Calor faz 18% da Amazônia virar savana
O veredicto: até 18% da área que hoje é mata deve virar uma vegetação rala, semelhante ao cerrado. Com o clima mais seco, a savana tende a crescer. "Pelo estudo, a floresta amazônica vai ganhar 30,4% de savana no período entre 2090 e 2099", disse à Folha Luís Salazar, pesquisador do Inpe. Ele assina o estudo, a ser publicado na revista "Geophysical Research Letters", ao lado de Carlos Nobre e Marcos Oyama.
Salazar explica que a aparente discrepância entre os dois números se deve ao fato de que as duas formações não têm o mesmo tamanho; a área de mata é muito maior. No período que vai de 2020 a 2029, a savana deve crescer 5,2% no norte do Brasil. Em meados do século, de 2050 a 2059, esse crescimento será de 15,6%. O processo de "savanização" tende ser maior na porção leste da Amazônia.
A projeção do Inpe foi feita com base em dois cenários do IPCC, que projetam o futuro do planeta com base em dados estimados de população, consumo e uso de energia. Um deles, o chamado A2 --o mais pessimista de todos- prevê um aumento de temperatura média para o planeta entre 2C e 6C.
O outro cenário, o B1, é bem mais otimista. Nele, com a temperatura subindo entre 1C e 4C, a savana deverá ocupar uma área menor de floresta, de 13,9%, no período que vai de 2090 a 2099. Para os outros dois intervalos de tempo analisados, respectivamente, o aumento será de 4,3% e de 8,7%.
"Além da temperatura em si, a umidade do solo e os períodos secos também são importantes nesse processo de perda da floresta", explica Salazar, que veio da Colômbia para o Inpe.
Os estudos apresentados agora não levam em conta a ação direta do homem sobre a floresta, que poderia ser medida pelo desmatamento. "Indiretamente, o efeito antrópico está presente nas emissões de carbono que geram o aumento de temperatura", lembra Salazar.
A pesquisa mostra que as áreas que serão ocupadas pela savanas são as mesmas que hoje estão cobertas pela floresta tropical. No período de 2090 a 2099, no caso do cenário em que o aquecimento é maior, 18% da floresta some. Entre 2020 e 2029, a queda será de 3,1%, e, entre 2050 e 2059, a redução florestal será de 9,3%, diz o estudo.
Este não é o primeiro estudo a mostrar a tendência de savanização da Amazônia. O efeito havia sido previsto em modelos pela primeira vez em 2004, por Oyama e Nobre. Foi sugerido de forma independente por Steven Wofsy e Lucy Hutyra, da Universidade Harvard, e, antes disso, prenunciado por Daniel Nepstad e Paulo Moutinho num estudo que simulava El Niños numa pequena área de mata no Pará.
Porém, enquanto as pesquisas anteriores consideravam a tendência da vegetação a mudar devido a eventos climáticos extremos ou ao desmatamento, esta é a primeira a incorporar os dados da mudança do clima ao longo de um determinado intervalo de tempo.
O mapa apresentado no estudo do Inpe faz saltar aos olhos outra novidade, desta vez positiva para a floresta atlântica.
"Nosso trabalho mostra uma tendência de crescimento da mata atlântica mais ao sul do Brasil. O clima tende a ficar mais propício para a manutenção dela", explica Salazar. "Mas nosso modelo não considera, em absoluto, nenhum efeito antrópico direto", diz.
Mesmo o clima sendo favorável para que a mata atlântica cresça até mesmo dentro do território uruguaio, a previsão que saiu dos modelos do Inpe poderá não se confirmar por causa do outro lado da balança. O desmatamento, processo que reduziu o bioma para apenas 7% da sua formação original, deverá impedir que as condições ótimas do clima prevaleçam neste século.
Outro estudo apresentado em fevereiro, feito na Unicamp, mostrou que o grau de desequilíbrio na floresta atlântica é tão grande que o efeito estufa poderá reduzi-la ainda mais.
Os cálculos mostram que até 60% de todo o ecossistema pode desaparecer. A pesquisa também levou em consideração dados do IPCC.
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