Nicotina sozinha não explica vício do cigarro, diz estudo
A mudança de rumo nas pesquisas sobre a dependência do tabaco está sendo sugerida por novos trabalhos de imagem cerebral no Laboratório Nacional Brookhaven (EUA). Lá a bioquímica Joanna Fowler desenvolveu uma maneira de mapear o cérebro de pessoas para investigar a presença da monoamina oxidase (conhecida pela sigla MAO), uma enzima vital produzida pelo organismo.
Foi Fowler quem descobriu que o fumo causa deficiência na produção dessa substância, o que leva ao acúmulo no cérebro de outras moléculas responsáveis por fazer o organismo se sentir "recompensado".
A monoamina oxidase é uma espécie de "gari" do sistema nervoso. Ela elimina neurotransmissores (substâncias que transmitem impulsos nervosos) que não estão sendo usados. Quando a falta dela gera o acúmulo despropositado da dopamina, um neurotransmissor relacionado à satisfação, ela cria um vínculo com o vício.
Na hora de fechar o cerco ao criminoso que estava sabotando a monoamina oxidase, porém, Fowler se surpreendeu.
"Nossos estudos mostraram que a inibição da monoamina oxidase não é causada pela nicotina e sim por outras substâncias na folha do tabaco", disse Fowler anteontem, em palestra no encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em San Francisco (Califórnia).
A nicotina é um viciante poderoso, mas já havia sinais de que não é o único. "É por isso que tratamentos para dependentes com adesivos de nicotina não têm muita eficácia", diz.
Ainda será preciso fazer muitos estudos para descobrir qual (ou quais) das centenas de substâncias contidas no tabaco é a responsável por inibir a monoamina oxidase. A pesquisa de Fowler, porém, já está jogando luz sobre um lado do vício que era desconhecido.
Veneno antidepressivo
Outras substâncias que inibem a monoamina oxidase já eram conhecidas e foram usadas como antidepressivos. Eram drogas muito eficazes, mas acabaram descartadas porque podiam levar os pacientes à morte, (a monoamina oxidase é vital em diversas partes do corpo). Segundo Fowler, o cigarro não vai matar ninguém dessa maneira, pois não é tão forte como outros inibidores da enzima, mas isso pode explicar por que o número de fumantes é tão grande em pacientes com problemas psiquiátricos.
"Fumantes que estão deprimidos podem estar tentando se automedicar", diz a pesquisadora. "A nicotina --que libera transmissores que melhoram o humor-- e a inibição da monoamina oxidase --que reduz a taxa de destruição de neurotransmissores-- simula os efeitos de antidepressivos."
A fonte da dependência da droga, portanto, pode estar em uma necessidade psiquiátrica não-relacionada ao prazer imediato que ela proporciona. Isso casa com os dados de Fowler.
"A inibição da monoamina oxidase requer administração crônica do cigarro" diz. Estudos em animais mostraram que o efeito de redução dessa enzima não ocorre de forma abrupta após um único cigarro, e sim de forma gradual ao longo de longos períodos. "Mas o efeito é persistente", diz.
Segundo Fowler, alguns grupos de pesquisa já estão tentando criar um medicamento não-tóxico que imite esse efeito do cigarro. Dessa forma seria possível impedir pacientes em diferentes níveis de depressão de tentar recorrer, inadvertidamente, à cura pelo veneno.
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