O Código Civil, no artigo 17, só protege o nome de alguém de ser exposto ao desprezo público se ele for usado em referência direta ao seu detentor, e não a um personagem fictício. O entendimento é do juiz Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, da 12ª Vara Cível do Rio de Janeiro, ao autorizar a sérieFilhos do Carnaval, produzida pela 02 Filmes e pelo canal HBO, a usar o sobrenome Gebara em seus episódios.
A discussão se judicializou por iniciativa da própria família Gebara, imigrantes árabes residentes na capital fluminense que se dedicam a atividades de comércio e indústria. O autor é Carlos Antonio Gebara. A família entrou com ação inibitória com obrigação de fazer pedindo a retirada do sobrenome dos personagens da série, alegando haver ofensa à imagem e à honra da família, cujos membros participam de “todos os segmentos da sociedade, todos, sem exceção, imbuídos do espírito de luta e honestidade, pautando sempre pela conduta honrosa”.
O que incomodou foi que Filhos do Carnaval conta a história do desenvolvimento do jogo do bicho no Rio de Janeiro e sua relação com a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Anésio Gebara, na série, é o personagem que representa Castor de Andrade, um dos grandes donos de jogo do bicho no Rio que foi patrono da Mocidade.
A família, na ação, arrola todos os envolvidos na transmissão da série no Brasil. A HBO como canal no qual a série é exibida e as operadoras de TV a cabo TVA, NET e DirecTV. Pediu que elas se abstivessem de usar o nome Gebara na série e que indenizassem a família por danos morais.
Quem encampou a tese vencedora no caso foi a TVA, do grupo Abril, representada pelo advogadoAlexandre Fidalgo, do escritório Espallargas, Gonzalez, Sampaio, Fidalgo Advogados. O argumento era de ilegitimidade ativa da família, já que a série em nada se relaciona com os Gebara da vida real, e a ilegitimidade passiva das empresas que, como distribuidoras, não poderiam interferir no conteúdo da série.
No mérito, as empresas sustentaram que, como não havia nenhuma forma de referência aos Gebara e se trata de uma coincidência, o pedido não deveria prosperar.
Linguística
O juiz Teixeira de Almeida concordou com as empresas. Na sentença, explicou que o nome é um “elemento da personalidade individual” e, por isso, a proteção do nome se confunde com a proteção à própria personalidade do dono. Mas isso não quer dizer que a simples menção ao nome signifique a ligação direta ao seu dono. “A proteção ao nome assegurada pelos dispositivos legais invocados pelos autores se dá quando a lesão ao nome enseja a identificação precisa do seu portador”, escreveu o juiz.
Ele se refere aos artigos 16 e 17 do Código Civil, levantado pelos Gebara para tentar proibir a série de usar seu nome. O primeiro dispositivo diz que toda pessoa tem direito a nome e sobrenome. O segundo, que “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”.
No entendimento do juiz, essas regras não permitem interpretar que exista “uma proteção genérica que implique a proibição de se atribuir um nome preexistente a um personagem fictício ou mesmo a outra pessoa”. Prova disso, lembra Almeida, são os homônimos. Se o artigo 17 do Código permitisse a interpretação pretendida por Gebara, eles seriam ilegais no Brasil.
Ficção e realidade
Filhos do Carnaval, para o juiz Álvaro de Almeida, apenas “flerta com a realidade”, mas não é um registro biográfico, muito menos documental. Fosse um livro, seria o que se chama de romance histórico, como é o caso de Agosto, de Rubem Fonseca, que trata do mesmo tema, mas sob outra abordagem — a relação do jogo do bicho com o poder na primeira metade do século XX, e não com o carnaval.
“Vê-se, pois, que o simples fato de os personagens centrais da produção artística ora impugnada ostentarem o mesmo sobrenome dos autores não autoriza, em absoluto, a esses, postularem proteção do nome Gebara, seja porque tal sobrenome não é exclusivo dos mesmos, seja porque aludida obra televisiva não faz qualquer referência às pessoas dos autores ou de sua família, vale dizer, não há qualquer vinculação dos personagens ou mesmo do enredo de tal obra com qualquer fato ou pessoa relativa à real família Gebara”, conclui o juiz.
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