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Segunda - 11 de Março de 2013 às 14:06

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O projeto de reforma da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União —o PLP 205/2012— causou acirradas discussões sobre o modelo de advocacia pública adotado pela Administração Federal que servirá naturalmente de paradigma para a advocacia pública em todo País.

A Constituição de 1988 trouxe o Ministério Público e Advocacia Pública para a vida dos brasileiros. A experiência constitucional anterior demonstrou que a figura do “promotor-advogado” não era adequada para a realização das missões do parquet. Cindiram-se, então, as atribuições da promotoria de justiça, que ficaram a cargo do Ministério Público, das atribuições de advogado, que ficaram nas mãos da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados.

Passadas mais de duas décadas, o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados receberam tratamento bastante similar, respeitando-se as peculiaridades locais de cada estado. Durante esse tempo, o promotor de Justiça ganhou destaque no cenário nacional e a razão de ser de suas funções foi assimilada pela sociedade.

Os advogados públicos, contudo, ainda não têm uma identidade. Não obstante suas atribuições terem sido alçadas a mesma dignidade constitucional daquelas previstas para o Ministério Público e para Magistratura, existem enormes assimetrias entre as carreiras da advocacia pública brasileira. Em âmbito federal, as discrepâncias gritam: os membros da AGU são considerados advogados para fins de inscrição na OAB e pagamento das respectivas anuidades, mas ainda não são considerados advogados fins de recebimento de honorários e livre exercício de sua profissão[1].

Mas isso não deveria ser assim. Os advogados públicos de todos os entes federados receberam da Constituição uma idêntica missão — a representação judicial e o assessoramento do Estado. Além do regramento constitucional, há outra nota de semelhança que aproxima toda a categoria: apesar do adjetivo, o advogado público não deixa de ser advogado, que exerce uma função constitucionalmente privilegiada por ser indispensável à administração da Justiça. Somente a partir da aceitação de sua natureza e da autoafirmação de seus direitos, em toda sua plenitude, é que os advogados públicos conseguirão construir uma identidade nacional e projetar a importância de seu papel perante a sociedade brasileira.

O PLP 205/2012, nessa perspectiva, estava diante da possibilidade de aperfeiçoar a advocacia pública federal. Ele trouxe para debate assuntos polêmicos, como a aceitação de não concursados como membros da AGU e regras sobre a hierarquia e responsabilização do advogado parecerista. No entanto, um aspecto inovador do projeto —a liberação da advocacia privada— passou praticamente despercebido em meio às discussões acaloradas.

A nova redação que o projeto pretende dar ao artigo 28, I da LOAGU, infelizmente, restringe o exercício da advocacia privada em favor de poucos membros, a serem escolhidos dentro de critérios de conveniência e oportunidade das chefias da AGU, criando um tratamento nitidamente discriminatório internamente, em violação frontal ao estatuto constitucional da advocacia pública[2].

Procuradores iguais, mas com direitos diferentes. É essa uma das consequências da aprovação do projeto de lei que permitirá ao advogado da União o exercício da advocacia privada, “quando em licença ou afastado, sem vencimento”.

Essa situação desigual, na verdade, já ocorre atualmente à margem de qualquer previsão legal. Sem modificar o texto da lei, a AGU vem relaxando a proibição do exercício da advocacia privada: desde 2009, os membros da AGU foram autorizados a exercer a advocacia privada pro bono, em causa própria e, se licenciados, podem advogar livremente, conforme (i) Portaria 758/2009 do Advogado-Geral da União, (ii) Instrução Normativa Conjunta 1/2009 do corregedor-geral da União e do procurador-geral federal e (iii) Orientação Normativa 27/2009 do Advogado-Geral da União; e (iv) Despacho do Advogado-Geral da União no processo administrativo 00400.023223/2009-89.

Durante o período de afastamento, sustenta-se que o procurador licenciado, “por não desempenhar suas atribuições institucionais, não pode, nos termos dos artigos 121 e 124 da mesma lei, ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por atos praticados fora do exercício de suas atribuições funcionais. É bom ressaltar que o próprio caput do artigo 28 da LC 73/1993 destaca a expressão ‘...proibições decorrentes do exercício de cargo público...’, logo, se a licença constitui interrupção da prestação de serviço, é no mínimo duvidoso que as vedações permaneçam efetivas quando o vínculo se encontra interrompido”.

Ora, se o procurador está no gozo de férias, em licença médica, licença para se capacitar ou até mesmo se é punido com a suspensão, como ocorre com aqueles que exerceram a advocacia privada, ele não se encontra no desempenho de suas atribuições. Logo, poderia advogar sem ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente. Se esse raciocínio for levado adiante, pode-se concluir que um juiz ou promotor, quando licenciado, também poderia advogar.

Nada disso faz sentido.

O Conselho Federal da OAB[3], a quem cabe com exclusividade a interpretação do Estatuto da Ordem, entendeu que, mesmo em períodos de licença, o servidor proibido de advogar continua proibido. A propósito, transcrevo uma decisão dentre inúmeras outras no mesmo sentido:

EMENTA DO CONSELHO FEDERAL DA OAB: Ementa 45/2003/OEP. Auditor Fiscal — Atribuições Previstas em Lei — Incompatibilidade para o exercício da Advocacia. — O Auditor Fiscal ocupa cargo público de atividade-fim na área tributária. Dentre suas atribuições estão a de inspeção, controle e execução de trabalhos de administração tributária, executar a revisão físico-contábil; fiscalizar as receitas estaduais; constituir privativamente créditos tributários através de lançamentos ex officio com lavratura de auto de infração (Lei Estadual 4.794/1988), portanto, misteres incompatíveis com a atividade advocatícia, a teor do disposto no artigo 28, VII, do EAOAB. - O afastamento temporário não faz extinguir a incompatibilidade. Se permanece ocupando, em situação permanente, cargo incompatível com a advocacia, a incompatibilidade persiste, ainda que eventual e temporariamente não exercendo as respectivas funções. Recurso improvido. (Recurso 0008/2003/OEP-BA. Relator: Conselheiro José B. Souza (MA), julgamento: 13 de outuboro de 2003, unanimidade, DJ 18 de novembro de 2003, p. 456, S1);

Deixe-se claro: a LOAGU diz que é vedado o exercício da advocacia fora das atribuições funcionais. Não fez qualquer ressalva. Aquelas portarias, despachos e instruções normativas é que disseram o contrário e criaram algumas exceções. Na prática, atos administrativos contrariaram a lei. Poderiam ser tachados de ilegais. Mas essa não nos parece a melhor solução.

Em primeiro lugar, ao reduzir a proibição legal de advogar, a Administração negou aplicação à lei naquelas hipóteses específicas, o que equivale ao reconhecimento de sua inconstitucionalidade pelo próprio Poder Executivo. Esses atos só são válidos se se reconhecer que retiraram seu fundamento de validade numa norma superior, no direito constitucional de liberdade de profissão[4]. Mas esse reconhecimento trará implicações de outra ordem.

Os regulamentos que autorizaram a advocacia privada parecem-nos inócuos porque não cabe à AGU regular a advocacia privada, que é competência exclusiva da OAB. Segundo o ministro Marco Aurélio “[a] Ordem dos Advogados do Brasil, precisamente em razão das atividades que desempenha, não poderia ficar subordinada à regulamentação presidencial ou a qualquer órgão público, não só quanto ao exame de conhecimentos, mas também no tocante à inteira interpretação da disciplina da Lei 8.906/9 (...). Nesse campo, a vontade superior do Chefe do Executivo não deve prevalecer, mas sim a dos representantes da própria categoria”.






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