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Cidades/Geral
Terça - 19 de Dezembro de 2006 às 08:16
Por: João Carlos M. Caldeira

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Lembro-me que numa viagem de férias à terra de Jorge Amado, Salvador, além de desfrutar da boa estrutura turística da cidade, tive a oportunidade e paciência para fazer alguns passeios de coletivo (ônibus) pela capital baiana.

Já há algum tempo não entrava em um ônibus e confesso que, após o impacto inicial, serviu para uma boa reflexão e foi um grande exercício de cidadania. Toda aquela gente humilde, de maioria negra, subindo naquele velho ônibus com suas sacolas de supermercado, suas marmitas; vendedores ambulantes tentando ganhar a vida e outras segurando apenas a carteira, sentadas nos bancos, com o olhar fixo à distância.

Naquele momento, num arroubo de ingenuidade, prometi pra mim mesmo que pelo menos uma vez por ano, repetiria aquela atitude (de ¨pegar¨ um coletivo) e sentir de perto o ¨apartheid ¨que vivemos. É desnecessário dizer que minha promessa nunca foi cumprida! Em alguns raros momentos, quando um barco afunda no Amazonas, ou quando há uma chacina no Rio de Janeiro, ou então quando um bebê é abandonado numa lata de lixo, ficamos sensibilizados com a situação de nossos irmãos brasileiros.

Lembramos a insensatez de uma vida em guetos, de uma desigualdade brutal que nos pega pelo estômago na saída de casa. Fingimos que não vemos as crianças e pedintes nos semáforos, dentro de nossos carros climatizados, tem até o ¨insulfilme ¨para nos esconder desse mundo que ¨não nos pertence¨.

A nossa fuga mais simples é em direção ao governo e às autoridades, que tratam a miséria e a injustiça social como um problema rotineiro, em meio aos despachos e papéis.

Nossos esforços pessoais são tímidos, paternalistas e condescendentes. A frustração de uma sociedade hipócrita é amenizada pela falsa sensação de que estamos aliviando o sofrimento e espalhando calor humano, através da doação de cestas básicas, de brinquedos velhos ou participando de campanhas natalinas.

Existem pessoas que realmente fazem diferença, doam o seu mais precioso patrimônio, o tempo, à redução deste fosso vergonhoso da desigualdade social. São quase todos anônimos: visitam creches, asilos, hospitais e penitenciarias; participam de projetos nas escolas e organizações e fazem girar a máquina da solidariedade e da cidadania.

Essas pessoas são na realidade educadores, educadores de humanidade. Não aparecem na mídia e raramente encontram reconhecimento público de suas ações, ao não ser um aperto de mão no Natal, um beijo de obrigado ou um sorriso infantil. Nunca estiveram envolvidos em escândalos de mensalão, mensalinho, sanguessuga, ambulâncias, lavagem de dinheiro, tráfico de influência ou desvio de verbas públicas. Com um pouco de demagogia e uma pitada de falsa humildade, acabo me penitenciando pelo ônibus que não tomei e pela promessa que não cumpri.

Faço apenas um agradecimento especial, inócuo, àqueles que tomaram os seus ônibus de humanidade e de solidariedade e doam seu tempo para amenizar o sofrimento de seus irmãos brasileiros, em nome de todos nós que ficamos em casa, vendo o ônibus passar.

Doar alimentos, roupas, dinheiro e brinquedos são necessários, mas na escala da verdadeira solidariedade vale um, contra dez dos que sobem nos ônibus para doar tempo, amor, esperança e dedicação para transformar a vida de seus semelhantes.

João Carlos M. Caldeira. Empresário, jornalista e professor universitário. E-mail: joaocmc@terra.com.br





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