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Nacional
Sábado - 21 de Abril de 2007 às 21:44

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Estão agendados, para este ano, quatro encontros para dar seqüência à 1ª Cúpula América do Sul – Países Árabes que reuniu em Brasília, em maio de 2005, 34 países – 12 nações sul-americanas e os 22 países que integram a Liga Árabe. Responsável pela área, o ministro Ánuar Nahes, coordenador do Seguimento da Cúpula América do Sul-Países Árabes no Ministério das Relações Exteriores, concede entrevista exclusiva sobre as tentativas de aproximação entre os dois blocos. Confira, a íntegra da entrevista.

Agência Brasil: O que avançou desde a 1ª Cúpula? Ainda há muito a fazer?

Ministro Ánuar Nahes: Planos político, comercial e cultural avançaram bastante. Noto uma certa barreira ainda na área de ciência e tecnologia. O Brasil já cumpriu com sua promessa, houve um seminário preparatório para a Cúpula, em 2004. Os peritos que se reuniram fizeram uma série de recomendações para uma operação científico-tecnológica que foram aceitas pelos chefes de estado e figuram na Declaração de Brasília. A principal destas recomendações foi construir um site, na área de ciência e tecnologia, que fosse um veículo para maior conhecimento das instituições nestes países e troca de informações entre peritos. Já fizemos o site, está no ar, é bom. Temos agora que lidar com dois problemas. Primeiro,como vai ser a operação no Brasil, que estamos discutindo. E em La Paz, na próxima reunião de Altos Funcionários, vamos discutir como vai ser o gerenciamento internacional disso.

ABr: Quais países sul-americanos mais avançaram nessa cooperação?

Nahes: O Brasil é o país que está mais avançado, por algumas razões. Primeiro, por ter sido o mentor e executor da idéia da Cúpula [entre América do Sul e Países Árabes]. Segundo, por ser, de longe, a maior economia dos dois blocos. Terceiro, por ter a maior rede de embaixadas nos países árabes de toda a América do Sul. Quarto, por já ter o maior volume de comércio com o mundo árabe. Quinto, por ter a maior comunidade de origem árabe. Tudo isso credencia o Brasil a ter, naturalmente, esta função de liderança no processo de seguimento da Cúpula.

ABr: E os demais países?

Nahes: Depois do Brasil, a Venezuela é o país que mais tem se envolvido por um motivo simples: já tem contatos tradicionais com o mundo árabe por causa do petróleo. A Argentina está participando, com o Marrocos, da criação de um instituto de pesquisas sobre a América do Sul no Marracos. Paraguai e Uruguai desde o começo disseram têm tido oportunidade de fazer negócios que jamais teriam de outra maneira. Nem todos participam com a mesma intensidade por causa de seus interesses, suas prioridades, isso é normal, mas todos participam de todas as reuniões.

Desde o primeiro momento, os dois blocos tinham plena consciência de que cada um tinha suas prioridades. Nossa prioridade é a integração da América do Sul. A prioridade dos árabes é a integração do mundo árabe, as relações com a Europa. Essa aproximação foi feita com profundo realismo. Por enquanto não somos prioridade um do outro. Com esse raciocínio, os países vão operando na medida de seus interesses e possibilidades.

ABr: Especialistas dizem que o interesse dos países sul-americanos, nessa associação bi-regional, é prioritariamente comercial, enquanto o interesse dos árabes é político. É isso mesmo?

Nahes: Sim, é verdade. Nesse diálogo com a América do Sul, a importância do diálogo político, para os árabes, é sempre grande. Se há um desejo de cooperação bi-regional, isso tem que incluir cooperação política. Pouco a pouco isso foi ficando evidente. Os países árabes buscam, intensamente, mostrar ao mundo que são detentores de uma cultura muito rica e que os atos terroristas que ocorrem por meio de extremismo religioso não é , necessariamente, o que o mundo árabe deseja. No começo tivemos divergências quanto à linguagem empregada nas declarações políticas.

Não podíamos carregar demais nas tintas de uma declaração, como eles queriam, porque temos outros interesses. Na questão palestina, por exemplo, temos no Brasil uma comunidade judaica grande e influente que se dá muito bem com os árabes e nós queremos que se mantenha assim. Na Argentina é o mesmo. Eles entenderam perfeitamente isso. O diálogo político enriqueceu muito e hoje em dia, todo mundo sabe dos interesses de cada um, dos limites de cada um e dos objetivos de cada um. Isso é muito importante.

ABr: E quanto às oportunidades comerciais para os sul-americanos?

Nahes: Digamos que o comércio, claro, interessa muito à América do Sul por causa da complementaridade que existe entre as duas economias. Também interessa a atração de investimentos árabes. Os árabes, sobretudo os países do golfo, têm grandes reservas, e depois do atentado em Nova Iorque, em 2001, eles têm diversificado suas destinações de investimentos. A partir do momento em que os projetos de integração da América do Sul forem viáveis e abertos a investimentos estrangeiros eles poderão, sim, investir. São investidores potenciais.

ABr: No mês que vem, ministros da economia dos dois blocos se encontrarão no Marrocos. Além da questão comercial, onde mais é possível avançar no campo econômico? mercado financeiro, por exemplo, o que é possível fazer?

Nahes: É possível cooperação, pro exemplo, entre bancos de fomento. Existem bancos de fomento nacionais e regionais na América Latina. De repente, esses bancos podem se coordenar e criar um capital comum para investimento bi-regional, pro exemplo. Essa aproximação é de longo prazo. Nada acontece antes da maturidade.

ABr: Os árabes propuseram cooperação entre agencias reguladoras das duas regiões. Como seria essa cooperação?

Nahes: É para trocar experiências, informações entre países em grau similar de desenvolvimento. Trabalhei na Agencia Nacional de Energia Elétrica e recebemos delegações de Angola, da Coréia, dos Estados Unidos, Emirados Árabes..O mundo árabe já está desenvolvendo agências reguladoras, é a imposição do modelo neoliberal no mundo inteiro.

ABr: Quais as possibilidade de cooperação na área energética?

Nahes: O Brasil já importa petróleo deles há muito tempo. O Brasil vai construir gasodutos, é possível que eles queiram investir nisso. De repente podem plantar cana norte da África e a Embrapa pode ajudar porque tem tecnologia em produção de cana de açúcar em vários ambientes, desde dos mais úmidos aos mais secos... Não se sabe, isso só vai surgir com as trocas de idéias.

ABr: Há interesse dos árabes pela tecnologia de produção de biocombustíveis?

Nahes: Eles estão olhando, estudando. Isso vai ser objeto de um seminário preparatório à reunião do Marrocos. Nós convidamos o Ministério de Minas e Energia para fazer uma apresentação sobre energia em geral.

ABr: O relatório final da reunião de Altos Funcionários de países sul-americanos e árabes, realizada no Cairo (Egito), em janeiro, menciona a elaboração de uma agenda comum na área social. O que pode ser feito?

Nahes: Troca de experiências. Vou citar alguns exemplos. A Tunísia tem um programa de planejamento familiar extremamente bem-sucedido, a população estabilizou em 9 milhões de habitantes. Tem também um programa de financiamento e construção de casas que faz com que 80% da população tunisiana tenha casa própria. A Tunísia quase não tem analfabetismo. Certamente, eles têm algo a repartir com a gente.

Por outro lado, há programas bem-sucedidos no governo federal, como agricultura familiar e Fome Zero, que podem ser compartilhados com o mundo árabe.. Na Síria e no Líbano se tem bons exemplos de agricultura familiar. Os ministros de temas sociais vão se reunir no Cairo, nos dias 2 e 3 de maio, para discutir isso. Pelo nosso estágio de desenvolvimento, a gente sempre busca cooperação com os países mais desenvolvidos. Às vezes, nessa cooperação Sul-Sul, com países em desenvolvimento, há idéias boas e mais adequadas à nossa realidade. Então, vamos explorar isso.

ABr: Em fevereiro deste ano, em reunião em Nairóbi (Quênia), América do Sul e Países Árabes assinaram comunicado conjunto na área de meio ambiente. Quais as perspectivas nessa área?

Nahes: A frente ambiental é nova, acabou de ser aberta em Nairóbi, na reunião ministerial. Já está prevista uma reunião sobre desertificação e recursos hídricos na Arábia Saudita. A gente vai começar a discutir a questão ambiental nos temas mais concretos, esse vai ser o primeiro passo. São 22 países árabes e 12 sul-americanos, 34 países que podem ter uma voz mais ativa em foros internacionais.

ABr: É possível coordenar posições em organismos internacionais, como Organização Mundial do Comércio (OMC) e Banco Mundial, conforme proposto no plano de ação para implementação da Declaração de Quito (documento final da primeira reunião de Ministros da Economia e áreas afins das duas regiões, realizada em Quito, no Equador, em abril de 2006). Há interesses comuns entre as duas regiões?

Nahes: A idéia de cooperação nos foros internacionais, já está na Declaração de Brasília [documento final da 1ª Cúpula América do Sul-Países Árabes] e certamente vai ser um dos pontos de discussão da reunião de chanceleres que vai acontecer em Buenos Aires. Naturalmente, já há um maior conhecimento das políticas de cada um Na Cúpula de Brasília, por exemplo, os países concordaram que a América do Sul apoiaria os pleitos dos países árabes de adesão à OMC, e isso tem acontecido. .Já há uma predisposição para a aproximação. Temos que aumentar essa coordenação, quando houver interesses semelhantes, para termos uma voz mais ativa nos foros internacionais. É a cooperação Sul-Sul.

ABr: As duas regiões defendem a reforma das Nações Unidas. Os árabes apóiam o Brasil na demanda por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU?

Nahes: Depende do país, não há um consenso árabe.

ABr: Qual o objetivo da 2ª Cúpula?

Nahes: O objetivo desta Cúpula é não só colocar governo em contato, mas também agencias como a Embrapa, acadêmicos, empresários, ou seja, ai a criatividade humana vai permeando, nesse processo, a atividade diplomática é meio para fazer pontes. O brasil tem uma grande expertise na área de semi-árido, por exemplo, a Embrapa é um sucesso. Em todo o mundo árabe você tem histórias de sucesso em projetos de irrigação, de aproveitamento de terras áridas. A Arábia Saudita já chegou a ser um grande produtor de trigo em áreas secas. Então as oportunidades existem.





Fonte: Agência Brasil

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