Surto de cólera em Angola pode sair de controle, diz ONG
A previsão de fortes chuvas neste mês e os esforços ainda precários de alguns setores governo local para lutar contra a doença são, para o chefe do projeto do MSF em Luanda, Richard Veerman, indícios graves de que o cólera poderá fazer um grande número de vítimas na capital nos próximos meses.
"Medidas urgentes são necessárias. Estamos com 75 novos casos por dia, que é um índice bastante alto", afirmou Veerman, 40, por telefone, de Luanda, à Folha Online.
A cidade luta contra contra o cólera sem trégua desde fevereiro de 2006. Naquele ano, durante o pico da epidemia, Luanda chegou a atingir a marca de 500 novos casos da doença por dia. Até dezembro último, a capital registrou 24.521 casos e 321 mortes.
Por enquanto, segundo a MSF, os atuais dez Centros de Tratamento do Cólera (CTCs) de Luanda, com 300 leitos cada, são suficientes para lidar com 75 casos por dia. Se as previsões sombrias sobre o aumento do número de doentes se confirmarem, porém, o sistema de saúde não será capaz de atender a demanda. "E ainda nem chegamos ao período mais chuvoso do ano", alerta Veerman. "A situação pode sair de controle."
Epidemia
Apesar da queda em comparação com 2006, Veerman diz que é importante notar que a epidemia de cólera na cidade nunca foi interrompida. "Para o fim de uma epidemia, é preciso haver um mês inteiro que não registre nenhum novo caso. Desde fevereiro de 2006, isso nunca aconteceu", afirma.
Março, abril e maio são tradicionalmente marcados por fortes chuvas na região. A doença é freqüentemente transmitida pela água e alimentos contaminados pelo vibrião da cólera, existente em fezes e vômito.
Um número de fatores colabora para a ocorrência do surto de cólera: higiene precária, superpopulação e falta de água potável --todos problemas enfrentados em Luanda e que podem se agravar com as chuvas e as enchentes que elas provocam. Resposta lenta
A MSF afirma que com a temporada de chuvas, o número de casos poderá subir para cerca de 300 por dia. "É preciso elevar o número de leitos disponíveis nos CTCs para 500", diz Veerman.
O médico afirma que, enquanto o Ministério da Saúde de Angola tem cooperado para minimizar os riscos, a resposta de outros setores do governo é lenta e insuficiente. "Eles levam muito tempo para atender as necessidades criadas pela epidemia", diz.
"Não basta dizer às pessoas que elas devem beber água limpa. Muitas regiões não têm acesso, e não há oferta de água limpa suficiente para a população."
Outro problema estrutural é com as vias de acesso da cidade. Veerman afirma que muitas pessoas doentes não conseguem chegar aos postos de saúde na temporada de chuvas porque as ruas ficam alagadas. "Precisamos de soluções a longo prazo, melhorando o acesso à água e o sistema de saneamento de Luanda."
Governo despreparado
De acordo com a MSF, de 1987 a 1995, Angola --com Luanda e as áreas costeiras em particular-- foi afetada por temporadas recorrentes de epidemias de cólera, o que resultou em cerca de 90 mil casos e mais de 4.500 mortes.
Em 1999, a MSF trabalhou na elaboração de um plano de preparação de cólera para Luanda, que previa uma série de medidas para aumentar a capacidade da cidade de responder a uma epidemia. O plano incluía a elevação da capacidade de leitos do sistema de saúde e educação sobre a prevenção da doença para a comunidade.
Veerman afirma que o plano foi inútil. "Quando surgiu a epidemia em 2006, o governo não estava preparado para responder ao problema", diz ele.
Questionado sobre a capacidade de Angola de investir nas respostas necessárias, o médico afirmou que o problema local não é dinheiro.
"Angola é um país rico, tem grandes reservas de óleo e diamantes. Deveria ser capaz de utilizar alguns desses recursos para melhorar o sistema de saúde. O problema é que o tratamento do cólera não é ainda uma prioridade para o governo."
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