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Sexta - 01 de Março de 2013 às 14:27

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Foram duas semanas agitadas para um senhor que já se encaminha para a terceira idade, ainda que esbanje saúde e disposição. Há muito um ex-jogador beirando os 60 anos não via pela frente marcação tão dura. Pareciam zagueiros nos anos 1970 e 1980, aqueles que não o deixavam respirar. Os repórteres vestiram a camisa de Abelão, Moisés, Miguel, René, Gentile, Figueroa, Edinho, Osmar... Agora, querem relembrar histórias bonitas e tristes. E Zico tem tudo isso. Tem história. Muita história para contar para os cinco netos - quatro meninos. Muitas histórias, principalmente, sobre o Flamengo. Inesquecíveis para a torcida, mas que entre 2011 e 2012 viveram momentos de tensão. Por causa de problemas com a antiga diretoria, o Galinho acha que a comemoração não seria a mesma se o 60º aniversário fosse no ano passado. E credita à sua maior aliada as homenagens que receberá até domingo, dia 3 de março.


- A torcida comprou o meu barulho.

E que barulho. Também, pudera. Só no Flamengo, o maior artilheiro da história do Maracanã, com 333 gols, balançou as redes 509 vezes. A conta se perde com os passes açucarados para os atacantes. Impossível contar quantos gols saíram dos seus pés. E assim Zico conquistou tudo no clube. Mundial, Libertadores, quatro Brasileiros, uma penca de Cariocas, torneios internacionais... Tornou-se insuperável, inatingível. A idolatria passa de pai para filho e agora para neto. Mas, vejam só, ele torce para que um dia não seja o maior. É o lado torcedor falando mais alto?

- Tomara que apareça alguém. Claro. Quem é torcedor quer o melhor para o time - insistiu.

Torcedor e jogador se misturam quando afirmou ter chorado com a torcida quando perdeu o primeiro pênalti importante, em 1976, na final da Taça Guanabara entre Flamengo e Vasco. Zico disse que chorou também com a nação brasileira após a derrota da fantástica Seleção de Telê para a Itália por 3 a 2, em 1982. Quatro anos depois, no entanto, garantiu não ter derramado uma lágrima ao perder o pênalti defendido pelo francês Bats na Copa do México, apesar da tristeza pela eliminação nas quartas, na mesma partida, também nas penalidades máximas.

Sim. Zico tem história também na Seleção. Seja triste, por ter lhe faltado o título mundial, seja alegre por ter sido o grande craque daquela geração do time de Telê que encantou o mundo. Zico também tem história no Japão, onde foi o grande desbravador. Se vai ganhar estátua na Gávea neste sábado, no país asiático já tem duas. Lá, o povo também o trata com carinho e lhe deseja vida longa. Aqui, o Galinho, que reconheceu ter medo da morte, cuida bem do coração para chegar em forma aos 70. E poder mais uma vez relembrar as pinturas que fez com a bola.

GLOBOESPORTE.COM: Você está chegando aos 60 anos bastante celebrado não só por quem o viu jogar como também por filhos e netos dos seus fãs rubro-negros. Como vê essa festa toda?

ZICO: Acho que esse movimento todo agora foi em função do que aconteceu na minha última passagem no Flamengo, em 2011. Isso deixou uma tristeza muito grande na torcida, e a torcida comprou o meu barulho. Quando eu voltei, havia uma expectativa grande de que eu pudesse dar uma contribuição legal, e depois a forma como tudo aconteceu mexeu com o torcedor, pelo carinho que ele tem por mim, e com os próprios dirigentes que hoje estão aí. Acho que essa manifestação toda foi pela tristeza que sentiram, acharam que não deveriam ter feito o que fizeram. Não tenho dúvida disso. Esses caras que viveram muitas alegrias comigo se sentiram também traídos, ofendidos. E quando vai se passando o tempo, as coisas vão clareando, a gente não precisa nem falar nada. As reações são mais emocionais, pessoas que viram que, além de saberem que eu estava com a razão, como o clube deles que eles amam foi tratado por certas pessoas que estavam à frente. Isso gerou uma certa comoção.

- Se tivesse feito 60 anos no ano passado acha que não teria essa comemoração? Nem pela torcida?

- Acho que não. Acho que 50 pode ser até mais celebrado do que 60. Por que 60? Meu sentimento é esse, não vou esconder isso.

- Sente-se mais amado hoje pela torcida do que era antes?

- Não por conta disso. Talvez por estar mais perto. As pessoas estão tendo mais ações concretas. Pelo fato de o time do Flamengo ter ficado muito distante do torcedor, os jogadores... O pessoal sente saudades disso tudo. Começa a ver a gente de outra forma. Quer que aquilo tudo retorne ao mundo deles.

- Acha que jamais será superado no Flamengo?

- Tomara que apareça alguém, porque aparecendo serão mais títulos e conquistas para o clube (risos).

- Gostaria de ver um jogador superando você?

- Claro. Quem é torcedor quer o melhor para o time. Hoje é difícil ter alguém que vai continuar tanto tempo no clube como eu fiquei, como o Marcos (Palmeiras), o Rogério Ceni (São Paulo), o Roberto (Vasco) mesmo. É muito difícil isso. Hoje, em termos de marcas, acho que o Léo Moura, se tivesse passado a carreira toda no Flamengo, teria até ultrapassado a gente por causa da continuidade. Quantos anos ele jogou em outros lugares?

- Em números, não na idolatria...

- Lógico. Mas o fato de você jogar só em um time cria identificação. Hoje o Léo Moura é muito mais identificado com o Flamengo. Mas há um tempo atrás não era. Jogou nos quatro do Rio. Mas ninguém lembra mais. Se tivesse jogado desde o início no Flamengo, a visão do torcedor do Flamengo dele seria outra hoje. Ele jogou muito e conquistou muito pelo Flamengo. Se o Rondinelli tivesse ficado só no Flamengo, seria maior ainda do que é hoje por tudo o que representa. Mas o fato de ter ido pro Vasco, de ter ido pro Corinthians, isso sempre esfria um pouco, divide.

- Que jogadores você põe como monstros sagrados do Flamengo, que serão também eternos?

- Tem uma quantidade enorme de gente que será lembrada sempre. Junior, Leandro, Adílio, Andrade, na nossa época. Pet, Adriano, mesmo mais recente... Aquela turma mais antiga: Fio Maravilha, Zizinho, Dida, Leônidas, Domingos, Dequinha, Henrique, Rubens, Carlinhos... No Flamengo teve muita gente que ficou... Quem ficou três, quatro anos conseguiu fazer mais. Silva Batuta... Muita gente deixou saudade.

- Você cresceu ouvindo muita história do seu pai, contemporâneo de muita gente. Foi importante para criar identidade maior?

- Ah, sim. Procurei saber de tudo da história do Flamengo. No que eu mais me ligava na questão do futebol era o fato de o papai ter perdido a oportunidade de ter sido o goleiro do Flamengo do primeiro tri (42/43/44). Jurandyr, que foi indicado por ele para o gol, Domingos e Newton. Biguá, Bria e Jayme. Valido, Zizinho, Pirillo, Perácio e Vevé. Meu pai podia ter jogado com esses caras. Sentia que o velho tinha uma certa dor por ter indicado o Jurandyr para o lugar dele. Depois foi o Luís Borracha. Depois veio o time com Chamorro, Tomires e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Rubens, Índio, Henrique, Dida, Zagallo, Esquerdinha, Evaristo... O Flamengo teve equipes que marcaram, que a gente sabia de cor. E isso deve acontecer hoje.

- Sabe a escalação do Flamengo hoje?

- Sei porque não estou só acompanhando, mas porque o Dorival está conseguindo repetir. Muda pouca coisa. Ano passado, cada hora era um time.

- Em alguns períodos de mágoa com o Flamengo, você dizia que não estava vendo mais jogos do clube.

- Mas eu não via mesmo. Não queria ver aquelas pessoas. Era a mesma coisa que ir à Gávea e cruzar com três, quatro pessoas que eu não queria ver mais. Você não vai a um lugar onde não se sinta bem.

- Gostaria de ver algum neto seu seguir a carreira?

- Não, assim como não gostei de ver os meus filhos. Mas eu acho que com um neto sofreria menos que com os filhos. A pressão seria bem menor.

- Seus filhos sofreram muito com essa pressão?

- Sofreram muito. Thiago era mais esquentado, xingava todo mundo, brigava com todo mundo. O Junior talvez sofresse mais por engolir mais as coisas.

- O Junior até virou torcedor do Guarani... Acha que foi por isso?

- Sim, acho que até teve a ver com isso.

- Em algum momento viu potencial neles?

- Vi. Para serem jogadores de futebol. Porque vi eles fazerem coisas que não vejo outros jogadores fazerem. Mas não tiveram oportunidade. Se dá oportunidade a um, tem que dar oportunidade a outro da mesma forma. Você não pode dar oportunidade a um que é pobre e não dar ao outro que não é pobre. Por que só o cara que vem de ônibus vai ter mais oportunidade do que quem vem de carro? Você está discriminando.

- Como você sempre teve a vida muito intensa, de viajar muito como jogador e treinador, se vê procurando dar mais tempo para a família? Imagina-se daqui a 10 anos como o seu Antunes (pai de Zico), cercado de filhos e netos contando histórias, ou acha que nunca vai ter esse perfil por ser uma celebridade?

- Acho que a tendência é ter cada vez mais tempo para isso. Já estou fazendo isso. Não marco nada no fim de semana. Sábado ou domingo, se puder, nem atendo telefone. O tempo é para eles. Hoje sou corujaço.






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