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Internacional
Domingo - 27 de Maio de 2007 às 08:40

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Admiradora do espanhol Ramón Sampedro, cuja história conhece graças ao filme "Mar adentro", Li Yan tem 29 anos, sofre de uma grave doença degenerativa e, por meio de seu blog, transformou-se na primeira pessoa que pede a legalização da eutanásia na China.

Li, uma celebridade no país devido ao blog e a sua aparição na TV nacional há um mês, defende seu direito de "morrer dignamente" dentro de alguns anos, quando sua doença tiver impedido toda a mobilidade de seu corpo e sua mãe não estiver mais viva para cuidar dela.

Conforme relatou em entrevista concedida em sua casa de Yinchuan, Li continuará com o blog, tentará falar com os legisladores e pedirá que o país legalize a eutanásia, que em mandarim se chama "anlesi" ("morte tranqüila e feliz").

"Há uns 10 anos que a idéia da morte passa pela minha cabeça. O que mais me inquieta é pensar no futuro, pois um dia minha mãe não estará aqui para cuidar de mim. O que vou fazer então?", pergunta-se Li, enquanto sua mãe, a seu lado, concorda com a cabeça.

"Sofro muito ao ver que a cada dia posso me movimentar um pouco menos, mas, sobretudo, ao ver como o rosto da minha mãe está ficando cheia de rugas", conta a jovem.

Li sofre de distrofia muscular progressiva, doença que a obriga a usar uma cadeira de rodas desde os seis anos e no futuro poderia impedir até sua respiração.

Ela consegue movimentar cabeça, mãos e dedos - o que lhe permite escrever o blog, pintar e mexer ligeiramente o corpo para se acomodar quando está sentada.

Conta que à noite sonha que pode caminhar e sai de salto alto na rua.

A jovem de Ningxia - uma das regiões mais distantes da China - não apresenta nenhum sintoma de depressão: sorri com facilidade e tem ânimo para um dia "ocupadíssimo", como ela diz.

Quando não escreve o blog ou estuda formas de continuar sua campanha pró-eutanásia, dedica-se a pintar quadros pelo computador de forma detalhista. Em breve, Li vai expô-los em sua cidade.

Por tudo isso, Li afirma que seu desejo de morrer dignamente está adiado enquanto: "Não suportaria que minha mãe sofresse; enquanto ela viver e eu puder me movimentar um pouco, continuarei aqui, mas lutando por uma morte sem dor".

No entanto, a jovem nem sempre pensou assim. Há alguns anos, durante uma discussão com a mãe por causa de suas idéias, ela decidiu deixar de comer e morrer de fome.

Permaneceu assim por 36 horas, mas ao ver como sua mãe sofria, voltou a comer e prometeu que não tentaria algo assim novamente.

"Sou a favor da luta da minha filha para legalizar a eutanásia, mas enquanto viver não deixarei de cuidar dela", diz sua mãe, de quase 60 anos, enquanto chora.

Acrescenta que nunca buscou nem quis ajuda de assistentes sociais - profissão quase não existente na China - nem de outra classe: "O amor de uma mãe é insubstituível, e há certas coisas que só eu posso dar a minha filha", afirma.

Li Yan pensa como ela, e diz que nada lhe fará mudar sua postura no futuro: "Seria bom se a China dedicasse mais à assistência social, mas não é o que necessito", explica.

Li está muito interessada na vida de Ramón Sampedro, o tetraplégico espanhol que em 1998, após muitos anos de luta por uma morte digna, gravou em vídeo seus últimos momentos para pedir publicamente o direito de escolher sua morte e a não perseguição judicial das pessoas que lhe ajudaram na aplicação da eutanásia.

"Sinto que Ramón e eu compartilhamos a mesma dor, embora nossas circunstâncias sejam diferentes. Somos almas gêmeas", afirma Li. Ela destaca que seus 29 anos coincidem com o tempo em que Sampedro esteve preso a uma cama, após o acidente que sofreu aos 25.

Li rejeita que seu caso e o de Sampedro sejam diferentes, apesar de o espanhol não ter sofrido de doença degenerativa. "Nós dois enfrentamos o mesmo problema: temos um copo ao lado e não podemos nos esticar para alcançá-lo. Como ele, minha dor é, sobretudo, interior", resume.

A China não tem grupos pró-vida ou associações religiosas radicalmente contra a eutanásia ou o aborto, mas, segundo Li, ainda há muitos impedimentos que não permitem a implantação de uma lei que lhe permita morrer quando decidir.

"Algumas tradições ainda têm muito peso. E compreendo que o Governo tenha medo de que se abuse de uma legislação assim. Eu não sou especialista em leis, não vou redigir uma, mas quero chamar a atenção sobre sua necessidade", diz.

Li dá a si mesma 10 anos para tentar convencer a opinião pública e os legisladores, ou contribuir para isso. Para então, se a eutanásia estiver legalizada na China, morrer "tranqüilamente, como em um sonho". "Se não, não sei o que acontecerá, mas garanto que será muito doloroso", diz com inquietação em sua voz.




Fonte: EFE

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