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Estória mineira de natal
Mineiro tem a educação oral. Tudo é contado, recontado e recontada. Não faltará alguém que reconte o que já foi contado e recontado tantas vezes. Existe um prazer em contar e em ouvir a mesma estória seguidamente.
Fui educado mais na tradição oral do que na educação formal. Aliás, as duas concorriam. Na falta da mídia, além de um rádio que tínhamos em casa, o mais eram mesmo as conversas. A mínima coisa dava uma longa crônica. E assim vivíamos a realidade contada pela boca de quem sabia a cultura de então. Tão pouca. Tão rica.
Os natais na minha infância em Minas eram dolorosamente tristes. Não havia a mídia para animar e nem as músicas natalinas criadas para misturar fé com o consumo. Na igreja matriz havia uma enorme corneta que esparramava o som pela cidade inteira. Durante o mês de dezembro tocava as tristes músicas natalinas criando um incômodo clima de nostalgia em todos nós.
Para não perder a chance, o padre fazia longos sermões que se esparramavam por aquela cidade acidentada ao meio-dia e à tardinha. E dê-lhe músicas tristes. Tinha as novenas de natal que começavam no início do mês e se prolongavam até a famosíssima Missa do Galo, na noite de Natal. Nas novenas os sermões eram sempre puxando as pessoas para baixo. Havia um quê mórbido da Igreja em tratar Jesus Cristo como vítima da maldade dos cristãos de então. Não dos judeus da época romana. O negócio era culpar os dali mesmo e fazê-los pensar que eram criminosos religiosos. Aquilo era péssimo.
A missa do galo era à meia-noite. Acordar, vestir roupa, ir dormindo para a igreja e agüentar uma hora e meia de rezação, incluindo o sermão raivoso do padre, era uma barra! As crianças não podiam dormir porque os pais ou os vizinhos de banco não deixavam.Davam croque nas nossas cabeças. Depois vinha a ceia na casa da casa meu avô materno. Não era sempre. Mas tinha, certamente, o almoço de domingo. Esse era bom, porque a ceia era muito fora de hora, mesmo para aqueles estômagos infantis sempre famintos.No almoço tinha macarronada e galinha. Era o paraíso.
Bom, o leitor deve estar se perguntando: e os presentes de natal? Ihhhh! Isso era raro. Alguns pais mais abastados davam presentes aos filhos. Os demais, não! Ainda vigorava aquela tradição de colocar o sapato na janela com um bilhetinho pedindo presentes. A gente pedia absurdos. No dia seguinte, lá estava o sapato molhado de orvalho e o bilhetinho borrado. “Papai Noel não passou”. E ficava nisso. O chato era encontrar os amigos com seus carrinhos de pau coloridos, ou daqueles de latinha. Tudo muito simples, mas dava uma baita inveja e uma bronca danada do Papai Noel. No ano que vem ele vem, a gente se esperançava.
O bom do dia de Natal, além do almoço com sobremesa de doce de leite moreno, ou de goiabada com queijo, eram as conversas dos parentes que se reuniam. Eram sempre boas conversas. Homens na sala ou no alpendre, e mulheres na cozinha. Elas sempre arrumavam alguma confusão por causa “de conversas atravessadas”. Nada que durasse. E lá na igreja no sino dando-lhe advertências da culpa natalina de todos nós, e aquelas músicas tristes puxando a alegria. Natal bom era Natal triste, na visão religiosa da época. Bons tempos. Ainda bem que existiram. Ainda bem que mudaram!
Onofre Ribeiro é articulista deste jornal e da revista RDM
Fui educado mais na tradição oral do que na educação formal. Aliás, as duas concorriam. Na falta da mídia, além de um rádio que tínhamos em casa, o mais eram mesmo as conversas. A mínima coisa dava uma longa crônica. E assim vivíamos a realidade contada pela boca de quem sabia a cultura de então. Tão pouca. Tão rica.
Os natais na minha infância em Minas eram dolorosamente tristes. Não havia a mídia para animar e nem as músicas natalinas criadas para misturar fé com o consumo. Na igreja matriz havia uma enorme corneta que esparramava o som pela cidade inteira. Durante o mês de dezembro tocava as tristes músicas natalinas criando um incômodo clima de nostalgia em todos nós.
Para não perder a chance, o padre fazia longos sermões que se esparramavam por aquela cidade acidentada ao meio-dia e à tardinha. E dê-lhe músicas tristes. Tinha as novenas de natal que começavam no início do mês e se prolongavam até a famosíssima Missa do Galo, na noite de Natal. Nas novenas os sermões eram sempre puxando as pessoas para baixo. Havia um quê mórbido da Igreja em tratar Jesus Cristo como vítima da maldade dos cristãos de então. Não dos judeus da época romana. O negócio era culpar os dali mesmo e fazê-los pensar que eram criminosos religiosos. Aquilo era péssimo.
A missa do galo era à meia-noite. Acordar, vestir roupa, ir dormindo para a igreja e agüentar uma hora e meia de rezação, incluindo o sermão raivoso do padre, era uma barra! As crianças não podiam dormir porque os pais ou os vizinhos de banco não deixavam.Davam croque nas nossas cabeças. Depois vinha a ceia na casa da casa meu avô materno. Não era sempre. Mas tinha, certamente, o almoço de domingo. Esse era bom, porque a ceia era muito fora de hora, mesmo para aqueles estômagos infantis sempre famintos.No almoço tinha macarronada e galinha. Era o paraíso.
Bom, o leitor deve estar se perguntando: e os presentes de natal? Ihhhh! Isso era raro. Alguns pais mais abastados davam presentes aos filhos. Os demais, não! Ainda vigorava aquela tradição de colocar o sapato na janela com um bilhetinho pedindo presentes. A gente pedia absurdos. No dia seguinte, lá estava o sapato molhado de orvalho e o bilhetinho borrado. “Papai Noel não passou”. E ficava nisso. O chato era encontrar os amigos com seus carrinhos de pau coloridos, ou daqueles de latinha. Tudo muito simples, mas dava uma baita inveja e uma bronca danada do Papai Noel. No ano que vem ele vem, a gente se esperançava.
O bom do dia de Natal, além do almoço com sobremesa de doce de leite moreno, ou de goiabada com queijo, eram as conversas dos parentes que se reuniam. Eram sempre boas conversas. Homens na sala ou no alpendre, e mulheres na cozinha. Elas sempre arrumavam alguma confusão por causa “de conversas atravessadas”. Nada que durasse. E lá na igreja no sino dando-lhe advertências da culpa natalina de todos nós, e aquelas músicas tristes puxando a alegria. Natal bom era Natal triste, na visão religiosa da época. Bons tempos. Ainda bem que existiram. Ainda bem que mudaram!
Onofre Ribeiro é articulista deste jornal e da revista RDM
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/252420/visualizar/
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