Brasil deverá se tornar a "Arábia Saudita" dos biocombustíveis
"Temos o petróleo que todo mundo sonha ter em seu jardim. Além disso, é um poço inesgotável. Dá até duas colheitas por ano", afirma Livania Frizon, da agroaldeia de Canudos, uma fazenda de propriedade coletiva situada em Ceará Mirim (Rio Grande do Norte). Como Livania, milhares de pessoas estão plantando pinhão-manso entre pés de banana, mamão e mandioca.
A demanda por óleo de origem vegetal (que junto com o etanol produz o biodiesel) está disparando. E o governo brasileiro tem uma meta claríssima: garantir-se como líder indiscutível na produção de etanol e de biocombustíveis. Por isso está potencializando o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, que vai desde a pesquisa até o lançamento de uma marca. O Brasil está encontrando espécies alternativas à soja ou o girassol para produzir biodiesel. "Estamos pesquisando com rícino e pinhão-manso, adaptados ao clima tropical. Mas também com óleo de palma e com sebo bovino", afirma Paulo Morelli, supervisor dos programas de biodiesel do Ministério da Agricultura do Brasil.
Por enquanto, o diesel de petróleo é misturado no Brasil com 2% de biodiesel. Será obrigatório por lei. E em pouco tempo (inicialmente prevê-se para 2013) a porcentagem obrigatória de biodiesel subirá para 5%. Em 2007, o Brasil consumirá 840 milhões de litros de biodiesel. E a demanda mundial cresce a limites insuspeitados. O brasileiro Expedito Parente, inventor do biodiesel na década de 70, afirmou ao jornal "O Globo" que o Brasil será "a Arábia Saudita" dos biocombustíveis. "Sem dúvida o Brasil se transformará em um país concorrente dos produtores de petróleo", afirmou. "Enquanto o petróleo está caindo, o biodiesel está subindo." Por isso o governo apostou rapidamente num combustível que polui até 78% menos que seu derivado fóssil.
O método utilizado para obter biocombustíveis é o que faz do Brasil um líder indiscutível. No Brasil o etanol é obtido a partir da cana-de-açúcar, enquanto nos EUA se usa soja ou milho. Desde que o governo brasileiro lançou o programa Proálcool, há mais de 30 anos, para reduzir a dependência do petróleo, a produção de etanol disparou: em 1975 foram 700 milhões de litros, enquanto em 2005 foram 15 bilhões. Além disso, o custo de produção do etanol no Brasil, segundo o Banco Mundial, é o menor do mundo: US$ 0,83 por galão (3,78 litros), contra US$ 1,9 nos EUA ou US$ 1,20 na Europa.
Não é de estranhar que o governo Bush queira transformar o Brasil, o maior produtor mundial de etanol, em seu principal parceiro numa espécie de Opep dos combustíveis renováveis. Na semana passada, Bush e Lula assinaram em São Paulo um acordo destinado a dar um grande impulso mundial ao etanol e reduzir a dependência do petróleo, melhorar o meio ambiente e oferecer uma nova oportunidade de desenvolvimento às economias latino-americanas. Entre os dois, produzem 70% do etanol mundial.
Apesar das restrições tarifárias impostas pelo governo Bush, as exportações de etanol do Brasil para os EUA passaram de US$ 765 milhões em 2005 para US$ 1,6 bilhão em 2006. Além dessa espécie de Opep, Brasil e EUA, junto com China, África do Sul, Índia e União Européia, lançaram o Fórum Internacional sobre Biocombustíveis, com o objetivo de aumentar a eficiência da produção e distribuição do produto.
Um estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) confirma a hegemonia mundial do Brasil no mercado de etanol. O Brasil pode contribuir decisivamente para que o mundo substitua 10% da gasolina (220 bilhões de litros). Mas para isso teria de multiplicar por sete sua produção anual de etanol e alcançar os 110 bilhões de litros. O Brasil precisa de cem novas usinas (hoje tem 248) e aumentar sua produção em 8 bilhões de litros até 2010. Além disso, a produção de cana-de-açúcar, que está em 425 milhões de toneladas, deverá alcançar 685 milhões em 2012/13.
E com esse aumento da superfície cultivável surgem as primeiras críticas ecológicas. A cana-de-açúcar, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, já ocupa uma extensão de 7,4 milhões de hectares (um crescimento de 125% no último ano). "O grande risco do Brasil é que a fronteira agrícola continue avançando na Amazônia, além disso, praticando uma agricultura não sustentável. As queimadas e a conseqüente liberação de emissões de dióxido de carbono são muito comuns na colheita da cana-de-açúcar", afirma Marcelo Furtado, diretor de campanha do Greenpeace.
Por sua vez, Plácido Júnior, coordenador da Comissão Pastoral da Terra, afirma que "historicamente a produção de açúcar está associada ao trabalho escravo de índios e negros". Além disso, explica Plácido, será intensificado o processo de concentração de terras: "Em Pernambuco, 18 famílias controlam toda a produção de cana. Juntas, acumulam US$ 4 bilhões de dívida pública".
Por sua vez, Achim Steiner, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, acaba de lançar uma crítica importante: teme que para atender à demanda internacional se utilizem áreas da Amazônia para plantar cana-de-açúcar.
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