Repórter News - reporternews.com.br
Cidades/Geral
Domingo - 25 de Março de 2007 às 16:41

    Imprimir


A violência contra a mulher aparece cada vez mais na dramaturgia, mas ainda é um retrato tímido, parcial e preconceituoso. O tema delicado tem recebido um tratamento cada vez mais realista na TV, embora os vilões agressores continuem sendo mostrados como desequilibrados e psicopatas.

Caso do raivoso Clóvis de Dalton Vigh em O Profeta. Ele espanca a mulher Sônia, vivida por Paola Oliveira na trama das seis da Globo que, pelo horário, deveria pegar mais leve.

"Acabei descobrindo mulheres que trabalham na TV que passam pelo mesmo problema, só que ninguém assume", entrega Paola.

Mas, na vida real, os espancadores de mulheres quase sempre são "exemplares" chefes de família e pais amorosos perante a sociedade. O diretor Ricardo Waddington acredita que esta brutal realidade não tenha lugar em uma novela.

"Seria violento demais exibir um pai com uma família feliz espancando a mulher. Isso não cabe na TV. Eles precisam ser vilões para mostrar o pior lado", justifica.

Waddington dirigiu uma das cenas mais impactantes sobre o assunto em Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos. Na trama, os personagens Marcos e Raquel, de Dan Stulbach e Helena Ranaldi, passaram pela violência que atinge cerca de 29% das mulheres em todo o Brasil, segundo a OMS.

A novela também incentivou uma alteração na Lei Consuelo Nasser, no qual a pena por lesões corporais - artigo 129 do Código Penal - passa a ser de um a cinco anos de reclusão para o agressor pego em flagrante.

"Olha que mostrei o espancamento apenas no penúltimo capítulo. Nas outras cenas, o público só escutava o áudio da agressão", destaca o diretor.

"As pessoas mudavam de calçada quando me viam. Chamou muito a atenção mostrar um agressor que andava de Mercedes-Benz e era de classe alta", ressalta Stulbach.

Segundo a coordenadora do Núcleo de Pesquisas de Violência da UERJ, Alba Zaluar, as novelas pincelam o tema com cores fortes demais.

"Alguns personagens são muito exagerados. Ninguém é mau o tempo inteiro. O importante seria mostrar que, além das mulheres denunciarem, esses homens precisam de tratamento", alerta.

Ester Hamburguer, responsável pelo centro de pesquisas da USP, explica que quando uma novela aborda temas como esse, também existe um lado contrário: a divulgação da violência.

"É uma faca de dois gumes. Na época da novela O Rei do Gado, um casal de uma favela adorava as cenas que a personagem da Silvia Pfeifer era espancada pelo amante, porque vivia essa situação doentia", lembra Ester.

Na maioria dos casos, as tramas não retratam fielmente a realidade: segundo pesquisas do Ibope, 81% das agressões se deve ao uso excessivo do álcool, seguido do ciúme.

Em Vidas Opostas, da Record, Neuza, personagem de Ana Paula Tabalipa, é constantemente espancada por seu marido, o delegado Nogueira, de Marcelo Serrado, por puro sentimento de posse do personagem.

"Não fiz nenhuma pesquisa para tratar do assunto, mas o tema inibe os agressores e alerta as mulheres", acredita o autor Marcílio Moraes.

"Fomos eu e o Marcelo que colocamos 'pilha' nas cenas de agressão. Fomos exagerando nos tapas e o Marcílio se empolgou no texto", entrega Ana Paula.

Os casos de Vidas Opostas e de O Profeta, por exemplo, demonstram outro panorama assustador: as mulheres levam em média 10 anos para denunciar o agressor - quando denunciam. Esse silêncio impede a real dimensão do problema.

Um dos motivos da violência retratada nas novelas são os resquícios da cultura patriarcal, onde muitos homens - a maioria de classes sociais e culturais mais baixas - ainda acreditam que têm poderes sobre as mulheres.

"É cada vez mais relevante se tocar no assunto. Ainda vou falar sobre isso numa novela", avisa Miguel Falabella, que viveu o psicopata Donato, que matava mulheres vestidas de noiva na minissérie As Noivas de Copacabana há 15 anos, na Globo.

Trama especializada

A abordagem do tema violência contra a mulher ganhou mais destaque na dramaturgia através do seriado Delegacia de Mulheres, de Maria Carmem Barbosa.

Na trama, exibida em 1992, uma delegada, vivida por Eloísa Mafalda, mais quatro detetives lidavam diariamente com agressões e a luta das mulheres para defender seus direitos.

O tema era tão chocante e os relatos tão doloridos que a autora achou melhor levar as histórias para o tom da comédia para amenizar o peso dos dramas.

"Fiquei muito sensibilizada porque o seriado deu novo parâmetro para esse assunto. Hoje vejo que a dramaturgia tem abordado o tema da melhor forma, mostrando mulheres corajosas, fortes. Mas é bom alertar que também existem mulheres coniventes, que gostam desse jogo", salienta Maria Carmem, antes de emendar: "adoraria refazer o seriado. Hoje iria mostrar as mulheres muito bem informadas sobre o assunto", planeja.

Segundo Marcílio Moraes, o tema ganha novas abordagens com a massificação da informação. Atualmente, as mulheres de baixa renda, que mais sofrem violências, segundo pesquisas, estão mais conscientes de que podem denunciar seus agressores. Isso também é mostrado na ficção, quando Neuza, de Ana Paula Tabalipa, abandona o marido agressor esta semana, após ser torturada.

"Todo autor um dia cai nesse assunto. O que tinha o humor mais cáustico era Nelson Rodrigues, que abordava a agressão de mulheres de diversas formas", lembra Marcílio.





Fonte: TV Press!

Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/235160/visualizar/