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Domingo - 01 de Outubro de 2006 às 08:27
Por: Josi Costa

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O ex-oficial de rede, do setor de telefonia, Ademir Rodrigues da Silva, 27, é um homem de muita sorte. No peito, ele traz a marca do dia em que nasceu de novo, pelas mãos do cirurgião geral, Nadim Amui Júnior, quando já era levado para o necrotério do Hospital Jardim Cuiabá, na Capital. O normal é sentir as batidas do coração com a ajuda da mão ou do ouvido. Em Ademir, é possível ver os movimentos do músculo pulsando sob a pele. Uma cena difícil de descrever e de esquecer.

Era 6 de janeiro de 2001, perto do meio-dia. Ademir estava no alto de um poste, a quatro metros do chão, instalando a última linha, antes do almoço. "Não vi mais nada. Já acordei no hospital. O que o doutor Nadim fez foi algo muito especial. Não tenho a palavra certa para definir", lembra o rapaz, cinco anos depois do acidente, em gratidão ao médico. Ele chegou ao hospital com parada cardíaca (assistolia), foi atendido por uma equipe, mas os médicos não conseguiram reanimá-lo.

Inconformada com a morte de um paciente tão jovem, a enfermeira Terezinha Arruda lamentou, em voz alta, a ausência do cirurgião geral, Nadim Amui, enquanto cobria o corpo de Ademir com um lençol, para levá-lo ao necrotério. Os médicos já haviam deixado a sala e o aviso do óbito já havia chegado à recepção, quando Nadim encontrou a enfermeira no corredor.

"Me aproximei, toquei no corpo e ainda estava quente. Um rapaz novo pô (sic), um trabalhador. Isso me sensibilizou demais. Eu tinha que tentar. Eu tinha que tentar", recorda. Decidido a tentar quase o impossível, Nadim foi até a recepção e pediu permissão à família para abrir o peito (toractomia) de Ademir.

Viver de novo - O coração do rapaz estava parado havia pelo menos 15 minutos, segundo Terezinha. O tempo corria contra o relógio e o médico abriu o tórax de Ademir ali mesmo, numa sala de pronto-atendimento, sem qualquer aparato moderno. "Usei isso aqui", mostra, ao espalhar os instrumentos cirúrgicos numa maca, usados para fazer um corte de aproximadamente um palmo, abaixo do peito do rapaz, sem anestesia. "Ele estava clinicamente morto.

A anestesia foi feita depois da cirurgia", lembra. Ao abrir o tórax, o médico massageou o coração de Ademir, já coagulado, com as próprias mãos, injetou ampolas de adrenalina e conseguiu trazer o rapaz à vida. "Abri, massageei, drenei, fechei e mandei pra UTI", resume, gesticulando como se repetisse a operação. "Cinco minutos", calcula, ao medir o tempo que levou todo o procedimento.

Ao ser procurado pela reportagem de A Gazeta, Nadim foi simpático, atencioso, mas se esquiva da entrevista. "Não fiz nada demais. Sou especialista em cirurgia de urgência há 20 anos", desconversa. O médico se mostra surpreso, não com sua atitude e habilidade em conduzir o caso, mas com o ambiente "artesanal" onde Ademir reviveu.

"Foi feito tudo aqui", insiste - pasmo - ao mostrar a sala de pronto-atedimento do Hospital Jardim Cuiabá, a poucos metros da recepção, onde há apenas duas macas e um respirador. "Todos me deram parabéns. Até o cirurgião", diz, sem esboçar qualquer pretensão. "Por favor, não escreva aí que eu ressuscitei o cara. É a experiência", insiste, preocupado com a distorção do caso. "A mãe dele ficou tão agradecida que mandou caixotes de doce de presente", brinca.

Nadim não usa branco, veste geralmente camiseta preta e jeans e nem se preocupa em ser confundido com um paciente, nos corredores do hospital. "Não uso branco para não botar distância", justifica.

Grudado nos fios - Na hora do choque que levou na rede de alta tensão, Ademir estava preso por um cinto, mas não usava luvas. "Abaixo de Deus foi o doutor Nadim", relembra Terezinha, que até hoje não esquece a cena.

Foi ela quem limpou o peito do rapaz para a cirurgia. "Ele massageava o coração dele com as mãos. O rapaz viveu de novo. Foi um corre-corre. Ninguém acreditava", recorda. "Quando ele terminou, avisou que o resto era com o doutor Pedro Miranda (neurologista), ao se referir a possíveis sequelas".

A parada cardíaca pode gerar lesões irreversíveis ao cérebro em razão da falta de oxigênio. Ademir ficou pelo menos 15 minutos sem respirar. A cicatriz do lado esquerdo do peito é a única marca física que o rapaz de 27 anos, magro e de estatura mediana, traz. Ao conversar com ele, no entanto, os lapsos de memória expõem as sequelas do não retorno ao médico.

Segundo a avó, Judite Lopes Ferreira, 80, o neto voltou a trabalhar antes de cumprir o repouso estipulado pelo médico. "Eu dei conselho, mas ele não me ouviu", lamenta. Os 15 minutos em que as atividades cerebrais de Ademir ficaram paradas afetaram o seu comportamento.

O rapaz se tornou impaciente, irritado, nervoso e avesso a críticas. "Ele precisa de um ambiente sossegado", insiste a avó, com quem Ademir morava quando sofreu o acidente. Hoje, ele mora com a mãe na rua São Gonçalo, 163, num bairro de Cuiabá, mais conhecido por Brejinho, numa casa humilde e carente de reforma e de mobília.

Auxílio - Com apenas 27 anos e sem trabalho, o que Ademir mais lamenta é não poder desempenhar qualquer trabalho como sempre fez. "Trabalhava de motoboy, mas às vezes esquecia os endereços", comenta, constrangido e pouco à vontade com as críticas da mãe, que não parece compreender a gravidade do que aconteceu com o filho. O rapaz precisa de ajuda. A empresa que o empregava na época faliu. Uma ação por indenização seria difícil e o resultado demorado. "Recebi apenas R$ 2 mil na época", desabafa, sem saber como se recolocar no mercado, por causa da limitação.

A história de Ademir somente se tornou pública porque Terezinha enviou-a para uma revista de variedades, de circulação nacional, na coluna "Aconteceu Comigo". Diferentemente do que foi publicado pela revista, o médico nada recebeu pela história e mal sabia da publicação do caso, quando foi procurado para esta entrevista.

Serviço - Se um médico ou assistente social quiser ajudar Ademir, ele mora na rua São Gonçalo, 163. Para mais informações sobre o caso, ligar para 8126-8054.





Fonte: Gazeta Digital

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