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Sexta - 09 de Março de 2007 às 20:14

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Quando os futuros historiadores tentarem identificar o momento em que a neurociência começou a transformar o sistema judicial dos Estados Unidos, talvez apontem para um caso pouco noticiado do começo dos anos 90. O caso envolvia Herbert Weinstein, 65, executivo publicitário acusado de estrangular a mulher, Barbara, e depois, em um esforço para fazer com que a morte dela fosse tomada por suicídio, arremessá-la da janela de seu apartamento de 12° andar, em Manhattan.

Antes que o julgamento começasse, o advogado de Weinstein sugeriu que seu clientes não deveria ser considerado responsável por suas ações devido a um defeito mental ¿a saber, um cisto anormal alojado em sua membrana aracnóide, que cerca o cérebro como uma teia de aranha.

As implicações dessa alegação eram consideráveis. A lei dos Estados Unidos dispõe que uma pessoa seja considerada responsável por um crime a menos que tenha sido forçada a agir como o fez (com uma arma apontada contra sua cabeça, por exemplo), ou sofra de defeito sério de racionalidade. Mas se você sofre de um desses defeitos sérios, a lei normalmente não se incomoda com a razão ¿quer se trate de uma infância infeliz, de um cisto aracnídeo ou ambos.

Sugerir que criminosos sejam isentados das conseqüências de suas ações porque seus cérebros os forçaram a agir assim parece implicar que qualquer pessoa cujo cérebro não funcione devidamente poderia ser absolvida de toda responsabilidade. Mas já que o comportamento é causado pelos nossos cérebros, será que isso significa que todo comportamento deva potencialmente ser desculpado? No caso de Weinstein, a promotoria parecia temer que a simples exibição de imagens de seu cérebro no tribunal pudesse influenciar o júri. Eles concordaram em permitir que Weinstein se confessasse culpado em troca da redução da acusação de homicídio doloso para homicídio culposo.

Hoje, provas oferecidas pela neurociência vêm exercendo efeito revolucionário sobre casos que acarretam a pena de morte. Os advogados solicitam rotineiramente imagens de ressonância magnética dos cérebros dos acusados, e argumentam que deficiências neurológicas os impedem de controlar suas ações.

Os proponentes do uso da neurologia para fins judiciais dizem que evidências científicas neurológicas terão grande impacto não só sobre questões de culpa e punição como também na detecção de mentiras e de preconceitos ocultos, e para a previsão de futuro comportamento criminoso. Os céticos temem que o uso de imagens magnéticas do cérebro como uma espécie de aparelho mágico de leitura de pensamentos venha a representar ameaça à nossa privacidade e liberdade mental.

O fim da responsabilidade? De fato, à medida que o uso de imagens de ressonância magnética se torna cada vez mais comum nos tribunais, juízes e júris podem ser solicitados a estabelecer novas e potencialmente perturbadoras distinções entre cérebros "normais" e "anormais". Ruben Gur, professor de psicologia na Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, se especializa exatamente nisso. Ele escreveu um depoimento especializado, que circulou amplamente pelos meios jurídicos, no qual argumenta que adolescentes não são tão capazes quanto adultos de controlar suas emoções, porque o desenvolvimento dos neurônios no córtex pré-frontal não se conclui até que a pessoa tenha 20 e poucos anos.

Com base nesse depoimento, Gur foi convidado a colaborar na preparação de uma das petições apresentadas por neurocientistas e outros interessados no caso Roper vs. Simmons, um processo histórico decidido na Corte Suprema por pequena maioria e que resultou na proibição de sentenças de morte para pessoas acusadas de crimes cometidos antes dos 18 anos de idade. A petição mais importante do caso, em termos de influência da neurociência sobre a lei, foi apresentada pela Associação Médica Norte-Americana e outros grupos, que argumentavam que "porque os cérebros dos adolescentes não estão plenamente formados" nas regiões pré-frontais, os adolescentes são menos capazes que os adultos de controlar seus impulsos, e não deveriam ser plenamente responsabilizados "pela imaturidade de sua anatomia neurológica".

O juiz Anthony Kennedy, que redigiu a opinião da maioria no caso, declarou que "como sabem todos os pais, e como demonstraram os estudos científicos e sociológicos" mencionados nas petições, "uma falta de maturidade e um senso subdesenvolvido de responsabilidade são mais encontrados entre os jovens do que entre os adultos". Uma questão importante suscitada pelo caso Roper foi até que ponto aceitar provas neurocientíficas como fator de desculpa ou para mitigar a culpa em termos judiciais.

"Para um neurocientista, você é seu cérebro; nada causa seu comportamento que não a operação de seu cérebro", diz Joshua D. Greene, professor assistente de psicologia em Harvard. "Se isso procede, a maneira pela qual pensamos sobre a lei se altera radicalmente. A linha oficial no mundo judicial é de que a única coisa que importa é determinar se alguém é racional, mas é possível que uma pessoa seja completamente racional e ainda assim aja sob o poder de algo que está completamente além de seu controle". Ou seja, "mesmo uma pessoa que tenha a ilusão de estar fazendo uma escolha livre e racional entre sopa e salada pode estar se iludindo, já que em última análise essa escolha será decidida por forças que estão integradas ao seu cérebro e são imutáveis".

Greene insiste em que essa percepção significa que o sistema de justiça criminal deveria abandonar a idéia de punição ¿ou seja, a que as más pessoas devem ser castigadas porque optaram por agir imoralmente. Em lugar disso, ele afirma, a lei deteria se concentrar em deter danos futuros. Em alguns casos, supõe, isso poderia resultar em punições menos severas. "Se essa teoria for verdade, ou seja, se as punições que impomos não têm influência preventiva quanto à repetição de um determinado comportamento", ele arrazoa, "então talvez não valha a pena punir a pessoa".

À medida que proliferam as novas tecnologias, até os especialistas na confluência entre lei e neurociência têm dúvidas sobre algumas das questões futuras. A polícia pode solicitar um mandado de busca no cérebro de alguém? Punir pessoas pelos seus pensamentos, e não por suas ações, violaria a proibição a castigo incomum e injusto definida pela oitava emenda à constituição dos Estados Unidos? Por mais espantosas que nossas máquinas se tornem, elas não podem nos dizer como responder a essas perguntas. Dependeremos sempre dos nossos poderes de raciocínio e de nossa intuição, por mais primitivos que pareçam.





Fonte: The New York Times Magazine

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