25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão
Esse novo movimento estudantil apareceu há 20 dias, quando 120 alunos dirigiram-se à reitoria da universidade para entregar um documento com reivindicações. Como não encontraram a reitora Suely Vilela, que estava viajando, resolveram invadir o local --assim, meio na louca. E a coisa começou a crescer, sem controle, e sem interlocutores.
União Nacional dos Estudantes, que foi presidida pelo atual governador José Serra nos idos de 1964, União Estadual, Diretório Central dos Estudantes e muitos centros acadêmicos, as organizações estudantis tradicionais nem são mencionadas nas conversas. Não existem para essa mobilização, senão como "obstáculos" que foram necessários ultrapassar. O aluno de letras Marcelo explica: "Eles foram contra a ocupação da reitoria e ficaram negociando nas nossas costas".
"Caminhando e cantando"
Ontem, o carro de som estacionado bem na frente da invasão tocava a trilha sonora do pessoal. "Eu sou a mosca que pousou na sua sopa" e "Plunct, plact, zum, não vai a lugar nenhum", as duas canções de Raul Seixas, alternavam-se com todas as músicas antigas de Chico Buarque, com especial destaque para "Apesar de Você", e "Pra não Dizer que não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, hinos da resistência democrática nos anos do regime militar. Túnel do tempo?
Quem, há 25 anos, em 1982, quando a reitoria da USP também foi invadida, imaginaria um estudante levando sua mãezinha para ver como os companheiros se comportavam bem na luta? Pois foi isso o que o aluno Luiz, do segundo ano de história, fez: levou a mãe, conflito geracional nenhum, para checar como tudo estava organizado na reitoria, apesar da invasão. "Ela gostou muito do que viu", garante ele.
Ontem, em visita ao prédio ocupado, os estudantes que ciceroneavam a reportagem da Folha fizeram questão de mostrar os banheiros da reitoria. "Tudo limpinho, você está vendo", disseram. Estava mesmo. Os jardins internos do prédio, de tão bem cuidados, mereceram elogios do jardineiro responsável, que foi preocupado ao local só para checar as perdas e danos da invasão. Em vez disso, fez questão de parabenizar o aluno que o estava substituindo tão bem.
O pessoal faz cara de mau quando alguém da "imprensa burguesa" (como muitos consideram, por exemplo, a Folha) pede entrevista. Dura pouco. Foi só a comissão de mobilização avisar que mais uma assembléia ia começar para um grupo de jovens músicos (duas flautas doces, uma clarineta, um violino, um cavaquinho e dois pandeiros) começar a tocar "Se esta rua, se esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar".
Cinco grandes rodas concêntricas, formadas por adolescentes de mãos dadas, começaram a dançar. Então vieram um Caetano velho, ainda bucólico, "Asa Branca", de Luiz Gonzaga, e o hit "Apesar de Você", sempre ele. Aquecida pela coreografia, a assembléia, então, finalmente se iniciou.
Cama coletiva
Há muitos negros na invasão, como não se via na de 25 anos atrás. Se antes ingressavam na universidade 4.000 novos alunos por ano, hoje são 10 mil. Cabelões black de todas as formas, os universitários do grupo "OcupAção Afirmativa" refletem a abertura pela qual passou a USP no último quarto de século. Mas eles querem mais.
O politicamente ultracorreto domina. No amplo saguão que antecede a sala do Conselho Universitário, onde estão distribuídos os colchões em que os invasores dormem, tudo é de todos. A estudante Alba Marcondes explica: "Chegou, encontrou o colchão vazio, qualquer um, então pode se deitar".
Bebidas alcoólicas e drogas não entram no prédio. Quem quiser, que consuma fora. Cigarros só em locais abertos, como o saguão da reitoria, ao lado do busto de Nicolau Copérnico, em que foi afixado o cartaz: "Também apóio a ocupação".
Todos comem a mesma comida, feita por outra comissão de alunos. Ontem, o cardápio do almoço foi arroz branco, batata cozida e lingüiça frita. Acompanhava um minicopinho (desses de café) de suco de caju. Ninguém reclamava.
E sexo? Luís conta que um velho militante de 25 anos passados, ao visitar a invasão atual, notou um certo ar "careta" nos meninos e perguntou "Pô, nem sexo, nem drogas, nem rock and roll? Que merda vocês estão fazendo?" Marcelo, aluno da escola de ciências sociais, emenda, pensativo: "A gente não sabe muito o que é ser rebelde. Só sabe que é contra o decreto do Serra. O resto, estamos aprendendo".
Clandestinidade
Lá fora, a USP, naquele que é o seu centro geográfico de poder, o conjunto da reitoria, parece o centro comunitário de um pedaço da periferia. O prédio em obras, o matagal crescendo nos canteiros do conjunto residencial (onde moram alunos carentes), as lonas improvisadas, proteção para a chuva, como em um acampamento de sem-teto, os pneus empilhados à guisa de barricada, as muitas pichações ("Ocupe a Reitoria que Existe em Você" é uma delas), uns tantos bêbados em volta, um pequeno comércio de doces e camisetas.
Os estudantes em tempos de democracia não gostam de mostrar rostos nem declinam nomes. Identificam-se por um prenome, às vezes confessando, antes que se pergunte, que é falso. Temem punições administrativas, que podem chegar à expulsão do quadro discente.
Há 25 anos, a ditadura ainda existia no país --era o governo do general João Baptista Figueiredo (1918-1999)--, mas a confiança do movimento estudantil era tamanha que todos queriam aparecer. Um grupo de alunos do Instituto de Física, então uma das escolas mais ativas da USP, como lembra o ex-aluno Olavo Tomohisa Ito, 48, hoje professor universitário, fez questão de "tomar posse" da sala do Conselho Universitário, afixando, gigantesca, uma faixa com os dizeres "Espaço Marcelão", em homenagem a um colega que até pelo tamanho não conseguia se manter incógnito. Ninguém queria mais a clandestinidade.
Nesses dias de invasão, uma parte da turma de 25 anos atrás fez questão de ir ver como os meninos de hoje estão levando a coisa. Julio Cesar, ex-aluno de ciências sociais e atualmente na Faculdade de Educação, ontem ajudava o pessoal da comissão de alimentação. Outros da mesma época levavam doações de mantimentos.
Comentários