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Quarta - 04 de Abril de 2007 às 09:53

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A Funai publicou no Diário Oficial da União, portaria que estabelece restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Fundação, na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, localizada no município de Colniza (1.065 Km de Cuiabá), até a publicação da homologação da demarcação.

A área é habitada por um grupo indígena autônomo (também chamado de “isolado”), que vive na floresta, sem relações diretas com a sociedade nacional, sofrendo ameaças de madeireiros que atuam na região. Considerada a cidade mais violenta do País, Colniza é também o centro geográfico do “arco do desmatamento” na Amazônia, o que põe em risco a sobrevivência do grupo. Funcionários da Funai que trabalham na região já relataram terem sofrido graves ameaças. De acordo com os dados coletados pelas equipes da Funai, é possível que o grupo indígena seja composto por pelo menos duas famílias, com uma população de 26 pessoas.

Há 34 posses declaradas na área, todas elas como títulos precários, a partir de cadeia forjada por Mário Soares Brandão e que se originaria em concessões de antigos seringais para o peruano Alejandro Lopes, na década de 1920. A região onde se insere a TI Rio Pardo exibe o maior índice (absoluto e proporcional) de desmatamento ilegal continuado na Amazônia brasileira. Compreendida pelo extremo noroeste do Mato Grosso, leste de Rondônia e o sul do Amazonas, concentra parte de um locus geográfico conhecido como “arco do desmatamento” e é o ambiente dinâmico de toda sorte de ilegalidades, já alvo de três operações do Departamento de Polícia Federal e IBAMA em 2005 (as operações “Curupira” I e II e “Pardo”) e uma da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (a “Operação Pica-Pau”).

Em 2001, a Funai interditou uma área que denominou Terra Indígena Rio Pardo para proteger um grupo de índios isolados descobertos por acaso por “pesquisadores” de madeira em 1999, nos contrafortes da Serra Grande (ou Morena), entre os rios Guariba e Aripuanã, no então distrito (hoje município) de Colniza, norte do Mato-Grosso, perto da divisa com o Amazonas.

Além de realizar atividades de proteção, a interdição da área visou dar condições para que a Funai realizasse os estudos antropológicos necessários para identificação da área efetivamente ocupada e necessária para a reprodução física e sociocultural daquele grupo indígena isolado. Entre junho de 1999 e outubro de 2006, as equipes da Frente de Proteção Etno-Ambiental Madeirinha, da Funai, realizaram cerca de 30 expedições na área interditada e fora dela, entre os rios Guariba e Aripuanã, localizando e identificando 45 acampamentos provisórios, duas malocas (habitações permanentes) e três capoeiras, registrando ainda o avanço da ação de madeireiros e de fazendeiros.

“Um conjunto de informações nos leva a considerar, com propriedade, que os assim chamados “isolados do rio Pardo” fazem parte dos povos chamados pela literatura antropológica de Kawahiva e aos quais também se filiam os Uru-Eu-Wau-Wau (Amondawa, Jureiy) e Karipuna (no noroeste de Rondônia), Parintintim, Tenharim, Diahói e Juma (no sul do Amazonas); os “Kawahibí” do Madeirinha e os Kayabi (nordeste do Mato Grosso). Todos estes povos se autodenominam “Kawahiva””, escreveu o antropólogo Gilberto Azanha, coordenador do Grupo de Trabalho de Identificação da área.

A região compreendida entre os cursos médios dos rios Guariba e Aripuanã foi alvo de diferentes levas de exploração econômica ao longo dos últimos 70 anos (1930-2000). Caucheiros, seringueiros, “gateiros”, garimpeiros, copaibeiros e madeireiros penetraram na região pela calha do rio Madeira (desde o Amazonas) subindo o rio Tapajós e depois o rio Aripuanã e daí atingiram o rio Guariba.

A seqüência acima corresponde, em linhas gerais, com a cronologia da ocupação por frentes exploradoras da região: caucheiros, seringueiros e copaibeiros dos anos 1920 aos 1950; nos 1950-60, garimpeiros, gateiros e copaibeiros; nos 1970-1980, garimpeiros e copaibeiros (Menéndez, Tese de Doutorado inédita, USP: cap. II) e estes últimos e os madeireiros nos 1990-2000 até o presente. Esta última ocupação foi a responsável pela “delimitação” do território atual dos Kawahiva do Pardo e também, como vimos, sobre as primeiras informações sobre a presença deste grupo na região.

“Podemos deduzir então que, com a abertura da estrada (MT 206), o território dos isolados passou a ser mais intensamente explorado, levando o grupo a refugiar-se nos contrafortes da Serra Grande, local mais inacessível à penetração dos pesquisadores e exploradores de madeira. E os “isolados do Pardo” deixaram de colocar roças, vivendo exclusivamente da coleta, da pesca e da caça de pequenos animais e aves”, afirma Azanha. Foram encontrados até novembro de 2006, quarenta e cinco acampamentos provisórios na região, alguns deles periodicamente revisitados por indígenas.

Esses índios vêm sofrendo enorme pressão, sobretudo nos últimos dez anos, mas estão conseguindo manter três gerações de descendentes (avós, pais, netos). O povo não estaria, dessa forma, em condições “terminais” - casos de grupos ameaçados de serem extintos.

“Se o Estado brasileiro lhes garantir a segurança necessária, temos a absoluta certeza que os Kawahiva do Pardo experimentarão um crescimento demográfico significativo, a exemplo do que ocorreu com os Zo’é do Amapá”, enfatiza Azanha. “Para tanto, é fundamental que lhes sejam garantidas, dentro do território que ocupam, as áreas para as suas atividades econômicas de subsistência que, como pretendemos ter demonstrado, se sobrepõe àquelas imprescindíveis à manutenção dos recursos necessários ao seu bem-estar: sem segurança nestas áreas de entorno, os isolados do Pardo não retomarão seu padrão tradicional de reprodução sociocultural, que tem nas roças a sua base. Esta é uma das poucas certezas que os dados disponíveis e expostos até aqui nos dão”.





Fonte: Midia News

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