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Cidades/Geral
Domingo - 31 de Março de 2013 às 22:46
Por: KATIANA PEREIRA

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Profissionais de saúde que atuam no Polo Base Marãiwatsédé, localizado na única aldeia da Terra Indígena Marãiwatsédé, na região de Alto Boa Vista, no Vale do Araguaia, protocolaram uma carta no Ministério Público Estadual (MPF) no início do mês de março, denunciando situações insalubres e falta de condições de atendimento básico aos indígenas que moram na região. 

 
 
Somente no mês de março, três crianças da etnia Xavante, com idades entre um e dois anos, morreram em decorrência de diarreia crônica, segundo a equipe de enfermagem do Polo Base Marãiwatsédé. 

 
 
Eddalva, Leomar e Elza Paridzané são descendentes diretos do cacique Damião Paridzané, líder maior dos xavantes. 

 
 
Pelos sintomas apresentados pelas vítimas, a Operação Amazônia Nativa (Opan) diz acreditar que as mortes podem ter sido ocasionadas por desnutrição e desidratação. 

 
 
Já a comunidade indígena acredita que as crianças morreram após a tomarem água contaminada por agrotóxicos que foram aplicados nas lavouras de soja presentes na TI. 

 
 
O xavante Cosme, pai de uma das crianças mortas, informou à reportagem que já havia pedido providências sobre o caso. Cosme encaminhou um documento nominal ao secretário de Saúde Indígena Antônio Alves. 

 
 
O protocolo ocorreu na época da desintrusão da área pelo governo federal, ocorrida entre 10 de dezembro de 2012 e 28 de janeiro de 2013. O xavante não obteve resposta do secretário. 

 
 
A região do Vale do Araguaia tem quatro reservas xavantes com aproximadamente 12 mil índios. Além da poluição, os índios reclamam da falta de médicos e remédios e a dificuldade para conseguir transporte para tirar os índios doentes das aldeias. 

 
 
Descaso com a saúde indígena

 
 
A aldeia é atendida pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) de Barra do Garças. Em 2012, na mesma aldeia foram registrados óbitos de oito crianças e dois idosos. 

 
 
A equipe de enfermagem que atua no local não descarta a possibilidade da água estar contaminada com agrotóxico, mas ressalta que a TI não possui água potável e que a situação de diarreia é constante na comunidade indígena. 

 
 
“Crianças, adultos, idosos, todos vivem com diarreia. A bomba que retira água para a aldeia quebra constantemente, eles têm que buscar água no rio, a água não é tratada. No mesmo local eles tomam banho, fazem as necessidades, os animais também usam o rio. Por isso os casos de diarreia nunca acabam. Conseguimos controlar, mas infelizmente os óbitos têm acontecido. As crianças são as maiores vítimas sim, mas todos os índios sofrem com esse problema. Depois dessas três mortes vieram colher a água e levar para análise”, disse ao MidiaNews, por telefone, a técnica de enfermagem Lúcia Nunes de Oliveira, que atua no Posto Base Marãiwatsédé. 

 
 
Atendimento comprometido 

 
 
Além da possível contaminação da água, os agentes de Saúde denunciam condições insalubres do Posto Base. Na carta assinada pela equipe multidisciplinar, os servidores alegam que o posto funciona em uma casa com seis cômodos, que também serve de moradia para os agentes, que trabalham com escala de 20 dias, com folga de 10 dias. 

 
 
“Constitui-se apenas de uma edificação com seis cômodos utilizados como dormitório pelos profissionais da saúde, cozinha, banheiro, recepção aos indígenas, consultório médico e odontológico, farmácia e deposito”, diz trecho da carta. 



 
Os profissionais reclamam também da presença de animais peçonhentos e insetos. “Neste espaço, que não possui forro, animais como morcego, ratos, aranhas e baratas circulam livremente, contaminando o ambiente, os remédios, alimentos e pertences dos funcionários. Na época de chuvas, os móveis sofrem com o gotejamento e umidade, provocando problemas respiratórios entre os próprios funcionários”, diz outro trecho da carta. 



 
Outro problema relatado na carta é a falta de destino correto do lixo comum e lixo hospitalar. A fossa, segundo a carta, estaria estourada, contribuindo para o acúmulo de larvas e insetos. “O lixo hospitalar e o lixo doméstico são queimados em um buraco no fundo deste prédio, sem que haja alternativas reais para sua melhor destinação. Galões de combustíveis também são armazenados no Posto de Saúde, que não possui energia elétrica e tem fornecimento de irregular de água, cuja pureza e potabilidade não são monitoradas”. 

 
 
A ausência de equipamentos básicos, como sonar, pinças, autoclave, estetoscópio e balão de oxigênio também é relatada na carta, que descreve ainda a dificuldade de trabalhar desta maneira, da precariedade do atendimento ofertado aos índios, bem como a hostilidade enfrentada pelos xavantes que buscam a saúde pública nos municípios vizinhos.


 
A carta é assinada por duas técnicas de enfermagem e um dentista que atuam na TI. O documento foi encaminhado para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Procuradoria da República Federal de Mato Grosso, Sesai de Brasília e Ministério do Trabalho. 

 
 
Reunião em Barra do Garças 

 
 
Após a morte das três crianças de etnia Xavante na TI Marãiwatsédé, professores, estudantes, indigenistas e ambientalistas fizeram uma reunião na última quarta-feira (27), no campus da Universidade Federal de Mato Grosso, de Barra do Garças. 

 
 
O manifesto denominado “Somos todos Marãiwatsédé” pretende chamar a atenção das autoridades em Brasília. No início do mês de março, índias xavantes fizeram um protesto no Dia Internacional da Mulher, onde denunciaram a falta de saúde preventiva para elas e morte de índias por falta de pré-natal durante a gravidez. 

 
 
Outro lado 



 
A reportagem entrou em contato com o secretário especial de Saúde Indígena, Antônio Alves, várias vezes durante a semana, mas ele não comentou a carta dos servidores da Sesai e  disse que todo o andamento da situação seria informado apenas por meio de assessoria de imprensa. 

 
 
A assessoria de imprensa da Secretaria Especial de Saúde Indígena se limitou a dizer que já tem conhecimento das mortes e que os casos estão sendo investigados. 

 
 
Marãiwatséde 

 
 
Homologada em 1998, por meio de um decreto presidencial, como terra indígena de ocupação tradicional do povo xavante, Marãiwatsédé passou pelo processo de desintrusão, que é a saída de todos os ocupantes não indígenas, somente 14 anos depois. 

 
 
A retirada dos não-indígenas foi determinada pela Justiça após uma ação do MPF em Mato Grosso. Em janeiro de 2013, a Funai anunciou a conclusão do trabalho de desintrusão com a desocupação de todos os 619 pontos residenciais e comerciais que estavam localizados dentro da terra indígena. 

 
 
Com cerca de 165 mil hectares, a Terra Indígena Marãiwatsédé localizada no município de Alto Boa Vista, São Felix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, na região Noroeste de Mato Grosso.





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