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Cidades/Geral
Quarta - 25 de Outubro de 2006 às 08:21
Por: José Ribamar Trindade

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Uma mulher que se identificou como Maria Aparecida de Souza (Cida), técnica em enfermagem, narra em detalhes supostos maus-tratos e sofrimentos de presos da Penitenciária de Água Boa (Vale do Araguaia, a 700 km de Cuiabá). Além das revelações que chocam, ela conta que alguns presidiários são espancados e recebiam injeção com água destilada na barriga como se fosse medicamento para curar dor.

Os “pacientes”, segundo ela, também recebiam frutose de 10 ml no músculo, medicamento que deveria ser injetado na veia. O reverso da aplicação era para gerar, segundo ela, ainda mais dor nos presos, que gritavam e passavam a ser humilhados com piadas sobre, justamente as dores que estavam sentindo.

Além das denúncias de maus-tratos, a mulher, ainda muito assustada com a violência, alerta para uma suposta “explosão” nos próximos dias dentro da Penitenciária. Segundo ela, a revolta e a dor dos presos os uniu ainda mais, ao ponto de surgir uma nova organização e novas lideranças. Ela alerta para uma suposta rebelião, possivelmente ainda neste final de semana.

A enfermeira conta ainda, que os presos se revoltaram ainda mais após a última rebelião, que não foi de iniciativa deles. Segundo ela, as autoridades garantiram que nenhum deles iria sofre retaliações, mas quando os presos que fizeram a rebelião foram transferidos, quem sofreu foram os presos que ficaram.

O secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso, Célio Wilson de Oliveira foi informado na noite de hoje sobre as denúncias. Pediu uma cópia do documento e prometeu apurar. “Vamos apurar sim, não temos nenhuma dúvida, até porque as denúncias nos parecem sérias e graves”, concordou.

DOCUMENTO NA ÍNTEGRA

Meu nome é Maria Aparecida de Souza, sou técnica de enfermagem, trabalho na área da saúde desde 1987, ou seja, a 19 anos. Trabalhei 12 anos em hospitais. Sou também auxiliar de enfermagem do trabalho. Trabalhei 3 anos na área. Trabalhei também dois anos com pacientes particulares (idosos debilitados) Ultimamente trabalhei no Presídio de Água Boa - Mato Grosso. Sempre coloquei o paciente em primeiro lugar.

Me entreguei de corpo e alma na minha profissão, porque penso que temos que ter ética na profissão, serve para no mínimo a qualidade no atendimento que prestamos. Então quero que entendam que sou uma profissional dedicada, e sempre dei tudo de mim por meus pacientes a mim confiados, tratando-os com amor, carinho e humanidade.

Sou natural da cidade de São Joaquim, estado de Santa Catarina. Vim para Água Boa - Mato Grosso, porque meu marido está licenciado perto de se aposentar, e sua família toda mora aqui na cidade, e sua mãe (minha sogra) está idosa e necessita de cuidados, e a família decidiu que seria mais oportuna a nossa presença aqui na cidade.

Em janeiro último, estávamos visitando a cidade e a família de meu marido, quando participei do processo seletivo com a psicóloga Creuza, para trabalhar no Presídio de Água Boa e fui aprovada.

Durante o treinamento, recebi informações a mim habituais: os presos deveriam receber o tratamento de reeducandos, pois o presídio era para a reeducação dos mesmos, então era para serem tratados com humanidade, respeito, ou seja, um tratamento que eu estava acostumada a destinar aos pacientes a mim confiados.

Começei a exercer as minhas atividades e me deparei, perplexa, com as situações que infelizmente não aconteciam a contento, nem próximas da realidade esperada, mas não me deixei contaminar pelos atendimentos prestados pelos demais e mantive minha postura pontual e profissional que sempre exerci com os pacientes a mim confiados e mesmo não tendo médico e os enfermeiros não orientando nem exercendo as funções necessárias ao bom andamento das atividades existentes, sempre destinando aos reeducandos um atendimento pouco profissional (atendimento realizado pelos demais de maneira indiferente) e isso resultando na frustração das expectativas dos pacientes-reeducandos, que buscavam a solução dos seus problemas e não encontravam no atendimento dispensado a eles, como por exemplo: recebendo aplicação de injeção de água destilada na barriga (como se fosse medicação para aliviar a dor), frutose de 10 ml no músculo (que deve ser feita na veia, e assim aplicada somente para gerar dor no paciente-reeducando) só para verem os pacientes-reeducandos sofrerem e serem motivo de chacota.

Eu nunca aceitei as maldades praticadas pelos meus colegas e somente me mantive calada por medo de retaliação, agora que fui eu mesma retaliada, nada tenho a perder ou a ganhar e minha omissão seria culpável e sem limites.

Acontece lá muitos espancamentos aos reeducandos, sem motivos, feitos pelos agentes e pelos PMs, tudo com cobertura da direção do Presídio, que tudo sabe. Fui conversar com o diretor e dizer a ele que eu não concordava com o que acontecia, expliquei que fui preparada para cuidar e zelar dos pacientes e não podia ver e nem aceitar maus tratos, perguntei se estávamos ali para reeducá-los ou marginalizá-los, porque esse presídio, da forma que é conduzida, eles são marginalizados, ele me falou que eu estava no lugar errado.

Ali o reeducando estava em último lugar e em primeiro lugar estava a segurança, e muitos outros itens para chegar até eles, e disse que eles são um bando de vagabundos perigosos que não merecem respeito e nem atendimento decente e pediu que eu mudasse, porque senão eu iria "me dar mal". Continuei tratando eles bem, e ganhei a confiança deles, e senti amor, carinho e respeito por parte deles, que admiravam a minha dedicação e falavam que eu era a única pessoa que tratava eles bem.

Segundo eles, contavam os dias para chegarem os dias do meu plantão, para receberem um pouquinho de atenção e carinho e com isso, comecei a ser "mal - vista" no presídio, porque eu estaria "do lado dos presos" defendendo os direitos dos presos, então eu entendi como era o funcionamento do Sistema.

Quem faz certo, está errado e quem faz errado está certo e ainda por cima é bem visto pela direção, que apoia quem odeia os presos e trata-os mal. Os funcionários que "entram na dele" fazem o que querem, trabalham quando querem, e saem a hora que querem e não ganham faltas nunca, eu mesma que nunca faltei ganhei diversas faltas, essas claro que retaliações a minha conduta, que em qualquer outro lugar seria de vista de forma positiva, mas nesse lugar, com essa direção equivocada eu diria assim, os valores são invertidos.

Eu, antes do acontecimento da rebelião, fui até o Sistema Prisional em Cuiabá, e contei, verbalmente , à Psicóloga Creuza, o que estava acontecendo, e deixei com ela (sem protocolo) um relatório do que estava acontecendo sobre os maus-tratos e que os presos estavam sendo tratados iguais a animais ou pior ainda, e que eles falavam que iriam realizar uma rebelião, porque não aguentavam serem maltratados.

O pessoal da Sejusp veio até o Presídio, entrevistaram vários reeducandos e confirmaram tudo o que eu havia relatado, e até mais, ocorrências de outras área de outros profissionais omissos, que estão no lugar errado.Só que mesmo depois dessa visita da Sejusp, continuaram os mals tratos, a falta de atendimento competente.

No Presídio, muitos dos reeducandos nem conhecem quem é o diretor, que por medo ou sei lá o que, nunca visitou algumas alas, e aí eles responderam os maus tratos e agiram como animais porque assim é que são tratados. Ficou parecendo depois da rebelião, que jogaram uma bomba no Presídio, e as paredes parecem que são feitas de papelão, e todos se revoltaram ainda mais com eles, o diretor falou claramente que por ele, pegaria uma metralhara e mataria todos eles, esses bandidos vagabundos.

E então ficou pior ainda, depois da rebelião, pois os líderes foram transferidos e quem ficou, que não havia organizado nem liderado nada, sofreu na pele a retaliação, até as correspondências que chegavam, eram rasgadas pelo diretor, pois segundo ele os presos não mereciam se comunicar com os seus familiares por serem bandidos. E aí, o sofrimento deles aumentou, no dia de revista (a denominada geral) não escapa ninguém sem apanhar da PM, que batem tanto que é de evacuarem nos corredores, as luvas que eles usam ficam sujas de sangue e ainda usam spray de pimenta direto, todos os dias.

Eu só algumas vezes senti o spray de pimenta e estou doente, com crises de bronquite, e imaginem eles, que passam todos os dias por isso. E a ordem é para que não levemos medicação aos presos, porque segundo a direção eles "não tem nada".

A medicação chega de Cuiabá , é mal armazenada, e não é para dar aos presos, então eu não sei para quem é ou era?. Eu fui avisada para que eu mudasse de postura, ou iria me dar mal. Não entrei na "dele" (o diretor) e comecei a ser perseguida e retaliada por todos que eram obedientes à direção e bem vistos por fazerem tudo errado.

Eu era bem vista somente pelos reeducandos, que não tem direitos e não podem escolher os profissionais para cuidarem deles, com amor, atenção, carinho e humanização. Será que eles não merecem? Não são seres humanos? Só Deus pode julgar, ninguém sabe o que levou eles a praticar os crimes e nem temos poder de julgamento, isso cabe ao judiciário e talvez não tiveram a mesma oportunidade que nós, quase todos vem de família desestruturadas e a maioria não teve oportunidade de estudar, quem somos nós para julgá-los, se já estão lá , condenados ou provisórios, pagando pelo o que devem,precisam ainda serem maltratados? Será que não merecem receber um pouco de atenção e amor?

Dia 11 de outubro último, quando por solicitação dos agentes, que estavam indo lá na farmácia pedir insistentemente por medicação, preparei na presença do enfermeiro, a medicação habitual que sempre entreguei aos presos, com autorização da subdiretora e do líder de disciplina. Antes de entrar no raio, no entanto, fui barrada pelo líder de disciplina, que disse para eu não fazer mais isso.

Então fui levada até o diretor, que foi grosseiro e mal educado, chamou o enfermeiro, que saiu correndo antes da hora de ir embora e dizia que não tinha nada a ver com isso e não foi, e fiquei sozinha, enfrentando os ataques desse diretor, a meu ver e de muitos, totalmente despreparado para a função, que bateu fotos da medicação e disse que não era mais para eu sair "distribuindo medicação", mas isso tudo não passou de uma armação dele, que quis caracterizar da maneira dele, algo irregular que nunca ocorreu, ele disse que preferia que eu não fizesse nada. Falou que desejou muito no dia da rebelião que eu ficasse como refém, se tivesse outra rebelião ele me jogaria ele mesmo lá dentro, para que eu conhecesse"meus amiguinhos".

Devolvi a medicação na farmácia, deixei só a que já estava preparada, e entreguei. Os outros pediam analgésicos, pois estavam com dores, eu avisei que o diretor havia proibido a entrega de medicação , só se eles (os reeducandos) passassem pelos enfermeiros, e eles reclamaram que os agentes não tiravam eles para consultar, só se estivessem quase morrendo ou morto, como aconteceu com o reeducando Reginaldo (Baiano) que morreu de tanto apanhar dos próprios presos até sofrer infarto do miocárdio, recentemente.

Fui então chamada novamente à direção, pois segundo o diretor eu estaria jogando os presos contra ele e ele me ameaçou inclusive com prisão se acontecesse uma nova rebelião, que eu seria presa por isso, e isso também me foi repetido pela Psicóloga. Então fui demitida, mandou eu pegar as minhas coisas e nunca mais entrar no presídio.

E então, chegando ao final da tarde, foram todos embora, eu não poderia ir embora sem me despedir dos meus reeducandos-pacientes, eles precisariam saber, na minha opinião, que eu não iria mais voltar, não porque não quisesse, mas por que fui demitida, e foi o crime então que eu cometi.

Eles ficaram todos tristes e começaram a chorar e bater nas grades. Só se acalmaram quando um PM foi lá e mentiu que eu não iria mais embora. Pelo PM, fui ameaçada de ser presa e algemada por ter agido assim, tive que posar então e no outro dia, ir de raio em raio, na hora do café, mentir aos presos que não iria mais sair, para que eles ficassem "calmos".

Não assinei nada, não sei da minha situação funcional, sei que fui demitida verbalmente, mas preciso de ajuda para os meus reeducandos pacientes, por favor, alguém tome alguma providência e ajude-os. Na semana anterior a minha demissão, fui a promotoria e a juiza de Agua Boa, entreguei vários apelos dos reeducandos e relatei verbalmente à promotora o que estava acontecendo, e sei que essa minha demissão é uma retaliação do diretor, pois após essa minha visita à promotoria, muitas coisas aconteceram, a juiza e a promotora estiveram no presídio e tomaram medidas, e até a visita foi restabelecida.





Fonte: 24HorasNews

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