Buscador não é responsável por conteúdo ofensivo
Provedores e sites de relacionamento são bombardeados na Justiça com pedidos de remoção de conteúdo e reparação por danos morais. O Direito eletrônico, contudo, não estabelece claramente os limites da responsabilidade civil pela hospedagem e indexação de material impróprio ou ofensivo. Duas decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro favoráveis à filial brasileira da Google, de março de 2013, dão sequência ao debate. O entendimento é que os provedores não devem controlar previamente as publicações, mas segue indefinido o grau de responsabilidade dessas empresas após alertadas sobre conteúdo inadequado.
Em uma das ações, resguardada pelo sigilo judicial, uma menor de idade pede indenização por danos morais à Google pela publicação de fotos íntimas em um blog. Segundo a jovem, falhas nos procedimentos de denúncia oferecidas pelo próprio provedor atrasaram a retirada das imagens do blog, o que gerou danos a sua reputação.
A 10ª Câmara Cível do TJ-RJ negou o recurso. Para o relator do processo, desembargador Celso Luis de Matos Peres, não há como a Google Brasil ter ingerência sobre conteúdos potencialmente ofensivos, sobretudo por sua natureza subjetiva. Sem identificar conduta ilícita da companhia, o relator entendeu que o monitoramento prévio implicaria censura.
O desembargador ainda destacou que “apesar de a consumidora afirmar que tentou se utilizar das ferramentas de denúncia do Google, a fim de informar acerca do conteúdo e retirá-lo do ar, inexistem provas nesse sentido”. Com isso, como prevê o artigo 333 do Código de Processo Civil, não há modo de o juiz atestar a verossimilhança do direito alegado. Cabe recurso contra a decisão no Superior Tribunal de Justiça.
Riscos da indexação
Outro acórdão também afasta a responsabilidade da filial da empresa americana no Brasil. Um pedido de indenização alegou danos morais causados por resultados no sistema de pesquisa do Google. Segundo os autos, informações sigilosas sobre um processo judicial envolvendo menores de idade foram indexadas pelas ferramentas automáticas do buscador.
A 11ª Câmara Cível do TJ-RJ recusou o pedido de indenização. O relator, desembargador Roberto Guimarães, esclareceu que o Google não publicou, mas apenas listou informações referentes ao processo. Além disso, os dados remetiam apenas a um endereço, do próprio site do tribunal fluminense. O juiz rechaçou a incidência de responsabilidade objetiva, prevista no artigo 927 do Código Civil. Se aplicado o dispositivo, a reparação independeria da prova de culpa.
Advogado de várias das menores envolvidas, Jorge Antônio Gonçalves Cunha criticou a decisão. “Isso mostra o atraso do Rio de Janeiro na questão. Há estados, como Minas e São Paulo, mais avançados neste debate”, compara. Para ele, a responsabilidade e alcance do Google em relação ao conteúdo são provados pela imediata retirada do material como resultado de busca logo que a empresa foi notificada da ação. Ele afirma que vai recorrer ao STJ.
Batalha virtual
De acordo com o relatório de transparência da Google, o Brasil foi um dos líderes de solicitações judiciais para remoção de conteúdo entre janeiro e junho de 2012, atrás somente de Estados Unidos e Alemanha. Com a polêmica alimentada por novas ações de políticos, celebridades e anônimos, o Direito eletrônico brasileiro tenta resolver lacunas sobre responsabilização no meio virtual.
O assunto não é pacificado, mas a jurisprudência do STJ estabelece que provedores são obrigados a manter registro do IP — número que identifica cada computador na internet — e retirar conteúdos ofensivos. Não precisam, porém, fazer controle prévio de postagens no Orkut, Youtube, Blogger e outras plataformas.
O entendimento recorrente da corte é que não pode ser aplicado a esses casos o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, porque a filtragem preliminar do conteúdo fica fora das atividades intrínsecas ao serviço prestado. O uso do artigo 927 do Código Civil, sobre responsabilidade objetiva, é afastado porque as atividades do provedor não representam riscos diretos a terceiros.
Como não é o autor original da publicação ofensiva, costuma-se impor ao Google a responsabilidade solidária. Significa que, após ser notificado sobre conteúdo impróprio, ele também assume culpa se não há retirada imediata em virtude de omissão. Nos últimos três anos, a maioria das decisões do STJ têm sido favoráveis à Google sobre indenizações. Geralmente, a remoção de conteúdo é garantida, exceto nos casos em que se reconhece direito à liberdade de informação.
Um exemplo famoso é o da apresentadora Xuxa Meneghel. O STJ aceitou o pedido da Google para não ser responsável pela exibição de imagens relativas ao filme Amor Estranho Amor, de 1982. Na interpretação da relatora, ministra Nancy Andrighi, “provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito”.
Responsabilidade contestada
Na opinião do advogado Alexandre Atheniense, a empresa deve responder judicialmente quando o conteúdo é publicado dentro da estrutura da Google — Blogger, Youtube, Orkut e outros. Se o material é indexado, está fora da alçada da empresa identificar a postagem imprópria antes de denúncia.
Mas o sistema de notificações, segundo ele, é uma falha grave na prestação de serviços. “A Google não têm adotado mecanismo confiável de recebimento de denúncias. Assim faz para alegar que não recebeu. A empresa tem dinheiro para melhorar isso”, critica o especialista em Direito na internet.
O coordenador do curso de Direito eletrônico da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, Walter Aranha Capanema, questiona a eficácia das decisões. “Remover o conteúdo do Google não elimina da internet. Só dificulta o acesso”.
Também é importante mais segurança no cadastro de usuários. “É fácil criar perfis falsos e provocar danos às pessoas”, diz. No primeiro semestre de 2012, 22 mandados judiciais contra a Google se referiam a falsificações de identidade no Orkut. Queixas de difamação são as mais comuns, com 83 registros.
Renato Opice Blum, coordenador do curso de Direito eletrônico da Escola Paulista de Direito, pede mais rapidez no cumprimento de sentenças judiciais de remoção de conteúdo. O prazo de 24 horas,fixado no STJ em junho de 2012, é longo. A velocidade da internet, para ele, exige exclusão do material em poucos minutos.
O recente Decreto 7.962/2013, que obriga as empresas de comércio eletrônico a ter um canal direto de diálogo com o cliente, também pode valer para o Google. Segundo Opice Blum, como a multinacional atua no ramo de marketing digital, deve se enquadrar nas regras para a prestação de serviços na internet.
A proposta do novo Marco Civil da Internet (PL 2.125/2011), que tramita no Congresso Nacional, define que provedores da internet não são responsáveis pelo conteúdo publicado por usuários. Mas, segundo o texto, eles serão responsabilizados por descumprimento das ordens judiciais de remoção.
Direito internacional
A diretiva Ausência de Obrigação Geral de Vigilância, da Comunidade Europeia, exime os provedores da responsabilidade de monitorar o conteúdo de terceiros que vão transmitir ou armazenar. A contrapartida é que os provedores estão sob pena de responsabilização caso não eliminem conteúdo ofensivo após notificação.
Os Estados Unidos também mudaram a Telecomunications Act (Lei de Telecomunicações). A alteração foi feita pela Communications Decency Act (Lei da Moralização das Comunicações), com uma disposição que isenta provedores de internet pela inclusão, em seus sites, de informações publicadas por terceiros.
Um dos primeiros processos de difamação na internet aconteceu nos Estados Unidos, em 1991. A razão do processo foi uma mensagem postada em fórum mantido pela CompuServe, uma das maiores prestadores de serviço online à época. O texto difamava uma rival da companhia, a Cubby. A Corte Distrital de Nova York absolveu a Compuserve sob justificativa de que ela não tinha como saber sobre o cunho prejudicial da mensagem.
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