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Sábado - 21 de Outubro de 2006 às 09:12

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Certos personagens são uma armadilha para qualquer ator. Um dos mais difíceis é o alcoólatra, que pode se tornar uma caricatura ligeira, sem captar a dimensão trágica do alcoolismo.

Bira, o personagem vivido por Eduardo Lago em Páginas da Vida, transcende os estereótipos. Entre goles e tragadas, ele é um dos principais destaques da trama de Manoel Carlos.

Na primeira fase da novela, Bira era apenas um homem metido a machão, que vivia inconformado por não aceitar a rejeição da mulher Carmem - vivida por Natália do Vale. Cinco anos depois, desempregado e descontrolado por ter perdido a amada para Greg, personagem de José Mayer, Bira entrou de cabeça no alcoolismo - amparado apenas pela filha Marina, interpretada por Marjorie Estiano. Quem lucrou com toda essa história foi Eduardo Lago. Este é, sem dúvida, o papel de maior repercussão da carreira do ator. Aos 47 anos, Eduardo conseguiu dosar bem o "teor" de seu personagem. Um trabalho admirável para o ator que, em seus "viris" 18 anos, começou a fazer aulas de teatro para namorar as colegas do grupo. "Estou tendo a felicidade de viver um personagem que encontramos nas ruas. Não é uma ficção escalafobética, são pessoas que você vê por aí", diz. O Bira é o primeiro alcoólatra que você interpreta na carreira. Que riscos um personagem como esse oferece para o ator? É um papel difícil porque o ator passa por uma "navalha". Ou ele pode ficar muito "over", ou aquém do que poderia. Ou seja, o personagem pode virar uma caricatura. Não é nada fácil fazer um bêbado. Não quero me vangloriar, mas acho que estou em um bom momento da carreira, mais maduro. Muitas vezes o ator pega um personagem e arrisca uma determinada linha que não funciona. Com o Bira sinto que acertei o tom. Sabe quando acertamos a mão? Procurei humanizar ao máximo o personagem, aproveitando todos os ganchos que o Maneco construiu. O Bira é um homem que sempre bebeu. Desde o início da história ele se apresentou com um copo de bebida na mão. Quer dizer, sempre foi um alcoólatra em potencial. Só precisava mesmo de uma oportunidade para se transformar efetivamente em um. Procurei fazer com que as pessoas sentissem mais do que pena dele, porque a tendência dessa doença é gerar um preconceito muito grande.

Você procurou os Alcoólicos Anônimos para compor o personagem? Não, porque fiquei sem tempo. Mas tive um amigo alcoólatra que fez a família enlouquecer. A mulher dele ficou maluca, os dois se separaram e, depois, ele acabou morrendo. Era um sujeito muito mais velho do que eu. Enfim, construí o personagem sozinho. O Maneco e o diretor Jayme Monjardim não participaram da composição do Bira. Independentemente disso, é fundamental ressaltar a importância que tem o AA. Não existe uma pílula para curar o alcoolismo. Aliás, não existe remédio para curar nenhuma dependência química. Nem droga, nem álcool, nem o tabaco. Você tem de ter um desejo muito grande de se livrar da dependência. Nesse sentido, o AA é genial, porque uma coisa que aprendi com esse trabalho é que para curar um alcoólatra, só outro alcoólatra. O alcoolismo é uma doença que provoca uma vergonha muito grande nas pessoas. O alcoólatra sente vergonha do que ele é. O que mais o surpreendeu até agora com a história do alcoólatra de Páginas da Vida? Confesso que não tinha idéia da gravidade dessa doença. Eu conheci alguns alcoólatras antes. Inclusive, conheci dois que morreram de cirrose hepática. Mas não fazia idéia da dimensão do sofrimento dessas pessoas. E não só delas, mas das outras pessoas que estão em volta, porque um alcoólatra desestrutura sua família. É uma doença que desestabiliza tudo. Talvez nem outras drogas tenham essa capacidade. Digo isso porque o álcool é uma droga lícita. Existem vários estágios de alcoolismo. Existe aquele estágio quase terminal que você tem uma crise de abstinência, treme e só pára de tremer se tomar uma dose de conhaque, cachaça, vodka ou seja lá o que for. E tem aquele que está se encaminhando para isso. O Bira já passou por algumas situações bastante dramáticas na trama. É difícil se desligar de um personagem como ele? Eu não levo o personagem para casa. Ele cansa. Após um dia de gravação, fico realmente cansado. O Bira exige uma emoção muito forte. Meu esforço com ele é grande. O Bira está sempre flutuando, tem várias nuances. Quando está bêbado, ele fica violento. Quando não está, fica dedicado com a filha. Quando vê a Carmem, a mulher por quem é apaixonado, ele fica completamente imbecilizado. O Bira foi internado contra a sua vontade e enganado mais de uma vez pela Carmem. Depois conseguiu fugir da clínica, para o desespero da filha Marina. Enfim, que destino você vê para ele? Não sei o que o autor vai resolver. A internação era uma sugestão que o texto indicava. O Maneco tem por hábito escrever de um dia para o outro. Com isso, nós atores recebemos os capítulos um pouco em cima, o que gera até uma certa pressão. Mas ao mesmo tempo, é interessante porque não sabemos o que vai acontecer. O que vemos muitas vezes é um personagem dar umas guinadas surpreendentes. Não sei qual será esse caminho. Mas acho que o primeiro passo para o Bira resgatar sua auto-estima e dar prosseguimento à sua vida, é ele se curar. Se não se livrar da doença, nada vai aparecer na vida dele. Assim acontece com todo alcoólatra. Ele destrói tudo que aparece, por mais sedutor e interessante que seja.

Como você avalia o seu desempenho na novela? Acho que consegui alcançar o que queria, que era dar uma dose de humanidade para o personagem. O Bira é doente, mas é um sujeito do bem. Ele só quer resolver sua vida. As cenas dele com a Marina, por exemplo, acontecem de verdade com muitas pessoas. Ele toma um porre, quebra tudo e no dia seguinte fala: "Pelo amor de Deus, me perdoa". O Bira está sempre pedindo perdão. Ele vira uma criança. E no dia seguinte da burrada, tem um retrocesso. Quer dizer, os papéis de pai e filha se invertem. É exatamente o que acontece com as pessoas que vivem o drama do alcoolismo. Em todos os casos, se pegarmos o histórico de um alcoólatra, tem sempre uma filha, uma mãe, ou uma boa alma que o ajude. Até porque se não tiver isso, seria um caso perdido. Se a pessoa que sofre dessa doença não tiver quem a conduza para um AA, a situação fica muito mais difícil.

Diante da densidade do personagem, o Bira pode ser considerado um "divisor de águas" na sua carreira? Não. Ele é um bom personagem que surgiu em um momento muito bom da minha vida, na maturidade. À medida que vamos envelhecendo, ficamos mais maduros e sábios. Acho que o Bira chegou em um bom momento não só da minha vida, mas da minha carreira também. É um personagem determinante, que abre um leque no aspecto de, daqui para frente, virem outros personagens interessantes. Ele está sendo muito visto. Às vezes, o ator está apresentando um determinado trabalho e as pessoas não estão atentas a ele. E o Bira, por tratar de um tema tão comum, está chamando bastante a atenção. Em Mulheres Apaixonadas, outra novela do Maneco, fiz o Leandro, um personagem que também teve uma repercussão muito grande. Ele era casado com a Hilda, personagem da Maria Padilha, que tinha um câncer de mama. Quer dizer, é o lado social da minha profissão.

Coisas da vida Independentemente do papel, muitas vezes o que mais surpreende um ator é a reação do público àquele personagem. Na pele do bêbado de Páginas da Vida, não é raro Eduardo Lago ser abordado nas ruas.

Não por ele ser intérprete de um alcoólatra, mas porque muitas pessoas vivem ou já viveram situações semelhantes às de Bira na trama de Manoel Carlos. Outro dia, o ator estava na rua quando um guardador de carros aproximou-se dele e disse que freqüentou bastante o Alcoólicos Anônimos. "Eu perguntei: Há quanto tempo você está sem beber?. Ele respondeu: "Eu bebo de vez em quando. Mas quando começo, não paro. E nem almoço nesse dia", recorda triste.

Na época de Mulheres Apaixonadas, novela exibida na Globo em 2003, o ator também foi surpreendido diversas vezes. Em uma delas, durante uma viagem, uma mulher chegou perto dele e falou: "Eu gostaria de te dizer uma coisa: você salvou o meu casamento".

Diante da afirmação, Eduardo conversou com a desconhecida, que lhe contou que teve câncer de mama na mesma época em que Hilda - personagem de Maria Padilha que era a sua mulher na trama - descobriu um tumor nos seios.

"O marido dessa mulher queria se separar dela. Mas graças à novela, assistindo ao Leandro e à solidariedade que ele tinha com a Hilda, ele percebeu que precisava ajudá-la", relata. Sem preferências Durante seus cerca de 30 anos de carreira, Eduardo Lago fez diversos trabalhos na tevê, intercalados com o cinema e o teatro. Páginas da Vida é a sétima novela do ator, além de duas minisséries.

Mas embora tenha quase três décadas de profissão, foi nos últimos três anos que Eduardo esteve mais presente na tevê. De Mulheres Apaixonadas para cá, o ator somou cinco trabalhos, uns mais intensos - como na atual trama das oito da Globo - e outros menos, como na época em que interpretou um pai ausente em Malhação.

Para ele, porém, não há preferência. Todos foram fundamentais em sua trajetória. "Todos os trabalhos que fiz na TV tiveram uma importância muito grande, em suas devidas épocas", justifica.

Trajetória televisiva Final Feliz (Globo, 1982) Tudo em Cima (Manchete, 1985 O Primo Basílio (Globo, 1988) Por Amor (Globo, 1997) Mulheres Apaixonadas (Globo, 2003) Malhação (Globo, 2004) Como uma Onda (Globo, 2004) América (Globo, 2005) Páginas da Vida (Globo, 2006)





Fonte: TV Press

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