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Cidades/Geral
Sábado - 07 de Outubro de 2006 às 09:02

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Há vários aspectos terríveis em um acidente aéreo como o que vitimou 154 pessoas no vôo 1907 da Gol, mas para os peritos envolvidos no difícil trabalho de identificação dos corpos que chegam ao Instituto Médico Legal de Brasília, o impacto emocional é associado a uma dificuldade prática: o olfato.

O avançado estado de decomposição dos corpos e restos humanos que chegam foi notado logo quando as duas primeiras vítimas foram trazidas: o prédio foi tomado pelo forte odor e surgiu a idéia de acondicioná-los fora do instituto. Com isso, os cerca de cem peritos trabalham parte do tempo sob uma tenda de campanha.

Fãs de CSI --seriado fenômeno de audiência em todo o mundo que trata do trabalho de peritos--, alguns chegam a gravar os episódios e trazer para o dia-a-dia o que vêem na ficção. "Mas tudo lá aparece muito fácil, muito prático. Nem sempre é assim", diz José Luiz Lopes, diretor da Associação dos Peritos Papiloscópicos de Brasília.

Apesar da experiência, ele conta que é normal, como no caso das vítimas da Gol, que os peritos fiquem sensibilizados e abatidos. "Uma coisa é ver duas, três vítimas. Outra é ver mais de 30 juntas", diz.

Os peritos chamam as digitais de "a rainha de todas as provas". O método, segundo o diretor do Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal, Iverton Carvalho, é 99,99% seguro. E chega a ser custar um quinto do valor do teste de DNA, por exemplo.

Até hoje, não foram encontradas no mundo duas impressões digitais iguais. "Dos seis meses de vida uterina até a decomposição total do corpo, as digitais permanecem iguais", diz a perita Mary Bessa Monteiro, diretora-adjunta do Instituto de Identificação do DF.

Envolvida diretamente no reconhecimento das vítimas do vôo 1907, ela tem trabalhado mais de 12 horas por dia. Com 30 anos de profissão, tira de letra a visão das vítimas, ainda que mutiladas. Mas, como todos os outros peritos ouvidos pela Folha, admite que o cheiro é o lado mais desagradável.

Peritos que lidam diretamente nos corpos usam macacões especiais de material sintético, luvas, toucas e botinas de borracha. Máscaras feitas com carvão ajudam a eliminar o cheiro e o risco de contaminação. Quem manuseia corpos está sujeito a pegar doenças como hepatite e tuberculose.

Em média, os peritos papiloscópicos ficam cerca de 30 min com cada corpo, no processo de retirada das digitais.

Basicamente, a identificação é feita de três maneiras. No caso de mortes recentes, a impressão é colhida com tinta. Os dados são então confrontados com impressões retiradas do documento de identidade.

No caso de vítimas já em decomposição, fica difícil coletar digitais. Normalmente, nesse estágio, os dedos das vítimas são secados, até que seja possível retirar as digitais com tinta.

Um último estágio é quando o corpo começa a soltar a pele. Neste caso, os peritos retiram a pele das mão e a hidratam, para que fique como uma luva. O perito "veste" a pele da vítima e retira as digitais com tinta.

Uma das dificuldades é que, em casos de morte tensa, normalmente a vítima fica com músculos enrijecidos e os punhos cerrados. É o que vem sendo notado no caso do acidente, indicando que as vítimas tiveram algum tempo de consciência entre o choque com o Legacy e a morte. Assim, os peritos precisam massagear os corpos, para desfazer a rigidez e colher as digitais.

De posse das digitais, eles as comparam as armazenadas no país. Aí enfrentam outro problema. No Brasil, não há um banco de dados de digitais nacional --cada Estado tem o seu. Pior: eles ainda são manuais. No DF, por exemplo, estão armazenadas 2,8 milhões de digitais, que precisam ser comparadas manualmente.

O reconhecimento por digitais é normalmente a primeira tentativa feita pelos peritos. No caso das vítimas do acidente aéreo, a segunda etapa será uma análise baseada em informações biométricas e físicas. A última opção será o DNA.





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