinês resiste tanto à valorização do renminbi?
Do ponto de vista econômico, o custo de não permitir que a taxa de câmbio se valorize é muito alto. Isto cria liquidez excessiva, e o custo doméstico é muito alto. Mas o governo teima em achar que a valorização do câmbio é ruim, porque tem uma recordação vívida do acordo Plaza do Japão,em1985 (quando o Japão aceitou que o ien se valorizasse ante o dólar), e da subseqüente década perdida do Japão nos anos 90.
Estado - Esta preocupação se justifica?
Eu diria que a valorização do câmbio na China seria positiva, e deveria acontecer. Os ganhos de produtividade da China são muitos mais rápidos do que o do resto do mundo. O crescimento da renda chinesa é muito mais rápido do que o do resto do mundo. Então a valorização da taxa de câmbio é natural. Se você força a taxa nominal de câmbio a não valorizar, a taxa de câmbio real vai se valorizar, o que significa que a inflação vai subir, os salários vão subir, e haverá uma bolha de ativos financeiros. A lição do Japão não é a de que a valorização do câmbio é prejudicial, mas de que o Banco Central tem que ser mais disciplinado para gerir a liquidez. O Japão teve uma geração maciça de liquidez em meados dos anos 80. O Banco Central demorou a lidar com esta liquidez, o que criou a bolha de ativos.
Estado - Quais são os principais riscos para a economia chinesa?
O maior risco nos próximos anos é o mercado de ações. Eu não acho que seja uma bolha, mas a alta valorização traz o risco de que, caso o mercado tenha uma queda drástica, o consumo possa ser prejudicado, o crescimento afetado e os bancos terem problemas de crédito. O segundo maior risco é a relação com Taiwan, que tem eleições em 2008. Será uma batalha muito quente, e o atual partido no poder provavelmente usará uma agenda de independência para ganhar as eleições. Se isto acontecer, há um risco de aumento da tensão e os mercados podem começar a se preocupar com uma possível guerra através do estreito de Taiwan. Do médio prazo em diante, nos próximos dois a três anos, eu acho que o maior risco é o setor bancário chinês. No curto prazo ele declinou, porque os bancos abriram o capital e os indicadores de adequação de capital melhoraram. Mas, mesmo com a melhora dos balanços, não está muito claro para mim que os comportamento dos bancos mudou. Se isto não mudou, uma casa limpa pode ser bagunçada novamente.
Estado - Como o sr. vê as relações entre o Brasil e a China?
Eu estou confiante de que a China terá um papel cada vez mais importante para o Brasil. A China vai aumentar a importação de grãos, o que é benéfico para o Brasil, mas eu acho que não se limita a isto: ela vai aumentar também os investimentos diretos no Brasil. Não há no mundo duas economias com tanta complementaridade quanto o Brasil e China.
Estado - Qual o papel da China na rodada Doha?
É no melhor interesse da China manter a globalização, e o sistema de livre-comércio. Mas a China não tem sido muito ativa nas negociações, diferentemente da Índia e do Brasil. Como a China já é vista como o vilão do superávit comercial, ela está evitando ser ativa demais.
Estado - Qual a sua opinião sobre a questão ambiental na China?
Eu sou natural da China, tenho um passaporte chinês, considero a China minha terra natal, mas toda vez que eu visito cidades chinesas, eu realmente me sinto inconfortável com a poluição atmosférica. Nove de cada dez cidades com ar poluído do mundo estão na China. Isto é um efeito colateral infeliz da industrialização. As coisas poderiam ter sido evitadas, mas a estrutura política da China foi feita de um jeito que os governos locais se preocupam mais com o PIB do que com a poluição. Enquanto eu sou otimista em relação às perspectivas econômicas da China, sou pessimista em relação a qualquer solução rápida da poluição chinesa. Os custos serão altos em termos de mortes ligadas a questões ambientais, em termos de custos médicos no futuro, mas eu não vejo uma solução imediata para isto.
Estado - As pressões do resto do mundo não poderiam fazer a China se mexer na questão ambiental?
Nenhuma pressão do resto do mundo pode levar a China a fazer qualquer coisa, se o governo chinês não se sentir fortemente inclinado a fazê-la para o seu próprio benefício. Isto se provou correto com a política cambial, e se provará correto com a proteção do meio ambiente. Eu percebo o governo central cada vez mais consciente da questão ambiental, tentando fazer alguma coisa. Mas o problema com os governos locais não foi resolvido. A razão pela qual nós vemos o problema ambiental se reduzir em muitos países ocidentais é em parte por causa da democracia. Se a poluição ambiental estiver ruim, o prefeito pode perder o poder nas urnas. Na China, a remoção ou promoção do prefeito depende do seu desempenho em termos de PIB. Então eles vão impulsionar a produção ao custo de poluição. Os chineses que estão sofrendo com o ar poluído, a má qualidade da água, não tem o poder do voto.
Estado - Por falar nisso, há alguma chance da China caminhar para a democracia?
Estamos vemos algumas melhoras no processo geral de tomada de decisão, na estrutura política, mas lentamente. Mas eu também acredito que o mundo tem vários formatos de democracia. Eu acho que a democracia nos Estados Unidos é diferente da democracia na Alemanha, que é diferente da do Brasil ou da Índia. Eu suspeito que a China seguirá o modelo do Leste asiático, que é o de ter um partido governante no poder por um longo período de tempo. O país vai focar no crescimento econômico e não no multipartidarismo. Não se esqueça que o Japão foi um país com um partido apenas no poder até os anos 90. A Coréia e Taiwan tinham ditaduras até o final dos anos 80. Só depois do crescimento da classe média, só depois que a proteção dos direitos de propriedade tornou-se um tema muito importante, estes países do Leste asiático moveram-se para as suas formas de democracia. Acho que o processo democrático vai seguir o modelo do Leste asiático, e não o americano.
Dois anos depois, em mais uma visita ao Brasil, Tao, um dos maiores especialistas do mundo na economia chinesa, deixa claro que o seu país está mudando em grande velocidade. Agora, a demanda por trabalho está elevando os salários, o governo começou a se preocupar com os direitos trabalhistas, os preços da comida e dos imóveis estão disparando, e a China já não é uma força deflacionária global.
Otimista em relação à economia chinesa, ele prevê a continuidade do crescimento entre 9% e 11% nos próximos anos, mas enxerga riscos na supervalorização das bolsas, nas eleições em Taiwan e na forma como os bancos são geridos. Para Tao, a fabulosa acumulação de reservas pela China vai continuar, o gigantesco superávit comercial não vai diminuir, e o governo Bush “vai ladrar, mas não morder” na arena das disputas comerciais. A razão é que o consumidor e as multinacionais americanas seriam os maiores prejudicados por sanções comerciais.
Para o Brasil, o economista tem ótimas notícias. A China vai aumentar suas importações de cereais, o que elevará ainda mais os preços das commodities agrícolas que o Brasil exporta. Ele prevê também um crescimento dos investimentos diretos chineses no Brasil.
Já em relação ao mundo, há uma má notícia: a China continuará uma campeã da poluição. A seguir, a entrevista concedida na última sexta-feira, no Copacabana Palace, no Rio, em meio a uma maratona de contatos com investidores e clientes do Credit Suisse.
Estado - Há uma bolha nas bolsas chinesas?
Parece haver uma forte valorização das bolsas chinesas, com um PL (relação entre o preço da ação e o lucro por cada ação) de 43, comparado a uma média global de 17. Mas eu acho que há um superaquecimento, e não uma bolha. E por quê? Porque a comparação com o PL do resto do mundo é irrelevante para o investidor chinês médio. A China tem uma conta de capitais fechada. Os chineses não podem comprar ações americanas, não podem comprar bônus britânicos, não podem comprar futuros de petróleo ou de milho. Por outro lado, a China tem uma taxa de poupança de 50% e taxas reais de juros negativas. É isto que garante uma valorização muito alta. Se a Microsoft fosse negociada na Bolsa chinesa, seria negociada num PL muito mais alto do que sendo negociada na Nasdaq.
Estado - Mas os fundamentos justificam a alta?
Temos que levar em consideração é que a China passou por muitas mudanças estruturais, o que não é comum para a média dos mercados acionários globais. A China aderiu à Organização Mundial do Comércio (OMC), a reforma bancária chinesa foi muito profunda. O imposto corporativo foi cortado de 33% para 25%. Os executivos das empresas começaram a receber opções de ações como pagamento. Todas estas coisas se traduzem em produtividade, em crescimento de lucros. O lucro das empresas chinesas no primeiro trimestre de 2007 cresceu 130% em termos anualizados. É um crescimento extraordinário, que eu não vejo acontecer em nenhum outro lugar no mundo.
Estado - Mas o governo chinês tem tomado medidas para conter a alta.
O governo está nervoso. É claro que os PLs estão muito altos. E outro problema é que há muito dinheiro inocente de chineses que nunca negociaram ações antes, e que não entendem os riscos das bolsas. Há aposentados levando a poupança de toda uma vida para o mercado de ações, sem nem ao menos saber como ler cotações. Há pessoas vendendo os seus apartamentos para apostar nas bolsas. Estas coisas são perigosas. Se houver uma reversão de tendência no mercado acionário, muita gente vai se machucar. E isto poderia levar à instabilidade social. É isto que está preocupando o governo em Pequim. E é por isto que Pequim vem tomando uma medida atrás da outra para tentar esfriar as bolsas. A minha interpretação disto é a de que o governo chinês não se importa que o preço das ações suba ainda mais, mas eles querem controlar o ritmo e a magnitude do aumento total de preço.
Estado - Qual será o impacto das Olimpíadas na economia chinesa?
As Olimpíadas não terão uma enorme influência. Os investimentos em Pequim representam menos de 2% do investimento chinês total em ativo fixo. Mesmo que Pequim duplique os seus investimentos, não é grande o suficiente para afetar o panorama.
Estado - Qual a sua visão das perspectivas econômicas da China?
A economia chinesa em geral está indo bastante bem, embora haja alguns sinais de super-aquecimento. A atividade acelerou em relação ao início deste ano e os investimentos em ativo fixo parecem muito fortes. Mas o governo tomou algumas medidas administrativas, cuja conseqüência foi uma desaceleração significativa dos novos empréstimos em maio. Eu acho que a economia chinesa nos próximos anos provavelmente manterá um intervalo de crescimento entre 9% e 11%. O nível de 11% é um exagerado, e pode trazer sinais de super-aquecimento.
Estado - E o setor externo?
O superávit comercial chinês é um tema explosivo. O setor exportador é extremamente competitivo, e continua a penetrar em novos mercados. Com a demanda doméstica acelerando, você imaginaria que o saldo comercial deveria diminuir, mas ele está aumentando. O que acontece é que parte da expansão da capacidade nos últimos três anos foi para a substituição de importações. Em 2004, cerca de 5% das importações de aço da China foram usadas para construir novas usinas siderúrgicas, e de outros tipos de metal. Agora, a nova capacidade instalada está entrando em operação. A China está se transformando de uma importadora para uma exportadora de aço. E isto amplia o superávit comercial. A China precisa de um crescimento das importações que seja o dobro do das exportações para que o superávit comece a diminuir. Eu não acho que isto vá acontecer.
Estado - A gigantesca acumulação de reservas pela China não pode se tornar um problema?
A experiência há alguns anos das crises no Brasil e nos países asiáticos mostra que ter muitas reservas é um problema relativamente bom, e não desagradável. Mas reservas excessivas podem ser prejudiciais, por criar muita liquidez nos mercados domésticos. A China continuará muito relutante em deixar a sua moeda se valorizar, a intervenção do governo no mercado cambial vai se manter pesada, e em conseqüência a acumulação de reservas prosseguirá. Nós prevemos US$ 2 trilhões em reservas em 2011.
Estado - E a questão da rentabilidade das reservas?
O retorno médio das reservas chinesas no ano passado foi de menos de 4%, uma rentabilidade muito baixa, com aplicações em bônus, especialmente em títulos do tesouro americano. Se a China puder duplicar o retorno para 8%, o que é não difícil para a maioria dos gestores profissionais de fundos, o dinheiro extra obtido em cima de US$ 1,3 trilhão em reservas será equivalente a uma vez e meia o orçamento nacional de educação da China. Então a oportunidade perdida, ao se colocar dinheiro nos títulos do Tesouro americano, é tremenda.
Estado - A China pode sair bruscamente da sua posição de títulos americanos?
Não. A China quer melhorar o retorno das reservas, mas levará tempo para reduzir as aplicações em papéis do Tesouro dos EUA. A razão número um é que este é um tema muito sensível do ponto de vista político. Se a China sair vendendo os títulos do Tesouro, outros bancos centrais da Ásia farão o mesmo, países com petrodólares também, e isto vai elevar os juros e as taxas das hipotecas americanas. Isto prejudicaria de verdade a economia americana, e prejudicaria as exportações chinesas. Além disso, haveria o risco de uma guerra econômica com os Estados Unidos. Eu não acho que Pequim queira este cenário.
Estado - E quais são as outras razões?
A segunda é que não há liquidez. É muito diferente comprar US$ 1.000 em ações, ou comprar US$ 1 bilhão em ações. É impossível comprar US$ 1 bilhão em ouro no mercado à vista. São volumes grandes demais para que a China simplesmente entre nos diversos mercados comprando. A terceira razão está ligada à capacitação dos chineses. A capacitação da China para gestão de recursos ainda é muito incipiente. Há 200 profissionais gerindo US$ 1,3 trilhão em reservas, US$ 6 bilhões por pessoa. E eles são muito mais especializados em bônus do que em ações. Então é uma mudança que toma tempo.
Estado - A China permanece como uma força deflacionária global?
Há um índice de preços de importações chinesas nos Estados Unidos, que mostra que em maio, pela primeira vez desde que existe esta série, a China exportou inflação para os Estados Unidos. Isto é muito importante porque a China tem sido a causa básica da desvinculação global entre a inflação ao produtor e ao consumidor. Os preços do petróleo e das commodities subiram, mas o índice global de preços ao consumidor não se moveu. Isto acontece porque a produção dos países mudou-se para a China, e então quem tem que pagar por aquela alta são os exportadores chineses e não o bolso dos consumidores mundo afora. Mas isto provavelmente está deixando de acontecer. O aumento do preço da comida na China é fenomenal, os aumentos nos aluguéis são fenomenais, os salários estão subindo. E isto terá implicações globais. O fator China provavelmente representará mais um choque para o quadro global da inflação nos próximos meses. A alta das taxas de juros pode ser maior do que a que os mercados prevêem.
Estado - A China continua tendo uma oferta quase ilimitada de trabalho?
Ainda há muita oferta de trabalho, mas para que ela seja usada agora, os salários têm de subir. Os salários no setor de manufaturas tiveram taxas de crescimento de dois dígitos nos últimos três anos, e neste ano elas parecem estar acelerando. Além disso, a China acaba de introduzir uma nova lei trabalhista. Não prevejo efeitos de curto prazo, porque o salário mínimo foi fixado num nível muito baixo, mas é algo importante a médio prazo. A China não tinha nenhum tipo de proteção trabalhista, o que é espantoso para um país socialista. Mas isto está mudando, e no médio prazo deve elevar o custo do trabalho.
Estado - Como o sr. vê as pressões americanas contra o superávit comercial chinês?
Eu espero muito barulho do Congresso americano. Nós estimamos que há 21 projetos de leis com sanções contra a China no Senado americano, e 19 na Câmara dos Deputados. A China atrai mais atenção dos protecionistas nos Estados Unidos do que todo o resto do mundo combinado. À medida que as eleições nos Estados Unidos vão se aproximando, a China torna-se o alvo que os políticos americanos adoram detestar. Mas eu prevejo que apenas pequenas sanções seja aprovadas, e que o governo Bush prossiga em sua estratégia de ladrar muito, mas não morder.
Estado - Por quê?
Se realmente houvesse grandes sanções, não seriam apenas os exportadores chineses os prejudicados, mas também os consumidores americanos, que veriam aumentos no Wal-Mart, na Dell, na Motorola, na Toy-R-Us (rede americana de lojas de brinquedo). Uma parcela de 70% das exportações chinesas são iniciadas pelas multinacionais americanas. Eles são os que mais estão fazendo dinheiro. Uma boneca Barbie feita na China tem um custo de produção é de US$ 1,50, e os produtores chineses ganham US$ 0,50. Mas o preço de venda nos Estados Unidos é de US$ 19,99. Se qualquer tipo de sanção comercial materializar-se, as corporações americanas e os consumidores americanos vão ser prejudicados tanto quanto os exportadores chineses. A relação econômica entre a China e os Estados Unidos é muito mais imbricada do que o eleitor médio americano ou os políticos acreditam.
Estado - A política cambial chinesa pode mudar?
Eu acho que a valorização da taxa de câmbio chinesa pode mover-se ligeiramente mais rápido. Eu projeto uma valorização anual de 5% a 7% contra o dólar, que, por sua vez está perdendo valor. Então, de fato, é uma valorização até menor, em relação a uma cesta de moedas.
Estado - Por que o governo chinês resiste tanto à valorização do renminbi?
Do ponto de vista econômico, o custo de não permitir que a taxa de câmbio se valorize é muito alto. Isto cria liquidez excessiva, e o custo doméstico é muito alto. Mas o governo teima em achar que a valorização do câmbio é ruim, porque tem uma recordação vívida do acordo Plaza do Japão,em1985 (quando o Japão aceitou que o ien se valorizasse ante o dólar), e da subseqüente década perdida do Japão nos anos 90.
Estado - Esta preocupação se justifica?
Eu diria que a valorização do câmbio na China seria positiva, e deveria acontecer. Os ganhos de produtividade da China são muitos mais rápidos do que o do resto do mundo. O crescimento da renda chinesa é muito mais rápido do que o do resto do mundo. Então a valorização da taxa de câmbio é natural. Se você força a taxa nominal de câmbio a não valorizar, a taxa de câmbio real vai se valorizar, o que significa que a inflação vai subir, os salários vão subir, e haverá uma bolha de ativos financeiros. A lição do Japão não é a de que a valorização do câmbio é prejudicial, mas de que o Banco Central tem que ser mais disciplinado para gerir a liquidez. O Japão teve uma geração maciça de liquidez em meados dos anos 80. O Banco Central demorou a lidar com esta liquidez, o que criou a bolha de ativos.
Estado - Quais são os principais riscos para a economia chinesa?
O maior risco nos próximos anos é o mercado de ações. Eu não acho que seja uma bolha, mas a alta valorização traz o risco de que, caso o mercado tenha uma queda drástica, o consumo possa ser prejudicado, o crescimento afetado e os bancos terem problemas de crédito. O segundo maior risco é a relação com Taiwan, que tem eleições em 2008. Será uma batalha muito quente, e o atual partido no poder provavelmente usará uma agenda de independência para ganhar as eleições. Se isto acontecer, há um risco de aumento da tensão e os mercados podem começar a se preocupar com uma possível guerra através do estreito de Taiwan. Do médio prazo em diante, nos próximos dois a três anos, eu acho que o maior risco é o setor bancário chinês. No curto prazo ele declinou, porque os bancos abriram o capital e os indicadores de adequação de capital melhoraram. Mas, mesmo com a melhora dos balanços, não está muito claro para mim que os comportamento dos bancos mudou. Se isto não mudou, uma casa limpa pode ser bagunçada novamente.
Estado - Como o sr. vê as relações entre o Brasil e a China?
Eu estou confiante de que a China terá um papel cada vez mais importante para o Brasil. A China vai aumentar a importação de grãos, o que é benéfico para o Brasil, mas eu acho que não se limita a isto: ela vai aumentar também os investimentos diretos no Brasil. Não há no mundo duas economias com tanta complementaridade quanto o Brasil e China.
Estado - Qual o papel da China na rodada Doha?
É no melhor interesse da China manter a globalização, e o sistema de livre-comércio. Mas a China não tem sido muito ativa nas negociações, diferentemente da Índia e do Brasil. Como a China já é vista como o vilão do superávit comercial, ela está evitando ser ativa demais.
Estado - Qual a sua opinião sobre a questão ambiental na China?
Eu sou natural da China, tenho um passaporte chinês, considero a China minha terra natal, mas toda vez que eu visito cidades chinesas, eu realmente me sinto inconfortável com a poluição atmosférica. Nove de cada dez cidades com ar poluído do mundo estão na China. Isto é um efeito colateral infeliz da industrialização. As coisas poderiam ter sido evitadas, mas a estrutura política da China foi feita de um jeito que os governos locais se preocupam mais com o PIB do que com a poluição. Enquanto eu sou otimista em relação às perspectivas econômicas da China, sou pessimista em relação a qualquer solução rápida da poluição chinesa. Os custos serão altos em termos de mortes ligadas a questões ambientais, em termos de custos médicos no futuro, mas eu não vejo uma solução imediata para isto.
Estado - As pressões do resto do mundo não poderiam fazer a China se mexer na questão ambiental?
Nenhuma pressão do resto do mundo pode levar a China a fazer qualquer coisa, se o governo chinês não se sentir fortemente inclinado a fazê-la para o seu próprio benefício. Isto se provou correto com a política cambial, e se provará correto com a proteção do meio ambiente. Eu percebo o governo central cada vez mais consciente da questão ambiental, tentando fazer alguma coisa. Mas o problema com os governos locais não foi resolvido. A razão pela qual nós vemos o problema ambiental se reduzir em muitos países ocidentais é em parte por causa da democracia. Se a poluição ambiental estiver ruim, o prefeito pode perder o poder nas urnas. Na China, a remoção ou promoção do prefeito depende do seu desempenho em termos de PIB. Então eles vão impulsionar a produção ao custo de poluição. Os chineses que estão sofrendo com o ar poluído, a má qualidade da água, não tem o poder do voto.
Estado - Por falar nisso, há alguma chance da China caminhar para a democracia?
Estamos vemos algumas melhoras no processo geral de tomada de decisão, na estrutura política, mas lentamente. Mas eu também acredito que o mundo tem vários formatos de democracia. Eu acho que a democracia nos Estados Unidos é diferente da democracia na Alemanha, que é diferente da do Brasil ou da Índia. Eu suspeito que a China seguirá o modelo do Leste asiático, que é o de ter um partido governante no poder por um longo período de tempo. O país vai focar no crescimento econômico e não no multipartidarismo. Não se esqueça que o Japão foi um país com um partido apenas no poder até os anos 90. A Coréia e Taiwan tinham ditaduras até o final dos anos 80. Só depois do crescimento da classe média, só depois que a proteção dos direitos de propriedade tornou-se um tema muito importante, estes países do Leste asiático moveram-se para as suas formas de democracia. Acho que o processo democrático vai seguir o modelo do Leste asiático, e não o americano.
Fonte:
Estadão
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/217828/visualizar/
Comentários