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Domingo - 31 de Dezembro de 2006 às 10:21
Por: Andréia Fontes

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Apesar da venda ter sido proibida pelo Ministério da Saúde, o remédio continua ao alcance das mulheres cuja gravidez é indesejada.

A venda de medicamentos contrabandeados é mais comum do que se imagina. O remédio Cytotec, usado indiscriminadamente para o aborto, é encontrado com facilidade em Cuiabá no mercado informal. Prova disso que esta semana, a reportagem do jornal A Gazeta conseguiu comprar, sem qualquer dificuldade, três comprimidos do Cytotec. O valor, que inicialmente era de R$ 250,00 para quatro comprimidos, caiu para R$ 100,00, na aquisição de três pílulas.

Apesar da venda ter sido proibida pelo Ministério da Saúde, o medicamento continua ao alcance das mulheres cuja gravidez é indesejada.

A única forma legal de utilização do princípio ativo do Cytotec é por hospitais credenciados. Neste caso, o medicamento utilizado é o Prostokos, o único fabricado no Brasil, e é aplicado apenas em alguns casos específicos. O chefe do setor de ginecologia e obstetrícia do Hospital Universitário Júlio Muller, Paulo Leão, ressalta que a droga é administrada em situações como a que o feto já está morto e que não foi expelido pelo organismo. Principalmente em gravidez com mais de quatro meses, o médico ressalta que há grande risco para a mãe. A cesárea seria um processo mais traumático e, diante isso, o Prostokos entra como a melhor alternativa.

Um outro caso onde o remédio é administrado, em pequena dose, de forma legal, é na indução de um parto quando o feto vivo já está totalmente formado e a gestante tem problemas, como o de pressão alta. "Esperar o parto pode ser arriscado para a mãe. Neste caso, é aplicada uma dosagem de apenas 25mcg. Os comprimidos comprados para induzir o aborto possuem 200 mcg".

Apesar dos riscos, o medicamento tem sido a alternativa mais procurada por quem pretende interromper a gravidez. O ginecologista Paulo Leão afirma que o hospital atende pacientes que ingeriram o comprimido. Os casos de morte, segundo ele, somente reduziram porque quando a mulher começa a ter a hemorragia, comum na ingestão do medicamento, procura o hospital. Se o atendimento médico não vier, a gestante pode acabar morrendo. "Mas as mulheres tomam e correm para o hospital quando começam a sangrar. O sangramento pode ser de forma grave e sem a ajuda médica a mulher pode vir a morrer", enfatiza.

O médico Paulo Leão lembra que ao ingerir o Cytotec, a mulher pode não abortar. Daí, as consequências podem ser avassaladoras para a criança, devido a má formação. Segundo Leão, o caso mais comum é de problemas no aparelho digestivo. Mas também podem ocorrer paralisia facial, estrabismo e anomalias de membros.

Os casos atendidos nos hospitais são mantidos em sigilo. Paulo Leão afirma que apesar de saberem que se trata de um ato criminoso, os médicos "esbarram no sigilo profissional". "Há pressão da Justiça para denunciarmos. Mas a gente não vai denunciar", garante.

Os dados da paciente ficam registrado no prontuário, que também é sigiloso.

A facilidade que a reportagem teve para compra o remédio não foi surpresa para o médico. Ele afirma que pelo relato que ouve das pacientes que ingeriram o comprimido, não é difícil comprá-lo no mercado paralelo.

O medicamento, que surgiu em 1984 como alternativa para tratamento de úlceras gástricas e duodenais, cujo princípio ativo é o misoprostol, um análogo-sintético da prostaglandina, promove contrações uterinas. "Ele surgiu para tratamento da úlcera, mas acho que desde o começo foi malandragem. Sempre se soube do poder para o aborto. Sabiam que o uso seria desvirtuado", descreve o ginecologista.

A venda do produto foi proibida pelo Ministério da Saúde em 1998. Sua venda acontece apenas com comprimidos contrabandeados. Segundo o médico Paulo Leão, nos Estados Unidos o comprimido é comprado por menos de um dólar. Ele acredita que o mercado paralelo consegue o medicamento pelo custo de R$ 2,00 a R$ 3,00 reais. A revenda é feita em torno de R$ 50,00. Já o Prostokos custa, me média, R$ 25,00 cada comprimido. "A venda do Prostokos é exclusiva para hospitais credenciados. Se cair no mercado paralelo é sinal que foi roubado de hospitais. E o preço dele é caro por questão de cartel".

Penas - A Polícia Federal foi procurada pela reportagem. Entretanto, segundo informações do Plantão, os dois delegados responsáveis pela parte de contrabando não estavam em Cuiabá. A reportagem tentou ouvir outro delegado, sem sucesso.

Pelo Código Penal Brasileiro prevê pena de um a três anos para a pessoa que provoca o aborto em si mesma ou consente que outra o provoque (artigo 124). O artigo 125 do CP prevê ainda pena de três a 10 anos para quem provocar aborto, sem o consentimento da gestante e pena de um a quatro anos se provocar aborto com o consentimento da gestante (artigo 126). No caso do artigo 126, a pena é aplicada se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Quem vende o medicamento pode ser enquadrado no artigo 334 do CP, que trata de importar ou exportar mercadoria proibida. A pena prevista é de um a quatro anos de reclusão.





Fonte: Gazeta Digital

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